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Um alerta para um mundo que não quer ouvir: a destruição da biodiversidade e o caminho para a nossa extinção
a destruição da biodiversidade e o caminho para a nossa extinção

Um alerta para um mundo que não quer ouvir: a destruição da biodiversidade e o caminho para a nossa extinção

O ano de 2024 foi marcado pela realização de inúmeros pleitos importantes ao redor do mundo. Eleições na Europa, no Brasil, nos Estados Unidos, no México, em diversos lugares trouxeram para o mundo uma realidade extremamente preocupante: em praticamente nenhuma delas o meio ambiente foi um tema considerado importantíssimo ou central. Sempre tratado de maneira lateral, paralela, quando não raramente ignorado, o meio ambiente continua à margem das preocupações políticas, mesmo diante de tantas catástrofes que vivenciamos nesse ano. Chuvas fora do normal destruíram cidades no sul do Brasil, furacões arrasaram cidades nos EUA, o calor extremo matou pessoas e auxiliou na expansão de queimadas. Infelizmente o mundo não parece levar a sério o lugar em que vivemos.

Recentemente, mais precisamente no mês de outubro de 2024, a respeitada e importantíssima organização WWF (World Wide Fundation for Nature), fundada em 1961 e conhecida em português como Fundo Mundial para Natureza divulgou um longo estudo estarrecedor[1]. De acordo com seu relatório, a população de vertebrados no mundo caiu 73% em 50 anos. Ao setorizar a pesquisa por regiões, o número parece mais assustador: na América Latina e Caribe a queda da população de vertebrados foi de praticamente 95%. Na África a queda foi de 76%, enquanto na Ásia e Pacífico de 60%. Declínios foram menores na Europa, na Ásia Central e na América do Norte, respectivamente 35%, 35% e 39%. Todavia, de acordo com o estudo, isso não quer dizer que houve maior proteção, mas sim de que essas regiões já contavam com degradação mais intensa anteriormente a 1970.

Os motivos apontados para os números alarmantes envolvem todo o nosso sistema alimentar, a superexploração e a existência de espécies invasoras, assim como doenças. As mudanças climáticas, contudo, também tiveram um papel importante, juntamente com a poluição, principalmente na América do Norte, na Ásia e no Pacífico.

O estudo feito pela organização compreendeu em torno de 35 mil populações selvagens de 5.495 espécies de aves, peixes, mamíferos, anfíbios e répteis entre 1970 e 2020. Dentre essas populações a queda mais acentuada se deu entre aquelas que habitam água doce. Nesse habitat houve um declínio de 85%, enquanto no âmbito das águas marinhas a queda foi de 56%. Em relação às populações terrestres a queda foi também alta. Isto é, em torno de 69%. São números que, se fossem levados a sério por qualquer ser humano, seriam dignos de causar pânico. Afinal, em 50 anos fomos capazes de destruir, seguramente, um maior número de seres vivos do que em qualquer período da nossa história.

Não é necessário ser especialista na área para minimamente entendermos que dados como esses implicam em grave desequilíbrio de qualquer ecossistema. Não é por outro motivo que os cientistas que trabalham diariamente com esses dados têm alertado que estamos chegando ao precipício; ou seja, à beira de um ponto de não retorno em relação ao que foi destruído ou degradado. O que isso significaria, então, para o leitor desavisado? De que simplesmente a vida com os recursos e as condições com as quais estamos acostumados a viver mudará para sempre. O estudo alerta que quando uma população cai abaixo de um determinado nível, a espécie pode não conseguir mais desempenhar o seu natural papel dentro do ecossistema. Ou seja, pode não conseguir mais auxiliar na dispersão de sementes, na polinização, no pastoreio, na ciclagem de nutrientes ou tantos outros processos fundamentais para que os ecossistemas funcionem. Assim, tudo isso enfraquece os benefícios que eles proporcionam aos seres humanos, desde a alimentação, a obtenção de água potável, até ao armazenamento de carbono para um clima estável. Para o leitor que ainda não conseguiu compreender todo o quadro preocupante: os atingidos imediatamente são as populações que foram rapidamente entrando em declínio, enquanto os atingidos mediatamente somos nós.

Se continuarmos nesse ritmo de destruição, atingiremos, por fim, os pontos de não retorno. A natureza está desaparecendo a um ritmo alarmante e estamos destruindo a biodiversidade sem ter a sensação do tamanho do problema. Talvez o mundo de hoje, cada vez mais conectado em aparelhos de celulares e inebriado por todo avanço da tecnologia, esteja desconectando-se da realidade. A impressão que temos é que um mundo que se relaciona e se comunica virtualmente, começou a tornar-se asséptico. Ou seja, perdeu a capacidade de sentir as mudanças e compreender, de uma maneira empática, que cada gradual destruição vai se acumulando, formando um processo degenerativo invisível aos olhos insensíveis dessa sociedade pós-moderna. O homem que se conectou no seu smartphone, desconectou-se do mundo ao seu redor.

Os pontos de não retorno são, de acordo com o estudo feito, justamente encontrados quando os impactos cumulativos atingem um limiar onde as mudanças se tornam ilimitadas e incessantes, resultando, então, numa transformação substancial potencialmente irreversível. Ou seja, no mundo da natureza, a chegada a um conjunto de pontos de não retorno é muito possível se continuarmos no ritmo em que estamos: crescimento econômico, desenvolvimento tecnológico e pouco ou nenhuma preocupação em preservar ou desenvolver formas limpas de energia. A materialização desses pontos de não retorno colocará a vida na Terra em risco.

São inúmeros os exemplos, ou melhor, os avisos explícitos que estão na natureza. A morte em massa dos recifes de coral destruiria a pesca e a proteção contra tempestades para centenas de milhões de pessoas que vivem em áreas litorâneas. Na Amazônia, a sua transformação em savana liberaria toneladas de carbono para a atmosfera, o que teria o poder de interromper padrões climáticos em todo o planeta. O colapso do giro subpolar, uma corrente circular ao sul da Groelândia, seria capaz de alterar profundamente os padrões climáticos da Europa e da América do Norte. O degelo das partes congeladas do planeta, a nossa criosfera, elevaria drasticamente o nível do mar. Além disso, o descongelamento do permafrost, que é o solo congelado em regiões muito frias, provocaria emissões dramáticas de dióxido de carbono e metano, que são responsáveis por alterações climáticas. Afinal, essa larga área congelada retém gases de efeito estufa. Vale lembrar que inúmeros vírus e bactérias podem ser liberados com o degelo.

Para aqueles que não acreditam e ainda são vítimas de discursos desonestos e criminosos acerca da catástrofe ambiental que estamos vivendo, há inúmeros exemplos de que estamos próximos de atingir esses pontos de não retorno. O estudo lembra que no oeste da América do Norte houve uma combinação de infestação de besouros da casca do pinheiro e incêndios florestais tão frequentes, quanto agressivos. Ambos foram agravados pela mudança climática, que simplesmente está levando florestas de pinheiros a um ponto de não retorno; isto é, elas serão transformadas em vegetação arbustiva e pradaria. É a mesma lógica da Amazônia e seu perigo real e imediato de se tornar uma savana.

Outro exemplo extremamente preocupante é o do aumento das temperaturas do mar. Elas levaram, em conjunto com a destruição do ecossistema, a eventos de branqueamento em massa de corais. A Grande Barreira de Corais, que fica ao largo da costa australiana e consiste no maior organismo vivo do planeta, pode simplesmente ser destruída, mesmo que consigamos limitar o aquecimento climático a 1,5°C. As estimativas atuais são de que não conseguiremos. Aliás, elas indicam que provavelmente perderemos de 70% a 90% de todos os recifes de coral do planeta.

A Amazônia, por sua vez, pode ser, conforme já mencionamos, transformada em savana se apenas 20% a 25% dela for destruída. Isso aconteceria por conta das condições ambientais que tornar-se-iam inadequadas para a subsistência da floresta tropical. A redução das chuvas e as queimadas levarão, portanto, a uma enorme tragédia com consequências devastadoras para as pessoas, toda a biodiversidade e o clima numa escala global. Estima-se que já destruímos entre 14% e 17% da Floresta Amazônica.

O primeiro passo para lidarmos contra toda essa alarmante e trágica situação é entendermos o que está diante de nossos olhos. Tudo isso precisa entrar na agenda política global de uma forma que transcenda as pautas ideológicas e as cartilhas locais, que definem os grupos políticos que lutam pelo poder. O tema não pode ser mais considerado típico da esquerda ou da direita, tampouco reduzido a partidos considerados verdes e nem atribuídos a ecochatos ou ecoterroristas. É preciso abraçar o problema, aceitá-lo e integrá-lo a uma agenda de sobrevivência para a humanidade. Do que adiantará disputarmos o poder e chegarmos a cargos de direção, políticos ou empresariais, se estes estarão com os dias contados nas próximas gerações? É preciso lutar primeiro contra a ignorância política que nos consome e exigir, como humanidade, que o tema seja indiscutível em relação à sua urgência. Urge que deixemos de lado o nosso egoísmo narcisístico antropocêntrico.

O desafio que temos pela frente é monstruoso. Ele exige uma mudança de paradigma em relação ao crescimento econômico e aos usos dos recursos da Terra. Não adianta mais acharmos que será possível manter um modelo em que se exija crescimento econômico todo ano, a todo custo, em um mundo cujos recursos são finitos. Há um paradoxo irresistível nesse modelo que construímos, pois é impossível crescer continuamente para todo o sempre e usar os recursos oferecidos se eles um dia terminarão. A riqueza produzida precisa ser distribuída. Não adianta também mantermos o modelo de crescimento se a distribuição der lugar à acumulação de poucos. Não será investindo em tecnologia para levar o homem para Marte, num arroubo megalomaníaco e estúpido, que iremos nos salvar. Existem formas mais inteligentes e mais factíveis: distribuição dos recursos já em consumo, da renda já produzida e acesso para um maior número de pessoas. A lógica em que poucos têm muito, muitos têm muito pouco e os poucos que muito possuem são os que mais poluem e devastam não pode mais prevalecer.

É preciso transformar. Transformar nossa concepção de mundo e admitirmos que não somos donos do planeta, que tampouco ele estará disposto a nos servir eternamente. Somos uma espécie nele, cujos predadores, além de vírus e bactérias, somos nós mesmos. Não somente nas células cancerígenas que produzimos em nosso corpo, mas também na nossa arrogante violência autocentrada existencial.

Ou decidimos enfrentar tudo isso com esforços de conservação mais eficazes, transformando nossos sistemas alimentares, nossas cadeias produtivas e nossos padrões energéticos e financeiros, ou condenaremos, de fato, as próximas gerações a viverem num planeta hostil e cada vez mais difícil, até um ponto em que seremos extintos. Aliás, é importante que se afirme: a Terra não desaparecerá, ela se adaptará; nós é que vamos ser extintos. É preciso, mais do que nunca, nos conectarmos com aquilo que perdemos; é preciso passar mais tempo prestando atenção naquilo que está ao nosso redor, na nossa frente, do que naquilo que está tão distante de nós em um mundo virtual, onde nossos corpos e sentidos não têm lugar. Os dados estão visíveis aos nossos olhos. Mas, quem quer realmente compreendê-los?

 

[1] Disponível em https://wwflpr.awsassets.panda.org/downloads/relatorio-planeta-vivo-2024_1.pdf

 

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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