De acordo com a Organização das Nações Unidas, mais precisamente por meio de um estudo feito no âmbito da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) um a cada quatro países formularam restrições ao uso do celular em salas de aula.
Os resultados recentes do Pisa[1] (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) levantaram a hipótese de que os aparelhos de celular estariam impactando negativamente no desempenho e no aprendizado em geral dos alunos. Ou seja, ao invés de se apresentar como um instrumento importante para ampliar as possibilidades metodológicas de ensino e aprendizado, estariam tirando o foco e a concentração dos alunos em relação ao objeto a ser aprendido. Além disso, tanto pedagogos como psicólogos já apontam que o uso excessivo do celular pode causar problemas sérios de socialização, que é algo extremamente importante nas fases da vida escolar para o desenvolvimento da pessoa.
É evidente que o celular e todos os aplicativos que foram desenvolvidos podem ter um papel relevante na metodologia do processo de aprendizado. Não há que se pensar numa espécie de “neoludismo”, no qual os smartphones passem a ser considerados completos inimigos da educação. Todavia, seu mau uso e a ausência de limitações legais tanto para o tempo e local de manuseio, como também para o que se produz e se dissemina no âmbito das redes sociais têm sido extremamente nocivos para os estudantes. Crises de ansiedade, depressão, abalos na autoestima em razão de comparações permanentes em relação a corpos e estilos de vida, sucesso profissional ou viagens, incapacidade de concentração, constante entretenimento nas redes sociais, superficialidade no julgamento crítico, tanto das informações veiculadas, quanto das imagens vistas são algumas das consequências desse uso inadequado dos aparelhos.
Nesse sentido, inúmeros estudiosos apontam que as redes sociais têm funcionado como uma espécie de “droga viciante”, cuja consequência é o entorpecimento diário dos usuários de Instagram, Tiktok, Facebook etc. Muitas horas do dia são utilizadas pelos jovens sem qualquer tipo de aproveitamento para seu desenvolvimento educacional – gastam em média 2 horas e 30 minutos do dia em redes sociais. Isso tudo sem contar o impulsionamento dos algoritmos, que ao mesmo tempo que é estimulado, estimula. Nesse sentido, Tung-Hui Hu, especialista em mídia, em entrevista recente à revista Humboldt (fevereiro de 2024) afirmou que mesmo quando a pessoa está offline, ela está sendo influenciada pelo capitalismo digital, uma vez que os processos algorítmicos influenciam como fazemos nossas compras ou o quanto dormimos. Aliás, nesse diapasão, é importante compreendermos que a rede tecnológica por onde trafegam as informações não são neutras, elas são entidades privadas, visam ao lucro e são estimuladas por algoritmos.
De qualquer maneira, os países vêm progressivamente estabelecendo limites para o uso do celular nas dependências escolares. Nos EUA, por exemplo, há regras de banimento de celulares durante as aulas em alguns estados. Na França, os celulares são proibidos para alunos menores de 15 anos. A Holanda tem uma política de alinhamento entre pais, alunos e professores acerca do uso de celular em sala de aula, que deve ser revista constantemente. Já no Canadá, os celulares foram totalmente banidos em algumas províncias.
No Brasil as restrições têm sido um ponto de debate. Todavia, elas têm acontecido nos diversos Estados da Federação. Em São Paulo, por exemplo, o smartphone é permitido em sala de aula para fins estritamente pedagógicos. No município de São Paulo a restrição é maior, pois o uso do celular é vedado em sala de aula, a menos que o professor solicite para alguma atividade pedagógica específica. No Rio de Janeiro o uso em sala de aula também deve ter fins exclusivamente pedagógicos. Entretanto, é possível perceber que a regra geral é a da proibição com a permissão ressalvada para fins pedagógicos.
Tudo isso dito, chegamos ao ponto central deste texto. Dentre os países avaliados pelo Pisa, o Brasil ocupa a 52ª colocação no quesito que envolve a leitura. Os alunos brasileiros alcançaram 410 pontos, o que representa uma pontuação muito inferior à média dos países que integram a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que pontuaram entre 472 e 480. Para piorar o quadro, uma pesquisa feita pelo Instituto Pró-Livro, Itaú Cultural e Ibope Inteligência, do ano de 2020, apontou que o país teve uma queda de 4,6 milhões de leitores em quatro anos e que apenas 31% dos entrevistados haviam declarado ter lido um livro inteiro nos últimos três meses. É importante ressaltar que essa pesquisa captou dados anteriores ao período da pandemia de Covid-19, que aprofundou as falhas no sistema de educação brasileiro.
Pesquisa divulgada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) em dezembro de 2023, intitulada Panorama do Consumo de Livros, revelou que 84% dos brasileiros maiores de 18 anos não compraram nenhum livro nos últimos 12 meses. Além disso, indicou que o livro mais extenso já lido por 66% dos adolescentes brasileiros, entre 15 e 16 anos, não passou de 10 páginas. Por outro lado, mais de 50% dos entrevistados declararam que a principal atividade de lazer eram as redes sociais.
Desta maneira, há, evidentemente, um ciclo nefasto no processo de aprendizado no Brasil. Pais que não leem, educam filhos que também não exercem a leitura. Além disso, deixam o celular, principalmente as redes sociais, tomar o espaço que poderia ser utilizado para atividades importantes de aprendizado. Ou seja, não adianta a preocupação da vedação nas escolas, se no âmbito privado, doméstico, o uso do celular for desenfreado e tomar o tempo do estudo fora da sala de aula.
Como resolver esse ciclo de deterioração é a pergunta na qual se debruçam pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento. Como lidar com a tecnologia e seu mau uso, que acaba aprofundando os defeitos de um sistema educacional já falho e com diversos problemas estruturais? As soluções para o enfrentamento desse grave problema não são simples e tampouco fáceis de serem implementadas. Contudo, não é possível se pensar numa mudança se não houver estímulos aos pais, no sentido de que esses entendam a importância da leitura para que possam transmitir essa concepção para seus filhos. Da mesma forma, demonstrar para os pais que o uso sem limites dos smartphones pode provocar distorções e atrasos no processo integral de formação da criança e do adolescente.
É preciso limitar o tempo de tela além das salas de aula. Isto é, dentro de casa, no dia a dia, e isso é uma tarefa que somente os pais, ou responsáveis, poderão exercer em relação aos próprios filhos. Promover a leitura é um desafio, mas que será fundamental para um melhor desenvolvimento socioeconômico e pessoal no futuro. Aliás, a leitura deve ser compreendida pelos pais como algo prazeroso e não uma obrigação, para que os filhos possam criar o hábito de ler sem associá-lo a uma tarefa ou a algo obrigatoriamente não prazeroso.
Em relação ao tempo de tela, especialistas afirmam que é fundamental que os pais não façam uma espécie de negociação com os filhos no sentido de darem a eles um tempo de tela como pagamento após algum momento de leitura. Isso fará da leitura uma obrigação e um momento de tédio, enquanto as redes sociais e os celulares tornar-se-ão ainda mais atrativos e sedutores.
O neurocientista Michel Desmurget (2023), autor do livro “Faça-os ler – Para não criar cretinos digitais”, ensina que ler por prazer traz enormes benefícios para o desenvolvimento da criança em relação à linguagem, aos conhecimentos gerais, à criatividade, ao desenvolvimento da atenção e concentração, às competências de escrita e expressão oral, assim como na própria concepção de empatia, por conseguir imaginar e construir cenários em que possa se visualizar. Ou seja, por meio da leitura, as crianças conseguem contemplar três pilares de competências: as intelectuais, as emocionais e as sociais. Para Desmurget o papel da escola é primordial, mas ela nunca poderá compensar um ambiente familiar insuficientemente estimulante.
Diante disso tudo, o desafio que o Brasil tem pela frente é gigantesco. Não adianta pensar corrigir os problemas da educação básica e infantil, principalmente no que toca às políticas de primeira infância, se não forem desenvolvidas políticas de estímulo para os pais, que são os educadores primordiais no processo de desenvolvimento de uma criança. O desenvolvimento tecnológico e tudo que foi construído a partir do advento dos smartphones e das redes sociais têm sido muito mais um obstáculo do que um aliado para o desenvolvimento da educação no Brasil e no mundo. O problema é que já tínhamos aqui uma série de falhas, que se aprofundaram durante o período pandêmico, o que tornou não somente o nosso desafio maior, mas nos distanciou mais ainda dos países mais ricos do planeta.
Se quisermos vislumbrar um futuro positivo e próspero para o Brasil, que signifique um país mais justo, menos violento e desigual, teremos que enfrentar essa realidade e essa complexa somatória de fatores no contexto educacional. Se não nos atentarmos para isso, se não construirmos políticas de estímulo e não desenvolvermos limites e regulamentações para as redes sociais e todo o uso de smartphones em relação às nossas crianças e adolescentes, produziremos mais do que “cretinos digitais”, como alertou Desmurget.
[1] Para maiores informações acerca do resultado do Pisa e o cenário brasileiro, consultar: https://fundacaopodemos.org.br/blog/o-desastre-educacional-de-hoje-e-de-amanha-o-brasil-e-os-resultados-do-pisa-de-2022/; última visualização em 20 de fevereiro de 2024.