Dirigido pelo jovem e promissor diretor e produtor britânico Ben Taylor, Joy, um pequeno milagre é um belo filme sobre perseverança, coragem, honestidade científica, solidariedade e amizade. O longa retrata a história real de três pessoas que por mais de dez anos insistiram que seria possível, mesmo diante das dificuldades e dos inúmeros entraves, ajudar milhares de mulheres inférteis pelo mundo que sonhavam em ser mães.
Robert Edwards, ou melhor, Bob, interpretado pelo excelente ator britânico James Norton, é um biólogo e pesquisador britânico, que se debruça sobre as questões da reprodução humana e da infertilidade. Patrick Steptoe, por sua vez, é um obstetra e ginecologista especializado no tratamento da infertilidade, interpretado pelo magistral Bill Nighy, que, como sempre, rouba a cena em muitos momentos por conta da sua enorme capacidade expressiva, que faz com que não precise dizer uma só palavra ou simplesmente gesticular para nos surpreender. Entre os dois profissionais está Jean Purdy, uma enfermeira, pesquisadora embriologista, infértil e oriunda de uma família bastante religiosa e conservadora, que deseja, com seu trabalho, ajudar muitas mulheres a viver o que ela mesma não pode. Ela é interpretada pela jovem e cativante atriz neozelandesa Thomasin Mckenzie, que se destacou no belo e encantador vencedor do Osca Jojo Rabbit.
Bob é um respeitado cientista que resolve dedicar seu trabalho à causa da possibilidade de desenvolver um embrião humano em uma proveta, que possa ser posteriormente implantado em uma mulher com dificuldades severas para engravidar. Seu excesso de trabalho como pesquisador e acadêmico faz com que necessite da ajuda de outros pesquisadores. Por conta disso, resolve contratar alguém para auxiliá-lo diretamente nessa pesquisa sobre fertilização. Assim, conhece e contrata Jean, que além de extremamente competente e inteligente, compreende os sentimentos que mulheres inférteis compartilham, pois ela também é. É, inclusive, dela uma das melhores reflexões que o filme nos traz, ao apontar que praticamente todas as mulheres no mundo são educadas e preparadas para em algum momento da vida serem mães. Ou seja, a dor de alguém que não pode ter filhos é algo que fere praticamente uma vida inteira de expectativa, imaginação e condicionamento. Uma coisa é optar por não ter, outra é simplesmente isso ser imposto por uma condição clínica, que foge à capacidade decisória da mulher.
Quando Bob e Jean começam a desenvolver a pesquisa, decidem entrar em contato com Patrick Steptoe, um obstetra que, por conta de sua ousadia e até mesmo excesso de solidariedade, é punido pela classe médica britânica com uma espécie de exílio em um hospital precário e afastado dos principais centros urbanos do Reino Unido. Ele atende em Dr. Kershaws, uma instituição localizada na cidade de Oldham, nos arredores de Manchester. Precária e sem muitos recursos, é nessa instituição que o laboratório será instalado.
Patrick é um médico respeitado, porém controverso no universo da classe médica extremamente conservadora do Reino Unido da década de 1970. Contudo, sua habilidade como cirurgião e sua insistência na técnica da laparoscopia fazem com que Bob e Jean praticamente implorem para que ele, já no entardecer de sua longa carreira médica, aceite com ambos trabalhar na pesquisa sobre fertilização in vitro. Na realidade, não precisam de muito para convencê-lo.
Desta maneira, Bob, Jean e Patrick formam o time que vai passar mais de dez anos para conseguir pela primeira vez o nascimento de uma criança por meio do que conhecemos hoje como FIV (fertilização in vitro). Nessa jornada, os três enfrentam não somente os desafios que a própria natureza e a ciência impõem, mas também a igreja, a imprensa sedenta por polêmica e sensacionalismo e o próprio estado. Os problemas que aparecem para todos são, em muitos momentos, tão complexos, que acabam extravasando a vida pública de cada um, ferindo a própria intimidade deles. Jean é, nesse sentido, quem experimenta isso mais de perto, principalmente por conta de sua mãe, que não aceita seu trabalho e as pessoas da igreja que frequenta, que a enxergam como uma manipuladora daquilo que deveria estar simplesmente submetido aos desígnios divinos. Jean passa a ser a pecadora que quer brincar de ser Deus.
Ela se torna, na realidade, o elo central e o estímulo fundamental para que Bob e Patrick não desistam da longa empreitada. Aparentemente a mais frágil dos três, Jean é a que demonstra mais coragem e quem suporta todo o peso daquilo que sente somado ao julgamento injusto de uma sociedade cruel, moralista e conservadora.
Joy é, assim, um belo filme sobre um dos feitos mais extraordinários da ciência moderna. É muito interessante compreender o quanto para avançar a ciência precisa, em muitos momentos da história, enfrentar muito mais do que seus próprios fracassos. O grau de sensibilidade que essas três pessoas tiveram e a coragem com que tudo enfrentaram resultou no nascimento de milhares de pessoas pelo mundo e na felicidade de inúmeras mulheres que não teriam o sonho de ser mãe possível se não fosse a bravura dessas três admiráveis personagens. Em meio a tantas dificuldades, Joy é um filme alentador e otimista, que nos recorda que às vezes o ser humano realmente deixa suas atrocidades e violência de lado e é capaz de coisas belas e notáveis. Aliás, Joy é o segundo nome de Louise Joy Brown, o primeiro bebê da história que nasceu graças a FIV.