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Acervo Temático: Rita Lee

Acervo Temático: Rita Lee

Agora falta você

No dia 08 de maio de 2023, o Brasil se despediu de sua rainha do rock. Rita Lee Jones de Carvalho, ou simplesmente Rita Lee, nos deixou aos 75 anos, após um longo tratamento contra o câncer.

Falar sobre Rita Lee é difícil, pois nunca será uma tarefa simples traduzir para o mundo das palavras a complexidade daquela que era um universo encarnado em si mesma. Rita foi cantora, compositora, multi-instrumentista, apresentadora, atriz, escritora e, também, uma analista comportamental. Rita é a mulher que mais vendeu discos no Brasil, em torno de 55 milhões de cópias. Nenhuma artista brasileira vendeu tanto quanto ela, tendo, portanto, influenciado gerações de artistas. Sua trajetória foi marcada pelos passeios artísticos entre a bossa nova, a psicodelia, o pop, a new wave, a MPB e até a música disco, mas foi no rock que ela se tornou a referência da ousadia, do pioneirismo e da contestação de costumes.

Rita Lee nasceu na cidade de São Paulo, com quem manteve durante a sua vida inteira uma relação profunda de amor. Descendente de imigrantes norte-americanos confederados do Alabama (de onde derivou seu nome “Lee”) e de italianos do sul, Rita era uma típica integrante da classe média paulistana. Nascida e crescida na Vila Mariana, seu lugar preferido de São Paulo era o parque do Ibirapuera. Apesar de ser uma paulistana convicta e amante da gigante de pedra, não era fanática pelo time que leva o nome da cidade, tampouco pelo time preferido da colônia italiana. Rita amava o time do povo. Rita era uma corintiana roxa.

Durante a sua infância teve aulas de piano com a musicista clássica franco-brasileira Magdalena Tagliaferro (1893-1986), considerada uma das pianistas mais importantes do século XX; tendo, portanto, uma sólida formação clássica. Apesar disso, Rita, a princípio, não pensava em ser cantora, mas sim atriz. Todavia, a vida parecia que insistia em levá-la aos palcos com um microfone nas mãos. Afinal, além da formação clássica, Rita acabou se impressionando muito com um certo rapaz que requebrava como nenhum homem branco antes dançou, chamado Elvis Presley. Contudo, não só o rapaz de voz grave e topete marcaram a brasileira nativa da Vila Mariana, mas também um grupo de quatro rapazes que viraram o mundo de cabeça para baixo. Paul, John, George e Ringo influenciaram a jovem Rita, assim como Neil Sedaka, Paul Anka e, obviamente, os Rolling Stones. Entretanto, os ouvidos e olhos de Rita não estavam apenas voltados para fora do Brasil. Em terras tupiniquins, Cauby Peixoto, Angela Maria, João Gilberto, Carmem Miranda, Dalva de Oliveira e Maysa chamaram a atenção da menina loira de olhos azuis profundos.

Com tantas influências, a música se tornou uma tentação inafastável para a jovem de sardas no rosto. Em 1963 formou o conjunto musical Teenage Singers, composto por três garotas que se apresentavam em pequenos shows e festas colegiais. O grupo se juntou, posteriormente, ao trio masculino Wooden Faces, formando o Six Sided Rockers, ou melhor, o mais conhecido como “os Seis”. O grupo não durou muito e, como a maioria dos integrantes acabou deixando a banda, sobraram apenas Rita e os irmãos Arnaldo e Sérgio Baptista. O trio restante rebatizou o grupo para “os Bruxos”.

Em 1966, insatisfeitos com o nome do trio, foram se apresentar no programa televisivo de Ronnie Von. Este estava lendo o romance de Stefan Wul, “Império dos Mutantes”. Ao serem questionados sobre o nome do grupo, Ronnie Von e o jornalista produtor do programa, Alberto Helena Júnior, sugeriram dar ao grupo o nome de “Mutantes”, imediatamente adotado.

Os Mutantes foram um dos grupos mais importantes da história da música brasileira. Sua qualidade musical e suas inovações até hoje são celebradas por muitos. Rita ficou nos Mutantes de 1966 a 1972. Gravaram juntos seis álbuns impactantes no cenário musical brasileiro e internacional.

Contudo, em 1972, Rita foi expulsa por desavenças com Arnaldo Baptista, com quem foi casada, e, também, por causa do destino musical que a banda tomava. Rita foi acusada pelos irmãos Baptista de não ter condições vocais suficientes para dar conta da guinada que o grupo levava para o rock progressivo. De acordo com os irmãos, Rita não tinha o virtuosismo necessário e tampouco a extensão vocálica compatível para o novo estilo.

Magoada, Rita saiu do grupo e formou o Tutti Frutti, com quem alcançaria a consagração nacional. Somada a Luís Sérgio Carlini, a Lee Marcucci e Lúcia Turnbull, Rita formou o grupo que lançaria o icônico álbum “Fruto Proibido”, com os sucessos “Agora só falta você”, “Esse tal de Roque Enrow” e a épica “Ovelha Negra”, canção que se tornaria um dos hinos de gerações e uma das mais importantes músicas da história artística brasileira. Foram mais de 200 mil cópias vendidas. Com o feito, Rita ganhou, enfim, a sua famosa alcunha: “Rainha do Rock brasileiro”.

Em 1976, no auge de sua consagração nacional, Rita conheceu aquele que viria a ser o grande amor de sua vida e companheiro até os seus últimos momentos. Roberto de Carvalho e Rita se conheceram e formaram uma das duplas de maior sucesso da história da música brasileira.

Nesse mesmo ano de glória e paixão, Rita também viveu um dos piores momentos de sua vida. Grávida, Rita foi presa por porte e uso de maconha. Ficou um ano em prisão domiciliar. A ditadura militar usou Rita como uma espécie de exemplo para fins moralizadores, acusando-a de usar a droga grávida e fazendo questão de expô-la como irresponsável e problemática. Foi durante esse período que Rita recebeu a visita de Elis Regina na prisão. A amiga foi fundamental para denunciar o abuso e a truculência dos militares, que usavam e abusavam da figura de Rita para fazer panfleto ideológico. Rita sempre apontou esse como um dos momentos mais dramáticos e tristes da sua vida, tendo por inúmeras vezes dito que não tinha mais usado o entorpecente, desde o momento em que descobriu que estava grávida. Não há dúvidas de que esse fato fez com que Rita passasse a questionar com maior força e coragem os abusos cometidos por autoridades policiais no Brasil.

Rita teve com Roberto de Carvalho três filhos, Beto, João e Antônio. Mas, Roberto não foi só seu parceiro amoroso e de vida, foi a pessoa que influenciou Rita a flertar com a música disco e o pop. A parceria musical com Roberto marcou a fase superpop de Rita, tendo sido a responsável pelo nascimento de clássicos como “Mania de você”, “Doce Vampiro”, “Chega Mais”, “Baila Comigo”, “Nem luxo, nem lixo”, por exemplo.

Em meio a sua parceria com Roberto, Rita participou de programas de TV onde explicitamente questionou padrões comportamentais e levantou questões importantes em relação às mulheres. Nesse momento, Rita tornou-se uma importante interlocutora do papel da mulher na sociedade brasileira.

Em 1991, Rita separou-se profissionalmente de Roberto de Carvalho, iniciando, então, uma bem sucedida carreira solo. Foi nesse mesmo período que Rita estreou um programa próprio na MTV Brasil. A emissora, com público predominantemente jovem, teve a roqueira como apresentadora do programa “TVleerão”, o que ampliou mais ainda a penetração da rainha do rock entre as mais novas gerações.

Em sua carreira solo Rita emplacou várias músicas que caíram no gosto popular e associaram-se a icônicos momentos da história da teledramaturgia brasileira. Em 1995, por exemplo, a sua música “Vítima” foi tema de uma das novelas de maior sucesso da história da TV brasileira: “A Próxima Vítima”. No ano de 2001 gravou um álbum, que foi sucesso de crítica, com releituras de clássicos dos Beatles.

Com atividade intensa e em meio a turnês, ainda participou, no ano de 2002, do programa da GNT, “Saia Justa”, fazendo parte do elenco principal ao lado de Fernanda Young e Marisa Orth. Com opiniões francas e reflexões inteligentes, Rita debateu os mais diversos temas, sem qualquer tipo de intimidação. Como sempre, era uma Rita à vontade no estilo de si mesma. No ano seguinte, logo em 2003, lançou um dos seus maiores sucessos, a fenomenal, profunda e simples, complexa e lírica, “Amor e Sexo”, em famosa colaboração com o cineasta e jornalista Arnaldo Jabor. A partir de textos de Arnaldo, Rita escreveu uma de suas letras que dominaria os rádios brasileiros.

Em 2012, já um pouco cansada fisicamente, Rita decidiu dar fim às suas apresentações nos palcos, ao mesmo tempo que lançou um dos seus derradeiros trabalhos: o álbum “Reza”, com o sucesso de mesmo nome. Mesmo tendo se aposentado dos palcos, não resistiu subir mais uma última vez para homenagear, em 2013, a sua tão amada cidade. Fez questão de participar do show de aniversário de 459 anos de São Paulo.

Já numa fase mais introspectiva, Rita lançou, no ano de 2016, a sua autobiografia, um dos maiores sucessos de vendas do gênero no Brasil. Corajosa, engraçada, irônica, franca, intensa e serena ao mesmo tempo, Rita abriu suas memórias para quem quisesse ler e com ela viajar no tempo. Aliás, no campo da literatura, Rita também foi prolífica: lançou quatro livros infantis de 1986 a 1992. Nesses livros, Rita criou uma personagem que protagonizou as aventuras que criara para as crianças, o simpático ratinho cientista Dr. Alex. Além dessa série, Rita escreveu o livro “Amiga Ursa: uma história triste, mas com final feliz” e o livro “Storynhas”. Em 2017 ainda lançou o livro de contos “Dropz”.

Rita nunca parou efetivamente de trabalhar, nos seus últimos anos ainda lançou a música “Change”, em 2021, e em 2022 foi homenageada na edição do Grammy Latino, recebendo o prêmio “Lifetime Achievement Award”, mais um reconhecimento internacional de sua carreira brilhante.

Em 2023 foi lançada sua segunda autobiografia: “Rita Lee outra autobiografia”. Decidiu escrevê-la principalmente para contar sobre sua vida após os palcos, mas também em razão da descoberta do grave tumor que atacava seu pulmão. O diagnóstico de câncer no pulmão se deu em exames de rotina, pegando Rita e toda sua família de surpresa. Diante do desafio e da dureza do tratamento, Rita não perdeu a esperança e nem o humor. Aliás, apelidou o tumor de Jair, em alusão ao ex-presidente da República, que, por sinal, detestava. O livro é uma mistura de momentos francos, duros, tristes com momentos líricos, cheios de esperança e, também, amor. Como sempre, ao estilo de Rita, complexo e profundo, mas simples no olhar sobre a vida. Nas palavras de Rita: “(…) quando decidi escrever Rita Lee: Uma autobiografia (2016), o livro marcava, de certo modo, uma despedida da persona Rita Lee, aquela dos palcos, uma vez que tinha me aposentado dos shows. Achei que nada mais tão digno de nota pudesse acontecer em minha vidinha besta. Mas é aquela velha história: enquanto a gente faz planos e acha que sabe de alguma coisa, Deus dá uma risadinha sarcástica.”

No início de maio de 2023, mais precisamente no dia 08, Rita, enfim, deixou a sua cidade amada, o seu companheiro de vida, seus três filhos e netos, mas também uma legião atemporal de fãs das mais diversas idades, gênero, profissões, que se encantaram, divertiram-se, sofreram, questionaram e dançaram com sua obra e vida fantástica. Já muito debilitada fisicamente, Rita acabou falecendo serenamente, rodeada de seus filhos e do seu marido.

Rita foi ensinar, lá em algum lugar, como se baila, lançando aqui, em definitivo o seu perfume, deixando cada um de nós com uma mania de saudade da menina de cabelos loiros, da mulher de cabelos vermelhos, dos olhos azuis e da fina inteligência de uma mulher muito mais do que especial. Enquanto houver ouvidos e olhos abertos para a criatividade e para a inteligência, haverá uma ovelha negra a bailar com os sentidos, os padrões e as ironias de cada um de nós.

 

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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