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Acervo Temático: O Casamento Infantil no Brasil

Acervo Temático: O Casamento Infantil no Brasil

O Brasil, infelizmente, não é um país que pode ser considerado um lugar tranquilo, seguro e promissor para o futuro de suas crianças. É verdade que em muitos lugares do mundo a infância sofre riscos gravíssimos, mas, o Brasil, em grande parte de sua extensão e complexidade não pode ser considerado um lugar que trata todas as suas crianças com o necessário zelo, respeito e mesmo carinho. Há problemas graves neste país, que colocam em risco o futuro das nossas crianças, como por exemplo, a pobreza, a desigualdade social, a violência, a falta de adequado acesso à saúde, acesso à educação, além dos casos em que são vítimas de abusos sexuais, tráfico de pessoas e prostituição infantil. Somada a essas preocupantes situações, o casamento infantil é uma das que mais atinge nossas crianças, principalmente as meninas.

De acordo com a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para Infância e Juventude), 25% das latino-americanas casaram-se ou foram viver com seus parceiros antes de completar 18 anos. Essa realidade é muito pior nos países da África Ocidental e Central, onde 42% das meninas são submetidas a essa situação. No Brasil, contudo, a taxa de casamento infantil gira em torno de 26%; ou seja, é realmente muito alta. Aliás, estima-se que até 2030, caso o Brasil não tome medidas contra essa situação, contribuirá fortemente para que a América Latina tenha uma das taxas mais altas de casamento infantil do mundo, o que deixará a região apenas atrás da África Subsaariana.

Dentro desse contexto, é possível afirmar que mais de 650 milhões de mulheres e meninas vivas casaram-se antes do aniversário de 18 anos no mundo. Vale lembrar que isso seria mais do que duas vezes a população inteira do Brasil somada. Globalmente, em torno de 21% das jovens mulheres entre 20 e 24 anos foram noivas meninas. Em média, os maridos são nove anos mais velhos que as meninas.

Para fins normativos e conceituais, criança é todo ser humano com menos de 18 anos de idade. É o que estipula a Organização das Nações Unidas em suas principais normativas. É, inclusive, o que está disposto no art. 1° da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, que é o texto convencional internacional mais aceito da história, com o engajamento e aceite de 196 países. Ou seja, praticamente o mundo inteiro definiu entre si que deve ser tratado, ou melhor, protegido como criança o ser humano que tenha menos de 18 anos. É evidente que a Convenção permite que a lei de cada Estado estabeleça regras de capacidade jurídica diversas e de maioridade alcançada antes dos 18 anos. Isto é, cada Estado, mesmo sendo parte da Convenção, pode estabelecer normas que digam a partir de quando o ser humano se torna plenamente capaz de contrair direitos e obrigações, inclusive podendo antecipar a maioridade em casos específicos. Nesse sentido, é importante mencionar que isso nada tem que ver com a ideia de irresponsabilidade da criança. Afinal, a criança pode ser responsabilizada por eventuais ilícitos que cometa, mas essa responsabilização deve levar em conta que se trata de um ser humano em formação, imaturo, e que isso deve ser observado tanto em relação ao caráter punitivo, como naquilo que envolve a sua própria recuperação em sociedade. Em outras palavras, não se pode punir uma criança tal como se pune um adulto.

Vale mencionar, nesse diapasão, que a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 proclama que a infância tem direito a cuidados e assistência especiais e que, em respeito a isso, toda criança tem o direito de crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão.

Assim, dentro de todo esse contexto normativo conceitual, casamento infantil pode ser compreendido como qualquer união formal ou informal realizada antes dos 18 anos de idade. Portanto, trata-se de um conceito amplo e que se abre a complexidades situacionais. Ou seja, é possível que em muitos países do mundo o casamento de pessoas com menos de 18 anos seja considerado normal culturalmente ou até mesmo uma tradição. Todavia, é importante se ter em mente que nem toda tradição deve ou precisa ser mantida conforme o passar dos tempos. Um exemplo claro disso é a evolução que assistimos em relação ao compartilhamento do poder familiar no Brasil. Afinal, no século passado cabia apenas ao homem a ideia de ser o chefe da família, o que hoje não pode ser mais aceito. Tanto a mulher, quanto o homem devem conduzir a família que compõem, tendo igualdade de direitos e deveres. Assim, a cultura é dinâmica e os costumes não dormem paralisados no tempo. De qualquer maneira, uma das razões que permitem o casamento infantil no mundo é a cultural.

Além disso, não há como se furtar de apontar a pobreza como uma outra forte razão que leva ao casamento infantil. Em muitas realidades socioeconômicas a falta de recursos, acesso à saúde, informação, lazer e educação faz com que muitas meninas dependam de algum parceiro para sobreviverem ou mesmo deixem seu núcleo familiar para não mais contarem como uma “despesa” para seus pais.

Outro fator que fomenta a incidência de casamentos infantis é a violência sexual. Em muitas situações, meninas estupradas são forçadas a se casar com seu estuprador. Aliás, em muitos casos essas meninas engravidam. De acordo com a ONU, em países em desenvolvimento, 9 de cada 10 partos precoces ocorrem entre meninas que já estão casadas.

A somatória desses fatores, comuns na realidade brasileira, acaba por estabelecer uma espécie de ciclo vicioso. A menina que se casa precocemente é retirada do seu ambiente familiar e da própria escola (isto, quando havia acesso a ela); assim, seu desenvolvimento sexual é prejudicado, sua formação educacional é interrompida e sua vida profissional impedida. Esse ciclo amplia a pobreza do núcleo familiar formado, favorecendo futuras situações semelhantes para os filhos do casal. Vale sempre ressaltar que na maioria dos casos há violência sexual e a possibilidade de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis.

Evidentemente esse é um problema que acomete em sua grande maioria as meninas, mas meninos também podem ser vítimas de um casamento infantil. Estima-se que, em países de baixa e média renda, 1 a cada 25 meninos se casa antes dos 18 anos.

O Brasil é o 4° maior país do mundo em números de casamentos infantis. O país que lidera essa preocupante situação é a Índia, com em torno de 15,5 milhões de casamentos realizados antes dos 18 anos, seguida por Bangladesh, com 4,5 milhões, Nigéria com 3,5 milhões e o Brasil com 3 milhões. Dentre os estados brasileiros, os que possuem maior taxa em ordem decrescente são o Maranhão, o Ceará, Alagoas, Bahia e Pará.

Por fim, o casamento infantil é uma triste realidade da qual o Brasil é um dos protagonistas. Não há tradição ou cultura que justifique o interrompimento do desenvolvimento de um ser em formação. O corpo não está pronto, não há maturidade para se encabeçar a formação de um novo núcleo familiar e tampouco condições físicas e emocionais para suportar tudo que envolve uma vida conjugal. O casamento infantil é um feixe de violações de direitos da criança e uma certeza de manutenção de um ciclo vicioso de violências e abusos disfarçados de normalidade. É necessário que o Brasil e o mundo busquem cumprir com o que está determinado na Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança e na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos. A criança deve ter o direito de ser criança, para que possa, no futuro, e somente nele, ser um adulto com esperanças de uma vida promissora.

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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