A crise política na França parece estar longe do fim. Após uma sucessão de medidas políticas atípicas que já relatamos aqui (Será o fim do impasse na política francesa), a Assembleia Nacional aprovou na última quarta-feira (4/12) uma moção de censura contra o Primeiro Ministro Michel Barnier. Na prática isso significa que o governo francês caiu e outro terá que ser formado.
Sistema político semipresidencialista
Isso é possível dadas as peculiaridades do sistema político francês, chamado por especialistas de semipresidencialista. Nesse sistema, implementado em 1958 e que teve importantes alterações em 1962, o Presidente da República, que é o chefe de Estado, possui poderes de nomear livremente o primeiro-ministro e também de dissolver a Assembleia Nacional e convocar novas eleições, que foi o que o presidente Macron fez recentemente.
O primeiro ministro, por sua vez, para governar, precisa construir consensos e formar maiorias na Assembleia. Mas Barnier, como já era claro desde o início, não foi capaz de fazer. Isso porque as últimas eleições legislativas não produziram nenhuma maioria absoluta (50% dos assentos +1) capaz de produzir estabilidade no governo. Ao contrário, produziu uma maioria relativa favorável ao bloco de esquerda (Novo Fronte Popular, NFP), com 193 deputados, mas também produziu um aumento significativo dos partidos da extrema-direita, com 142 deputados, sendo 126 só do partido de Marine Le Pen, o Rassemblement National (RN), que se tornou o partido com mais cadeiras na Câmara.
No entanto, diante desse quadro, o presidente Macron se recusou a nomear como primeiro-ministro o nome apresentado pelo maior bloco da Assembleia (NFP), apesar de insistências, e também não nomeou ninguém do RN, maior partido da Assembleia, optando por um nome de um partido que obteve apenas 47 assentos, o Direita Republicana, que estaria em uma minoritária “centro-direita”.
Assim, Macron usou de sua prerrogativa constitucional para nomear um primeiro-ministro de um partido minoritário e evitar dar poderes de governo aos dois maiores blocos da Assembleia. Nos parece claro que essa matemática não poderia dar certo.
A batalha do orçamento
Seu governo já se iniciou com aquele que costuma ser o maior desafio dos Parlamentos Nacionais. Aprovar o orçamento. Mas na política francesa atual as palavras não parecem coincidir com as ações. O presidente Macron recusava a ideia de governar com a extrema-direita, e todo o campo republicano havia tentado recentemente bloquear esse campo, representado por Marine Le. No entanto, era visível a vulnerabilidade do governo Barnier às demandas do RN, sobretudo na questão da imigração, principal bandeira do partido, que a todo tempo ameaçava uma moção de censura ao governo.
No entanto o estopim veio com a aprovação do orçamento. O texto apresentado pelo governo produziu forte insatisfação do RN, que fez diversas exigências de alterações, e também gerou insatisfação do lado da esquerda (NFP), que também exigiu inúmeras alterações. Pouco disposto a alterar e ceder às pressões, o governo resolveu lançar mão do dispositivo constitucional chamado de 49.3, que lhe permitiria aprovar a seção de Seguridade Social do Orçamento sem o aval da Assembleia Nacional.
Essa medida, apesar de garantida pela Constituição Francesa, foi vista como autoritária pela maioria da Assembleia, que sentiu que suas demandas não eram ouvidas. Imediatamente o NFP acionou outro dispositivo constitucional, a moção de censura, que se aprovada por maioria simples na Assembleia (289 votos) derruba o primeiro-ministro. A última vez que tal medida havia sido utilizada foi em 1962, quando George Pompidou, nomeado pelo então presidente Charles de Gaulle, foi deposto pelo plenário.
A queda
Entre apelos contrários do próprio Barnier e da ala “macronista” da Assembleia, que afirmava que o caos viria caso o governo caísse, a votação pela moção de censura foi a plenário na quarta-feira dia 4. Numa derrota fragorosa (331 deputados votaram pela queda do governo, um número muito além dos 289 necessários), encerra-se o governo do primeiro-ministro Barnier, o mais curto desde 1958, com duração inferior a 100 dias.
O que chama atenção é o fato de que se aliaram contra o governo as alas mais à esquerda da Assembleia (NFP) e a ala mais à direita (RN e aliados). Essa inusitada aliança de ocasião está sendo explorada pelos “macronistas” como algo que visava o caos e a instabilidade do país. No entanto, o fato é que a Assembleia segue cindida em três blocos: Uma esquerda e uma extrema-direita cuja chance de aliança entre si é inexistente, e um bloco minoritário, que é o presidencial. Nenhum deles possui maioria absoluta.
Diante disso, o presidente Macron segue com o desafio de nomear um primeiro-ministro capaz de formar consensos e maiorias para governar.