O tema da pobreza menstrual ganhou espaço no debate público durante a tramitação e a recente sanção com veto pelo presidente Jair Bolsonaro do PL 4.968/2019. O PL, aprovado nas duas Casas Legislativas, é um texto substituto apresentado pela deputada federal Marília Arraes (PT), que prevê a criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, qualificando-o como “estratégia nacional de promoção da saúde e de atenção à higiene”. O texto começou a tramitar na Câmara dos Deputados e, após aprovado no Senado Federal, foi enviado para sanção de Jair Bolsonaro, que vetou o artigo que determinava a distribuição gratuita de absorventes, alegando que a matéria atentava contra o princípio da universalidade do Sistema Único de Saúde. A matéria agora aguarda ser apreciada pelo Congresso Nacional e há grande expectativa para a derrubada do veto, possibilidade prevista pelo regimento e pela Constituição Federal.
O PL 4.968/2019 dispõe que o governo deverá distribuir gratuitamente absorventes para estudantes de baixa renda de escolas públicas, presidiárias e pessoas em situação de rua ou de vulnerabilidade extrema. Ainda de acordo com o Projeto, o financiamento do Programa seria feito via Sistema Único de Saúde (SUS) e por meio do Fundo Penitenciário.
A pobreza menstrual é definida pela situação de vulnerabilidade em que se encontram meninas, mulheres, transmasculinos e outras pessoas com útero que não possuam o acesso regular a produtos de higiene básica – como calcinhas absorventes, absorventes reutilizáveis ou descartáveis, tampões, coletores menstruais, entre outros. Por isso, fazem uso de outros produtos durante o período menstrual, como sacos plásticos, jornais, roupa velha, algodão, toalhas, panos, filtros de café, papel higiênico ou miolo de pão. O uso desses produtos, que não são adequados e nem foram desenvolvidos para tal finalidade, podem colocar em risco a saúde dessas pessoas, além de causar situações de embaraço social. Para além da falta de acesso a bens básicos de higiene, a pobreza menstrual também engloba a falta de conhecimento sobre a menstruação. Milhares de pessoas que menstruam ao redor do mundo, por exemplo, não compreendem o que acontece com o próprio corpo ao longo do ciclo menstrual ou o porquê de menstruarem.
Um estudo dos Institutos Kyra e Mosaiclab aponta que, no Brasil, 40% das mulheres das classes C e D convivem com a pobreza menstrual, 94% destas mulheres não sabem o que é pobreza menstrual ou não conseguem identificá-la, e 40% das mulheres de classe baixa, que são atingidas pela pobreza menstrual têm entre 14 e 24 anos. Em relação a doenças ocasionadas por produtos que não foram desenvolvidos para a higiene pessoal durante o período menstrual, uma grande parte das mulheres que fizeram uso desses produtos “alternativos” (73%) já tiveram infecção urinária, cistite, candidíase, infecção vaginal por fungo ou infecção vaginal por bactéria. Outra prática também utilizada é o uso contínuo de anticoncepcional, não fazendo a pausa conforme a recomendação de uso, para evitar a menstruação.
Além da falta de acesso a esses produtos, outra importante limitação é o não acesso a meios e espaços que permitam a higiene pessoal durante esse período. Dado que 16% dos brasileiros não possuem acesso a água tratada e 47% não possuem acesso à rede de esgoto, muitas pessoas passam pelo período menstrual sem poder fazer a higiene adequada. Nas escolas, crianças e adolescentes reclamam que o acesso a banheiros limpos, com papel higiênico e sabão é um limitador para o pleno desenvolvimento escolar durante o período menstrual.
Apesar da importância do tema e do impacto que ele possui para a própria dignidade humana e os direitos humanos como um todo, apenas dois países, Escócia e Quênia, possuem leis nacionais que determinam a distribuição gratuita de absorventes para mulheres, meninas, transmasculinos e pessoas com útero em situação de vulnerabilidade extrema. No caso da Escócia, ainda não está claro o impacto da medida, que foi aprovada em 2020, devido às mudanças sociais ocorridas por conta da pandemia. No caso do Quênia, um dos países que mais sofrem com a pobreza menstrual, a lei aprovada em 2017 já vem demonstrando um resultado positivo. Outra estratégia adotada por países é limitar a tributação sobre esses produtos, como foi feito no Reino Unido e nos Estados Unidos. Essa iniciativa foi proposta no Brasil, prevendo zerar alíquotas da Cofins e da contribuição para o PIS/Pasep incidentes sobre os absorventes e tampões higiênicos.
Desde 2014, a Organização das Nações Unidas defende que a pobreza menstrual deve ser tratada como uma questão de saúde pública e de direitos humanos. Apesar disso, pouco foi feito ao redor do mundo para a universalização do acesso a bens e educação sobre a higiene menstrual. Um dado interessante é que países do Sul global foram os primeiros a adotar medidas de distribuição de absorventes, mesmo sem uma lei nacional, e educação sobre higiene menstrual, como foi o caso da Índia, da África do Sul, do Quênia, do Nepal e do Senegal.
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