Linhas Gerais
Mercosul e União Europeia finalmente anunciaram, de Montevideu, a assinatura do acordo de livre comércio entre os blocos. Um acordo que se arrastava por vinte e cinco anos e sempre contou – e ainda conta – com muita controvérsia.
As linhas gerais desta última versão do acordo contaram com alguns pontos importantes, como os seguintes:
- Compras governamentais ainda darão preferência para produtos nacionais
- Industria automotiva terá uma redução tarifária gradual, visando evitar perdas muito grandes ao setor automobilístico dos países do Mercosul
- Os produtos agrícolas do Mercosul terão uma cota para entrar no mercado europeu a uma tarifa zero.
Além do comércio, o acordo também envolve cooperação política e ambiental. Esses pontos foram considerados como os principais avanços em relação a 2019, pois foram incluídas regras de redução de gases do efeito estufa, em respeito ao acordo de Paris, além de regras sobre o combate ao desmatamento.
Setores com interesses divergentes
Enquanto a Presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen anunciava a assinatura do acordo, ao que chamou de ganha-ganha, os setores agrícolas de alguns países europeus, sobretudo França, seguiam protestando. A França, país mais contrário ao acordo, conta com inúmeras manifestações de parte do setor agrícola, que há semanas bloqueia estradas e acampa em frente a prédios públicos. Mas a oposição ao acordo também é manifesta pelo setor agrícola de países como Polônia, Áustria, Bélgica e Itália, apesar da posição ambígua da ultradireitista Georgia Meloni.
Os negociadores da EU afirmam que as alegadas perdas do setor agrícola não ocorrerão. Mesmo assim, o acordo veio junto com o anúncio da criação de um fundo de reserva de um bilhão de euros para ser usado caso se observe um impacto negativo para esse setor, o que não foi suficiente para acalmar os agricultores europeus.
Já o presidente da federação industrial alemã vê com bons olhos o que chama de criação de “um mercado de 700 milhões de pessoas” capaz de dar um impulso às economias alemãs e europeias. Na mesma linha, Ulrich Ackermann, da VDMA (Associação Alemã de Fabricação de Máquinas e Instalações Industriais) afirma que o acordo ajudará a frear o aumento da presença Chinesa na América do Sul.
Atualmente, as exportações do setor automobilístico alemão para o Mercosul estão submetidas a uma tarifa aduaneira de cerca de 35%. Sob essa tarifa, a Alemanha exportou para o Brasil cerca de vinte mil veículos em 2023. O setor reclama que para contornar as tarifas de importações, é obrigado montar os automóveis no Brasil ou Argentina. Já o setor agrícola alemão, assim como o francês, é contrário ao acordo.
A aprovação desse acordo exigira o voto favorável de quinze (dentre vinte e sete) países da Uniao Europeia, e que representem 65% da população, tendo que passar depois por maioria simples no Parlamento Europeu.
É sempre muito difícil estimar com precisão as perdas e ganhos de setores envolvidos nesse tipo de acordo. Mas, em consonância com a maioria dos especialistas, podemos afirmar que o grande setor nacional potencialmente beneficiados é o agro, que terá acesso a um enorme mercado consumidor. Por outro lado, como relevam as posições favoráveis dos setores industriais, sobretudo alemães, a indústria europeia está de olho nos mercados consumidores do mercosul.
Aqui vale lembrarmos uma regra essencial quando o assunto é comércio exterior: Nem sempre o que é positivo no curto prazo do ponto de vista do consumidor (acesso a bens mais baratos), é positivo no longo prazo para a economia nacional, em termos de balança comercial e de competitividade industrial.
Uma observação política
Do ponto de vista da União Europeia, o acordo demonstrou haver uma enorme heterogeneidade de interesses entre os países e seus setores econômicos. A ambígua posição de Meloni gerou certo desagrado da parte da extrema-direita francesa, por meio do partido de Marine Le Pen, que era fortemente contrário ao acordo.
Os setores agrícolas insatisfeitos com o acordo culpam os “burocratas de Bruxelas” por tomarem decisões que são vistas como pouco democráticas, tomadas à revelia da pressão da população dos países. Há tempos a reclamação contra as decisões das instancias supranacionais da EU tem alimentado discursos nacionalistas, críticos do projeto europeu, o que tem sido mobilizado pelos partidos de extrema-direita e misturados com uma boa dose de xenofobia.
Em que pese os efeitos econômicos desse acordo de livre-comércio, parece possível dizer que ele tem, em seus efeitos políticos, o potencial de engrossar ainda mais as fileiras da extrema-direita europeia, com seu euroceticismo e seu nacionalismo.