Todo filme do diretor mexicano Guilhermo Del Toro costuma ser carregado de mistérios, monstros imaginários (ou reais), flertes com o sobrenatural e com os devaneios e perturbações da mente humana, além de uma estética e uma fotografia primorosa. Assim como Tim Burton, Guilhermo construiu no cinema um mundo de suspense, misticismo e magia que geralmente prende a nossa atenção, nos cativa, desperta a nossa curiosidade e muitas vezes até a nossa repulsa. O que vemos em O Beco do Pesadelo não é diferente.
Com um elenco de peso, o longa do ano de 2021, indicado a quatro Oscars, é uma adaptação do livro homônimo de William Lindsay Gresham, publicado em 1946. Ele conta a história de Stanton Carlisle, personagem interpretado por Bradley Cooper, um misterioso homem que, após se livrar de um corpo chega a um circo itinerante, comandado por Clem Hoately, vivido por Willem Dafoe, no final da década de 1930.
O circo que Guilhermo Del Toro constrói segue a concepção de casa dos horrores e das perversidades humanas. Repleto de vigaristas, ele explora não somente as fraquezas, como também o lado mais sombrio do ser humano. Entre artistas circenses e um público conservador, moralista, mas sedento por atrações visuais que esbanjem violência, brutalidade, lascívia e o mórbido interesse pelo oculto, Del Toro consegue nos trazer para um ambiente extremamente interessante e abjeto ao mesmo tempo. Vale ressaltar que O Beco do Pesadelo foi indicado, além de melhor filme, aos Oscars de melhor figurino, melhor direção de arte e melhor fotografia.
Os artistas que habitam o circo de Clem são pessoas comuns que exploram suas características físicas e escondem seu desespero diante de uma vida errante, perdida, cheia de traumas e vícios. São pessoas desgarradas que encontraram no circo uma espécie de família, disposta a acolhê-los sem julgamento acerca do que fizeram no passado; ou melhor, sem que perguntem dos crimes e das atrocidades que cometeram em algum momento da vida. Stanton é um deles, que tardiamente chega ao local, procurando um lugar para comer, trabalhar e dormir.
O primeiro contato que Stanton tem com Clem acontece durante o número do selvagem. Extremamente brutal, cruel e desumano, o número, ao mesmo tempo que assusta, deixa Stanton ligeiramente fascinado. É o primeiro contato que temos com a ambiguidade do protagonista, que em alguns momentos parece um homem decente em busca de uma vida melhor, enquanto em outros mostra sua frieza e sua violência.
No circo vivem Pete e Zeena, vividos pelos excelentes David Strathairn e Toni Collette, que exploram o ilusionismo, a telepatia e a mediunidade. Ambos construíram um complexo código de palavras para enganar o público e dar um ar de autenticidade para o próprio charlatanismo. Pete é um mágico talentoso, porém decadente e com problemas graves com a bebida, enquanto Zeena, sua esposa, uma leitora de cartas.
Stanton se aproxima dos dois e começa a se interessar pelos truques e métodos que eles desenvolveram. Como a procurar por um talento próprio, ele começa a perceber que leva jeito para a mágica e para os truques que envolvem a mediunidade. Os diálogos entre Pete e Stanton são definidores e talvez os melhores de todo o filme, pois expõem a centralidade daquilo que Del Toro quis explorar: em meio ao sofrimento da trajetória humana, todo mundo vive o desespero e o desejo de ser notado. As pessoas querem ser vistas, não somente para dizerem quem são, mas também para que sejam ouvidas naquilo que têm para dizer.
Assim, aos poucos, Stanton vai se interessando pelo lado mais poderoso dos truques que Pete desenvolveu; isto é, aqueles que exploram o sobrenatural e, mais precisamente, o sofrimento de quem perdeu um ente querido. Ele compreende o poder que pode ter se conseguir convencer as pessoas de que é capaz de se conectar com aqueles que já morreram. Ao perceber isso, Pete o alerta de que é preciso ter muito cuidado com as mentiras que são contadas. Adverte que quando um homem acredita nas próprias mentiras, ele perde a noção da realidade e passa realmente a crer em tudo que fala. Stanton, ao invés de dar-lhe ouvidos, resolve tomar uma medida mais drástica.
Em meio a isso tudo, ele conhece Molly, interpretada por Rooney Mara, uma jovem órfã que é protegida pelo grandalhão Bruno, vivido pelo bom ator Ron Perlman. Molly é o contraponto à crescente obsessão de Stanton, por quem se apaixona e com ele resolve abandonar o circo por uma vida melhor. Ela é a lucidez em meio a loucura de Stanton e o freio que tenta impedi-lo de caminhar para o desastre.
Del Toro parece ter optado por contar sua história em duas partes. A primeira conta o desenvolvimento de Stanton dentro do circo e um pouco sobre cada um de seus personagens. A segunda começa no momento que ele e Molly resolvem ir embora. Nessa segunda parte Molly e Stanton conseguem fazer com que o número de telepatia e mediunidade seja um sucesso. Deste modo, passam a penetrar nos círculos ricos da Nova York pré Segunda Guerra Mundial.
Contudo, durante uma apresentação conhecem Lillith Ritter, interpretada por Cate Blanchett, uma psiquiatra que não se convence da suposta autenticidade dos talentos de Stanton e resolve com ele estabelecer um jogo perigoso. Esse encontro mudará tudo para ele e para Molly e fará com que sua obsessão pelo sobrenatural e pela manipulação dos sentimentos mais frágeis das pessoas chegue a um lugar perigoso demais.
O Beco do Pesadelo é um bom thriller psicológico, que explora a ambiguidade e as fraquezas do caráter humano. É verdade que Del Toro peca ao não ter optado por desenvolver mais os personagens interessantes que criou durante a trama, o que pode ser a crítica mais forte ao longa, mas, mesmo assim, não deixa de ser uma boa experiência sobre a nossa morbidez, nossas ambições e maldades, como também uma boa viagem para um mundo que estava prestes a explodir ao lado de um homem muito semelhante a ele.