Um dos temas preferidos das direitas europeias é, sem dúvida, a questão da imigração. Desde países mais ao norte, como Alemanha, até o sul da Europa, como Itália e Portugal, o tema da imigração sempre figurou como central para esse espectro político.
Existem muitas diferenças de abordagem, diversas perspectivas teóricas e conceituais e, sobretudo, enormes diferenças políticas entre grupos e partidos que concebem a questão da imigração como tema central de seus discursos. Essas diferenças vão desde a defesa de um maior controle de entrada de estrangeiros ilegais e endurecimento de leis penais para quem comete crimes, até a prática racista e violenta de grupos supremacistas que afirmam uma superioridade da “raça branca” e europeia e defendem a expulsão imediata de todos os imigrantes que nela não se enquadram.
O que havia em comum nesse emaranhado de discursos, grupos e partidos políticos tão diversos eram fundamentalmente três coisas: 1) A forte presença de uma ideologia nacionalista; 2) Certo grau – que pode ser mais violento ou mais contido – de xenofobia, e 3) Localização à direita do espectro político.
Deixando de lado aqui os grupos mais radicalizados, de traços claramente nazistas e violentos, gostaria de compartilhar aqui algumas impressões sobre como o tema da imigração tem aparecido na política europeia por meio de partidos competitivos, e em alguns lugares, como na Itália, à frente do governo.
Comecemos pela Itália. O país de Mussolini buscou, de certa maneira – embora menos do que a Alemanha – extirpar o fascismo de sua política. No pós-guerra ninguém que pretendesse disputar cargos políticos poderia se declarar abertamente fascista, embora não seja possível apagar elementos sociais tão fortes assim de uma hora pra outra. Pequenos agrupamentos continuaram existindo e a chama do fascismo não se apagou totalmente.
Tanto não se apagou que a hoje primeira ministra Giorgia Meloni é pertencente ao Partido Frateli d’itália, agrupamento político nacionalista e herdeiro do fascismo. E como não poderia deixar de ser, a imigração é seu tema político preferido.
É verdade que há muitas diferenças entre a Meloni ministra, que defende a democracia liberal, possui boa relação com a presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen, e ganha prêmios internacionais, e os fascistas de coturno dos anos 1930. Mas se buscarmos a origem das ideias e do seu agrupamento político, sim, chegamos ao fascismo.
Na França não é muito diferente. Hoje o partido com mais assentos na Assembleia Nacional e que vem sendo competitivo a cada eleição presidencial é o Rassemblement National (antigo Front National), cujo líder histórico, Jean Marie Le Pen, fez carreira política defendendo um nacionalismo exacerbado, defendeu a ocupação francesa na Argélia e afirmou que as câmaras de gás foram apenas um detalhe da Segunda-Guerra Mundial. Sim, o antissemitismo é traço histórico das direitas europeias.
Hoje Marine Le Pen herdou o partido, o reorganizou e buscou dar uma “modernizada” no discurso. Sai o antissemitismo e a racista afirmação de superioridade branca ou europeia, dando lugar a um discurso sobre diferenças e valores ocidentais. Sai o tom machista e agressivo que permeia o imaginário de uma certa extrema direita e entra um discurso sobre a liberdade de ser quem se quer ser, livremente; a liberdade de ser por exemplo, homossexual, liberdade que estaria sendo ameaçada pela presença de…estrangeiros, sobretudo do mundo islâmico. Voilà.
No campo mais acadêmico, na fronteira com o político, existe hoje um debate mais ou menos sofisticado a dar embasamento a esse tipo de posicionamento. Alguns chamam de etnopluralismo, o que significaria, fundamentalmente, que se reconhece e se respeita a existência de culturas diferentes, sem afirmar uma superioridade de raça, como outrora. Porém, justamente por isso não seria possível misturar demais essas culturas sob o risco de apagar seus traços essenciais. A conclusão, portanto, seria a de que a cultura europeia também deveria ser preservada, e não aniquilada pela entrada indiscriminada de estrangeiros de todo tipo. Em termos muito simples, cada um no seu lugar.
Essa ideia tem fundamentado a defesa de um controle imigratório mais drástico, o que ganhou força nos debates nacionais após a chamada “crise dos refugiados” de 2015. Hoje debate-se se qual a cota de imigração cada país deveria aceitar, qual o papel da Uniao Europeia na formulação dessas regras – os nacionalistas eurocéticos diriam que deve ser zero – e o que os governos nacionais podem fazer para conter essa “invasão” de estrangeiros. Na França esse debate vem junto com o debate sobre segurança pública e deportação, e ganha muito espaço a cada vez em que ocorre algum crime cometido por um não francês de origem.
O que parece cada vez mais evidente, por um conjunto enorme de razões, é que o tema da imigração tem transbordado o espectro da então chamada extrema direita e tem ganhado o debate público em geral, sendo debatido nos canais de Tv diariamente e fazendo com que políticos da direita tradicional, do centro, e por vezes mesmo da centro-esquerda, se posicionem de maneira, digamos, “anti-imigração”. Recentemente o ex-presidente Nicolas Sarkozy afirmou em programa de TV que o a imigração deve deixar de ser tratada como tema tabu e que a “coisa vai piorar muito”, o que exigiria uma política de forte contenção de entrada de imigrantes.
O complicador de tudo isso é que a economia europeia tira proveito da imigração por meio da exploração de trabalho do imigrante, que é mal pago e se sujeita a fazer serviços que os europeus não fazem. Recentemente uma associação patronal afirmou que há escassez de mão de obra em vários setores e que essa escassez só não é pior graça às guerras na Ucrânia e em Gaza!
Isto revela, fundamentalmente, que existem fortes interesses econômicos na entrada de imigrantes como fornecedores de mão de obra barata. E revela também que há uma porção de contradições a permear essas questões todas. Como ela serão equacionadas politicamente, não sabemos. Mas, a julgar pelo crescente desempenho dos partidos anti-imigração e pelo espraiamento do tema para além da extrema direita, parece que o projeto de uma Europa multicultural pode estar sendo enterrado pelas urnas europeias.