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Gladiador II

Gladiador II

           “Nunca se deve voltar onde se foi feliz”. Esse é um dos adágios mais conhecidos da sabedoria popular, que ensina a evitar comparações ou até mesmo um ofuscamento por conta daquilo que se faz no presente em relação a alguma glória do passado. Quem foi feliz em um cargo, jornada ou empreitada, deve deixar aquele momento de glória como algo a reverberar no futuro, sem correr o risco de macular o passado por uma nova experiência malfadada. Exemplos na história que confirmam o ditado popular não faltam. Contudo, ele não foi suficiente para impedir que o aclamado diretor britânico Ridley Scott voltasse a um dos seus mais famosos e consagrados filmes, vencedor de cinco Oscars, cultuado como um dos maiores filmes da história do cinema, Gladiador, do ano de 2000.

Gladiador II é a continuação da história contada no primeiro filme. À primeira vista seria muito difícil que esse filme superasse o primeiro, o que realmente não acontece. Todavia, não é, nem de longe, um filme desinteressante e que vai irritar aqueles que adoram Maximus Decimus Meridius. Talvez tenha sido essa uma das grandes estratégias de Scott: preservar, respeitar e ainda ter de alguma forma presente ao longo de todo filme o seu grande personagem. Ou seja, em Gladiador II, embora não haja a participação atual de Russel Crowe, seu personagem paira sobre a narrativa do segundo filme com onipresença. Somado a isso, o diretor britânico adicionou ao elenco três atores de peso, fôlego, cujos desempenhos valem o filme: o excelente Denzel Washington; o bom ator Pedro Pascal e a boa surpresa Paul Mescal. Além disso, Ridley Scott manteve os atores e atrizes originais do primeiro filme, como Connie Nielsen, que interpreta Lucilla, filha do imperador Marcus Aurelius e Derek Jacobi, que vive o senador Gracchus.

Sob a perspectiva histórica o filme é realmente interessante. O primeiro ponto favorável é a recriação do ambiente de Roma em um momento que o império se aproxima de sua queda. O filme se passa por volta de 200 d.C, um pouco antes de sua futura queda que acontecerá em 476 d.C. Roma inicia sua decadência profunda após a queda da República e a extensão do Império de pés de barro. Os diálogos iniciais são notáveis nessa apresentação do contexto, principalmente com a vitória do general Acacius (Pedro Pascal) na Numídia, no norte da África, pois ao regressar a Roma como herói ele diz aos imperadores Geta (Joseph Quinn, de Stranger Things) e Caracalla (Fred Hechinger) que a melhor recompensa naquele momento não seriam jogos em sua honra, mas sim poder descansar com sua esposa sem ter que conquistar mais nenhum povo. Os irmãos imperadores alertam Acacius que isso não seria possível, pois haveria muito mais terras a serem conquistadas pelo império, ao que Acacius prontamente contesta. Ele avisa que diante da dificuldade em administrar toda a extensão territorial e alimentar todos os povos sob a tutela romana, conquistar novos territórios seria tolice. De fato, além da corrupção e da degradação do coração do império, a enorme extensão e a dificuldade em manter os povos subjugados levaram ao colapso de Roma.

Outro ponto favorável foi a construção da narrativa com a utilização de personagens reais. Geta e Caracalla realmente existiram, assim como Macrinus (Denzel Washington), que foi um imperador romano negro de origem berbere da Mauritânia. Caracalla, inclusive, é um dos célebres imperadores da história romana por conta de seu apetite sanguinário e por ter sofrido distúrbios psicológicos durante seu reinado. A cena em que ele nomeia seu pequeno macaquinho como primeiro Cônsul nos remete a Calígula, que nomeou seu cavalo também ao mesmo cargo. Todas essas referências deixam o filme mais notável. É possível sentir o ambiente de caos, depravação e corrupção que o império atravessa sob o comando dos dois tiranos completamente despreparados e mimados, porém brutais e cruéis.

Aliás, o filme não poupa em violência. É até esperado que a violência seja central em termos visuais, afinal não deixa de ser verdadeiro o fato de que o período histórico era realmente muito brutal. A violência era algo natural e, na grande parte das vezes, vista como algo positivo, digna da força e da honra. O império não foi construído com nenhuma gentileza e sim com muita brutalidade, como todo e qualquer império. Todavia, aqui podemos encontrar um ponto negativo no filme, pois há um certo exagero em alguns efeitos técnicos. A primeira batalha de gladiadores que aparece no filme é contra macacos completamente irreais e dimensionados de uma forma difícil de aceitar. Isto é, nesse ponto Scott flertou com a imaginação muito mais do que tentou manter uma fidedignidade à história e ao mundo real. De qualquer modo, é possível superar isso e deixar de lado diante do que o filme oferece de positivo.

Se a violência é constante durante todo o filme, a honra e o ideal de uma república decente, honesta e virtuosa é o mote que personifica o herói Hanno (Paul Mescal), que na verdade é Lucius, o filho de Lucilla com Maximus, que teve que deixar Roma após a morte de Commodus. Gladiador II é, portanto, centralizado na saga de Lucius, um romano que foi criado como bárbaro na Numídia por conta de seu exílio e a Roma volta como gladiador, numa espécie de ciclo semelhante ao de seu pai, Maximus, o general que se tornou gladiador e desafiou um império. Assim como ele, Lucius enfrentará nas arenas todo um império que está prestes a desmoronar e vive um momento muito distante do sonho de seu avó Marcus Aurelius, o imperador filósofo. Há uma clara construção de Lucius como uma figura heroica que compreende o poder como algo que se constrói através da honra e do merecimento e não pela tirania e pela mera crueldade.

Por fim, se Gladiador II não consegue superar o seu antecessor, ele oferece um bom entretenimento a quem quer voltar no tempo, passar boas duas horas e meia no império que influenciou todo o Ocidente e até hoje desperta a nossa curiosidade, repulsa e admiração ao mesmo tempo. A experiência épica que Ridley Scott nos proporciona vale muito a pena e, convenhamos, quem não gostaria de reencontrar Maximus Decimus Meridius mais uma vez no cinema?

 

 

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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