Aqui em nosso blog você já deve ter conferido o nosso conteúdo sobre o crescimento de cédulas nazistas no Brasil e a relação entre a violência nas escolas e grupos de extrema-direita que cooptam crianças e adolescentes. O problema é complexo e delicado, mas a experiência internacional da Noruega e da Suécia podem nos auxiliar a pensar políticas públicas para proteger nossas crianças e adolescentes dessas ideologias extremas.
O tema é sensível principalmente por haver uma confusão entre discurso de ódio e liberdade de expressão. O livre pensamento é um direito humano, mas deve respeitar a individualidade e a coletividade de grupos, pessoas, independente da crença, cor, raça, etnia, orientação sexual, entre outras. Assim, grupos extremistas que atacam a integridade física, emocional e/ou psíquica de grupos de vulnerabilidade estão cometendo crime de ódio e não apenas expressando a sua opinião.
Esta é, inclusive, a visão da jurisprudência brasileira. Recentemente, cresceram os relatos de crimes e discursos de ódio. A resposta a isso foi o início de um acompanhamento aliado ao indiciamento das pessoas envolvidas nesses casos. Cresceram, também, desde a década de 2000 os ataques a crianças e adolescentes nas escolas, onde terríveis massacres aconteceram. Tal prática, como já discutimos aqui, está relacionada à cooptação de crianças e adolescentes por grupos extremistas.
No final da década de 1990, a Noruega e a Suécia passaram por um grave problema de filiação de crianças e adolescentes a grupos neonazistas. A experiência europeia, tão traumática com o nazismo, impulsionou a realização de programas de reabilitação desses adolescentes, com o escopo de desmobilizar e desengajá-los das cédulas extremistas.
Assim foi criado o programa EXIT (saída, em inglês).
Casie Elizabeth, pesquisadora da Universidade Johns Hopkins (EUA), trouxe algumas ponderações sobre as experiências do EXIT na Noruega e na Suécia. Tomados como casos bem-sucedidos, ambos os países conseguiram desengajar adolescentes de ideologias extremistas com relativo sucesso[1], embora utilizando táticas diferentes.
Um ponto importante para o desenvolvimento de uma política pública como essa no Brasil é delimitar o perfil de extremistas de direita no Brasil. São eles de que raça ou etnia? Qual idade? De que local? Qual o perfil de sociabilidade deste cidadão? Ele é mais tímido, mais ou menos engajado? A partir daí podem ser elaboradas políticas públicas voltadas para a desmobilização de adolescentes engajados em grupos extremistas.
A experiência da Noruega é bastante interessante, pois ela se relaciona especialmente a crianças e adolescentes. Um ponto importante no programa EXIT do país é a participação de familiares, visto que a iniciativa foi tomada por eles inicialmente. Mas não somente, houve também o treinamento de policiais e professores para identificar adolescentes inseridos nessas células ou que simplesmente estivessem flertando com o ideário extremista, bem como a participação de ex-membros de cédulas neonazistas auxiliando em todo esse processo.
Dentre as ponderações de Casie Elizabeth, ela nos mostra que no caso da Noruega havia um senso de pertencimento que fazia com que esses adolescentes se engajassem em cédulas neonazistas, muitas vezes sem conhecimento dos pais. Assim, o país criou grupos formais para o desengajamento desses adolescentes, estabelecendo uma espécie de reeducação. O que é interessante notar é que, de acordo com as estatísticas e informações oficiais do país, poucos tinham um relacionamento de crença profunda com a ideologia racista e supremacista, mas encontravam no grupo um pertencimento, tão caro ao período da adolescência. Ou seja, havia fatores sociais que levavam esses jovens a se engajarem em ideologias de extrema-direita. Além disso, o governo traçou um perfil desses adolescentes e descobriu que muitos deles se encontravam em situação de vulnerabilidade social. Assim, o problema não era apenas político, mas também social.
Além dessas medidas, foram desenvolvidas atividades de empoderamento preventivo. Isto é, havia grupos de conversa com profissionais envolvendo adolescentes, com o fim de prevenir que se envolvessem em ideologias extremas, além de buscar promover uma visão subjetiva positiva.
Já o caso da Suécia, de acordo com Casie Elizabeth, foi substancialmente diferente. Primeiramente, tratava-se de um movimento de longa data, que começou a se organizar na década de 1920. Além disso, eram grupos maiores e mais organizados quando comparados aos que atuavam na Noruega. O perfil dos engajados era também diferente: eram pessoas com alta escolaridade e menos socialmente isolada. Isso porque o movimento era atrativo, tanto do ponto de vista social – diferentemente da Noruega, em que a ideologia era extremamente malvista – quanto economicamente.
Assim, a experiência da Suécia não foi voltada para crianças e adolescentes, mas sim para jovens entre 20 e 30 anos – parcela que aderia às ideologias extremistas no país. O programa da Suécia foi pensado em um esquema de cinco fases, que duravam entre 6 meses a um ano, a depender do nível de engajamento e possibilidade de saída desses grupos. As fases eram: Motivação, Desengajamento, Estabelecimento, Reflexão e Estabilização.
Um ponto trazido por Cassie Elizabeth é que não havia, necessariamente, uma linearidade na aderência do programa. Isto é, não necessariamente quem estava na fase de Desengajamento ia para a fase de Estabelecimento, pois, com o tempo, podia haver, nesse sentido, retrocessos no processo. O programa era instrumentalizado por meio da participação de ex-integrantes de cédulas neonazistas no Suécia, exercendo o papel de um Coach. Havia, também, a aplicação de uma ferramenta de terapia comportamental nas abordagens policiais.
Um ponto crucial deste programa foi a reabilitação e a reinserção do indivíduo na sociedade. Desta forma, a figura do Coach demonstrou-se extremamente importante para que o participante do programa desenvolvesse novos padrões de comportamento e sociabilidade, que antes eram encontrados apenas em cédulas neonazistas.
CONCLUSÃO
Essas experiências da Noruega e da Suécia são importantes para compreendermos de que maneira o poder público pode atuar para desengajar e desmobilizar ideologias extremistas, que colocam em risco a democracia, os próprios valores democráticos, bem como os direitos fundamentais.
O crescimento de células neonazistas no Brasil vem preocupando o poder público e especialistas da área nos últimos cinco anos e muito provavelmente trará ainda mais desafios para a saúde democrática do país. Os distúrbios recentes e as manifestações antidemocráticas no Brasil nos mostram que os desafios já estão postos e que devemos tomar medidas cabíveis para proteger a nossa sociedade. Mais ainda, devemos proteger nossas crianças e adolescentes para que não se engajem nessas ideologias extremistas. Primeiro passo? Compreendermos quem está mais suscetível a aderir esses grupos. A partir daí, poderemos criar programas de prevenção e reabilitação adequados para a desmobilização e o desengajamento.
[1] O sucesso desses programar é questionado pela autora, pois é difícil estabelecer métricas de monitoramento das políticas públicas. Além disso, é preciso um acompanhamento para a vida toda, em vistas a calcular a reincidência.