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Acervo Temático: Violências nas Escolas
Acervo Temático Violência nas Escolas

Acervo Temático: Violências nas Escolas

Mass shooting é o nome dado ao evento em que um atirador invade um recinto e dispara continuamente contra as pessoas presentes. O ataque mais conhecido e que chamou a atenção de educadores, políticos e marcou a história recente foi o de Columbine, que completará 24 anos neste abril.

É fato que os ataques às escolas e massacres de maneira geral recentemente cresceram no mundo. Desde 1966, data do primeiro ataque deste tipo registrado nos EUA, foram mais de 150 realizados no mundo.

No Brasil, os episódios de ataques às escolas são recentes e mais escassos, embora não menos traumáticos, se comparados aos EUA: passaram a ocorrer a partir de 2000, somando-se 16 ataques, com 35 vítimas fatais. Um dado que nos chama atenção é que 25% desses 16 ataques ocorreram no segundo semestre de 2022, mostrando uma possível tendência de aumento deste tipo de violência.

Entretanto, é discutível afirmar que o Brasil possui um preparo ou uma política nacional robusta para lidar com esses acontecimentos. Nesse sentido, estamos diante de um grande desafio no campo das políticas públicas de segurança.

Fundamentalmente, é preciso compreender que os ataques às escolas, como os que ocorreram este ano, devem ser analisados de modo multidisciplinar. Isto é, devem ser compreendidos os aspectos políticos, econômicos e sociais, além das circunstâncias psicológicas e emocionais, tanto individuais, quanto coletivas, que envolvem a esfera das crianças e adolescentes. O bullying é tomado como um dos elementos que podem impulsionar este tipo de ataque, bem como os problemas no relacionamento com os pais, aliados ou não a concretos maus-tratos. Mas não só. Estudos internacionais apontam que muitos dos adolescentes que promoveram massacres foram cooptados por ideologias extremistas em ambiente virtual, a partir de fóruns e até de memes supremacistas.

No Brasil, o perfil de quem ataca é bem característico: a maioria são pessoas do sexo masculino, brancas e que fazem referência a ideologias extremistas ou ataques passados, idolatrados como exemplos a serem seguidos. É necessário, contudo, olhar caso a caso para que possamos compreender aquilo que ocorre e o que devemos fazer para prevenir futuros ataques, sendo este o objetivo principal, mas também o que deve ser feito após o acontecimento.

O relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”, de 2022, é o estudo que baseará este Acervo Temático.

Nem todo extremismo, sobretudo da extrema-direita, incentiva o uso da violência e faz referência direta aos massacres como um mecanismo de atuação. Porém, grupos extremistas estão inseridos em um contexto e em um ecossistema maior, que engaja tanto a misoginia, como o racismo, o neonazismo, e o fascismo na propagação de discurso de ódio.

No caso brasileiro, é necessário prestar atenção  no crescimento de células neonazistas no Brasil, como já tratado aqui no nosso Blog. A especificidade brasileira em relação a outros países, como os EUA, por exemplo, está no peculiar crescimento de grupos integralistas, neointegralistas e separatistas, estes últimos localizados mais expressivamente no Sul do país.

De qualquer maneira, a violência contra as escolas é um fato recente e, aparentemente, crescente. Apenas em São Paulo, 51% dos professores relatam que sofreram algum tipo de agressão, de acordo com um estudo realizado em 2017. Comparado a 2016, houve um crescimento de 7 pontos percentuais. Entre as violências, relatam-se agressões verbais, bullying, discriminação, furto/roubo e/ou agressão física.

Há quem afirme que a violência contra profissionais da educação cresceu com a polarização extrema, que acabou gerando uma espécie de narrativa acerca da suposta “doutrinação política” por parte das redes de ensino públicas e privadas.

Todavia, é imperioso, nesse sentido, que tanto alunos e professores, quanto a comunidade como um todo estejam sob redes protetivas de acompanhamento psicossocial. Isto é, é necessário que tenhamos profissionais capacitados para o devido acompanhamento de alunos e professores, capazes de monitorar mudanças comportamentais e possíveis violências a que essas pessoas estejam sendo submetidas ou simplesmente sofrendo. Da mesma maneira, que possam estabelecer um diálogo com a sociedade, desmistificando e desconstruindo narrativas falaciosas acerca do que acontece em sala de aula.

De qualquer modo, alguns comportamentos podem servir de alerta. A  paixão, a obsessão por armas de fogo ou até por apenas armas brancas, discursos misóginos e atitudes violentas devem ser acompanhados de perto pela comunidade escolar. Mas não somente isso, pois os professores e servidores públicos das polícias, do Ministério Público, da Advocacia Pública devem também receber treinamento, acompanhamento e assessoramento para identificar estes casos.

Além disso tudo, especialistas apontam que falta ao país um sistema robusto de inteligência capaz de monitorar ideações de massacres e sinais de riscos para este tipo de crime. É preciso, nesse sentido, obter um maior controle do vasculhamento nas redes sociais. Um caso sintomático disto deu-se no último atentado ocorrido na Escola Thomazia Montoro, em São Paulo. Antes de cometer o massacre, o aluno responsável postou diversas vezes sobre a gana de realizá-lo em redes sociais, tendo, inclusive, recebido engajamento de outros estudantes e adolescentes.

O relatório citado aponta ainda a necessidade de realização de políticas extra e intraescolares de caráter intersetorial, com o escopo de prevenir esses tipos de ataque, sendo o monitoramento das redes sociais o primeiro passo a ser dado. Nesse sentido, o combate à desinformação e uma educação crítica em mídia também se faz necessário para combater o negacionismo científico – como a negação do Holocausto, por exemplo.[1]

Outro ponto importante é o controle de acesso a armas, não apenas para a prevenção de ataques mais mortais, como também para a preservação da vida da criança e do adolescente. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 aponta que a cada 60 minutos uma criança ou adolescente morre no Brasil em decorrência de ferimentos de arma de fogo. Já o Instituto Sou da Paz mapeou os atiradores e como se deu o acesso a armas. O estudo comprovou que, em metade dos casos, atiradores em escolas tinham acesso a arma dentro do ambiente residencial.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública nos dá uma ideia dos desafios que enfrentaremos pela frente. Nos últimos quatro anos houve um crescimento de quase 600% nos registros ativos de armas em mãos de caçadores, atiradores e colecionadores. Isto é, o armamento está difundido em nossa sociedade de forma que o número de armas nas mãos da população civil supera 7,5 vezes o total de armas vinculadas às forças de segurança pública.

Além disso, é preciso instruir os pais e responsáveis para que estes mantenham um olhar atento ao comportamento da criança e do adolescente, o que também cabe aos profissionais da educação.

Soma-se a isso a necessidade de uma gestão democrática da escola, com participação de profissionais da educação, alunos e pais ou responsáveis para o desenvolvimento de um ambiente mais inclusivo, plural e conectado com debates que sejam intra e extraescolares. Nesse sentindo, outras práticas político-pedagógicas podem ser complementares, como o incentivo a grêmios estudantis.

O relatório identifica ainda que são necessárias também medidas no campo da psicologia. No período da adolescência, as pessoas procuram um senso de comunidade, identidade e propósito. Nesse sentido, as palavras-chaves são acolhimento e orientação. Para tanto, são necessárias medidas psicossociais, como a criação de grupo de escutas e o acompanhamento próximo de profissionais capacitados a alunos e profissionais da educação.

A abordagem psicológica também é importante no pós-atentado, para que seja dado suporte não somente para a comunidade escolar, mas também para a comunidade como um todo. Alunos e professores sobreviventes normalmente sofrem com traumas físicos e psicológicos, como cicatrizes, problemas de mobilidade decorrentes de ferimentos e de transtorno de estresse pós-traumático. Além disso, são recorrentes os relatos ao redor do mundo das pessoas vítimas de atentado terem que fazer acompanhamento psicológico e uso de medicamentos psiquiátricos para o tratamento de ansiedade e depressão.

Nesse sentido, após um ataque é importante mapear aqueles alunos que precisarão de suporte – de longo prazo e mais intenso – e aqueles que poderão fazer acompanhamento psicossocial, dirigidos a toda a comunidade escolar. A reavaliação e o acompanhamento devem ser constantes pois alunos que precisam de um trabalho mais intensivo podem deixar de necessitá-lo, bem como alunos que antes não precisavam, num segundo momento, podem ter a necessidade deste tipo de auxílio.

A atualização da legislação é um ponto tratado pelo relatório. Argumenta-se que, em consonância com a Convenção Interamericana contra o Racismo e todas as Formas de Discriminação Racial e formas correlatas de Intolerância, que tem caráter de norma supralegal no ordenamento jurídico brasileiro, deve-se compreender como criminalizável toda a prática supremacista. Isso inclui, por exemplo, expressões que façam referência à supremacia branca para além da cruz gamada e da suástica, como prevê nosso arcabouço legislativo. Além disso, é necessário que se realize o debate acerca da necessidade de se criar um tipo penal para a cooptação de crianças e adolescentes por organizações de extrema-direita. Nesse sentido, o recrudescimento ou o alargamento da definição de crimes de ódio possa a vir ser importante nesse contexto.

Para além do eixo punitivista, é importante criar um fundo de financiamento para justiça restaurativa, isto é, a promoção de reintegração desses adolescentes e adultos que promovem massacres, de forma que eles possam se reintegrar na sociedade de forma plena, com sociabilidade.

Conclusão

 Desenvolver políticas públicas para prevenir ataques ao ambiente escolar é extremamente importante se quisermos realmente construir uma sociedade saudável. Não podemos tolerar este tipo de violência e devemos construir um sistema de monitoramento de crimes de ódio e intolerância por parte de adolescentes.

Devemos acolher e orientar as nossas crianças. O Estado deve, nesse sentido, criar uma rede de acolhimento psicossocial que atuará nas escolas, bem como instruir pais e profissionais da educação para identificar mudanças comportamentais de risco. Fundamental para tudo isso é entender que o problema é complexo e a solução passar por inúmeros agentes da sociedade. Qualquer solução simplista não trará resultados que protejam realmente quem mais precisa.

[1] A diminuição de carga horária de componentes curriculares de Ciências Humanas e Sociais promovidas pela reforma do Novo Ensino Médio em prol de Percursos Formativos é tido, por esse relatório, como um retrocesso, pois estes últimos não conseguem promover ideais e concepções de justiça, direitos humanos, solidariedade e combate à preconceitos.

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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