fbpx
Fundação Podemos
/
/
A Resenha: A última viagem do Deméter

A Resenha: A última viagem do Deméter

A última viagem do Deméter (2023), de direção do norueguês André Øvredal, conta uma parte da lenda do Drácula, apenas um capítulo dela, baseada no diário de bordo do capitão do navio que levou o demônio do porto de Varna, hoje na Bulgária, para Londres. O filme, que conta com a atuação sempre competente de Liam Cunningham (“Game of Thrones” e “O problema dos três corpos”) relata a história do que ocorreu no trajeto do desgraçado navio, que não tinha qualquer ideia do terrível passageiro que viajava a bordo.

O telespectador poderia pensar: “mais um filme sobre o Drácula! Como pode uma história ser tão contada e recontada assim?”. Pois é! Trata-se de mais um conto que fortalece o poder do maior ícone da literatura gótica e do cinema de terror. Vampiros sempre fascinaram o ser humano, desde as histórias contadas para crianças, até a famosa novela de Bram Stoker, publicada em 1897 e baseada no príncipe que governou a Valáquia (hoje Romênia) no século XV.

Bram Stoker inspirou-se no príncipe Vlad III, conhecido como Vlad, o empalador. Famoso pela sua crueldade contra inimigos e prisioneiros, dizem que gostava de assistir as execuções e que quanto mais violentas fossem, mais satisfeito ficava. Apesar dessa fama, poucos sabem que Vlad é um herói na história romena, principalmente por conter os avanços dos turcos na região. Suas vitórias contra o povo não cristão lhe garantiram uma posição célebre na história da cristandade.

Ou seja, não deixa de ser irônico que o príncipe das trevas tenha sido inspirado num herói local cristão. Aliás, é sempre bom lembrar que a crueldade em guerras nunca foi exclusividade alguma de um governante ou outro. Basta se aprofundar um pouco na história das batalhas para se concluir que a crueldade sempre foi a regra. Talvez o que destoe no caso de Vlad seja a escatologia da crueldade, por conta da sua apreciação por empalamentos.

De qualquer maneira, Vlad inspirou Drácula, o morto-vivo, amaldiçoado por Deus para vagar eternamente pela Terra, sem paz, sem descanso, precisando do sangue de outros seres vivos para se alimentar, como se um animal fosse. A figura construída por Bram Stoker fundamenta-se na dualidade que envolve a psique humana em relação ao bem e ao mal sob uma perspectiva cristã. Uma figura que, apesar dos aspectos sedutores, da força e do poder, carrega na realidade uma aparência medonha, uma infelicidade eterna e uma sede que nunca consegue ser satisfeita. Drácula é um ser que no fundo é infeliz e vive em eterna agonia. Tudo isso por conta do seu rompimento com Deus. Não é à toa que teme a cruz e a luz do sol, símbolos da divindade.

A lenda do Drácula é tão forte no imaginário popular, que foi abordada inúmeras vezes pelo cinema, de diversas formas, sendo algumas nada ortodoxas, como na série Crepúsculo, envolvendo Lobisomens e Vampiros. Apesar disso tudo, a última viagem do Deméter tenta se manter fiel ao clássico de Bram Stocker e consegue.

Logo no início do filme, o capitão do Deméter precisa recrutar mais tripulantes no porto de Varna. Procura por homens fortes e com experiência em navegar. O jovem médico Clemens (Corey Hawkis) se oferece, mas, por ser negro e um homem estudado, logo é recusado. Um homem corpulento e bruto é escolhido em seu lugar. Contudo, quando esse está ajudando a colocar a carga dentro do navio, percebe um emblema que lhe causa medo e horror na tampa de um dos grandes caixotes. Com isso, solta a corda de tração que alavancava o pesado recipiente, quase caindo em cima do pequeno neto do Capitão Eliot (Liam Cunningham), Toby (Woody Norman). Clemens foi o responsável por salvar Toby do acidente e com isso ganhou a confiança do Capitão que resolveu aceitá-lo como tripulante. Clemens era um inteligente jovem cientista que queria voltar para Londres porque havia sido recrutado como médico por um governante local, mas este, ao ver que ele era negro, o havia mandado embora.

A partir daí a trágica viagem começa. Durante uma tempestade, um dos caixotes que estavam sendo levados para Londres se abre e dele uma mulher pálida, cheia de hematomas sai para fora, praticamente morta. É Anna (Aisling Franciosi), que é salva por Clemens e revolta toda a tripulação por conta da sua clandestinidade. No entanto, ela era apenas o prelúdio do que estava por vir. Daí em diante o horror vai se impondo numa crescente. Nem a inocência do menino Toby é poupada.

A última viagem do Deméter é o tipo de filme que aborda uma história da qual todos sabem o final, mas ninguém nunca se perguntou bem como aconteceu em detalhes. Essa é a grande força do filme: contar uma história de horror clássico e mesmo assim inovar na execução. Não é um filme brilhante, mas está longe de ser um filme chato, mal executado e sem elementos visuais interessantes. A atmosfera de mistério e horror que o diretor cria de dentro do convés do navio capta o telespectador, que logo se vê preso no pesadelo que a jornada se transforma. Assim, a última viagem do Deméter é um bom filme de horror; entrega o que promete e mantém o medo e o misticismo que Bram Stoker deu ao mundo com o seu lendário príncipe das trevas. Vale a pena conferir.

 

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

Compartilhe:
como citar
Últimas publicações
Acompanhe nosso conteúdo
plugins premium WordPress