Os filmes do gênero terror seguem normalmente as mesmas fórmulas de sempre: sustos premeditados, tensão causada pelos sons que vão preparando o nosso espírito para as cenas mais fortes, casas mal-assombradas, tonalidades escuras, muitas vezes quase o escuro total, imagens confusas, segundo plano de imagem desfocado, dentre tantos outros ingredientes que sempre estão no menu desse tipo de filme. Na maior parte deles a história costuma ser ruim e o roteiro muito fraco. São raros os bons filmes de terror que trazem elementos novos ou, mesmo seguindo alguns padrões, que conseguem contar uma boa história. Entrevista com o demônio é uma dessas boas exceções.
O longa dirigido e roteirizado pelos irmãos australianos Cameron e Colin Cairnes concentra-se no apresentador de televisão Jack Delroy, interpretado pelo excelente ator norte-americano David Dastmalchian, que, apesar da fama e do sucesso como condutor de um talk-show, passa por um momento complicado, em razão da baixa audiência de seu programa noturno. Jack ascendeu no showbusiness rapidamente e tornou-se um apresentador respeitado. Contudo, a morte de sua esposa, vítima de câncer, Madeleine Delroy (Georgina Haig), o afastou por um período do mundo do entretenimento. Seu retorno não foi como seus produtores esperavam. Por conta disso, Jack desespera-se com a possibilidade de rescisão de seu contrato e a ameaça do fim de seu Night Owls.
Diante disso, para tentar alavancar sua audiência, Jack começa a apelar para atrações cada vez mais bizarras, insólitas e sem qualquer tipo de limite. O que passa a importar é somente o ibope. Na festa de Halloween de 1977, Jack resolve, então, trazer para seu programa três atrações inusitadas: Christou (Fayssal Bassi), um médium que consegue comunicar-se com mortos; Carmichael Hunt (Ian Bliss), um cético que procura desvendar charlatões e demonstrar que todos os fenômenos apresentados como inexplicáveis são farsas; e Lilly D´Abo (Ingrid Torelli), uma menina que diz viver uma possessão demoníaca. Jack descobriu Lilly por conta do livro escrito pela parapsicóloga e pesquisadora June Ross-Mitchell, interpretada pela atriz Laura Gordon.
June conta em seu livro que Lilly sofre com a possessão de uma entidade maligna, que dela se apoderou quando fazia parte de uma seita satânica. Ela foi criada nessa seita, liderada pelo fanático ocultista Szandor D´Abo. Acusado de cometer sacrifícios humanos, Szandor começou a ser investigado pela polícia. No momento em que esteve prestes a ser preso, ateou fogo em si mesmo e em todos os seus seguidores, destruindo todas as provas possíveis. A única sobrevivente do incêndio foi Lilly.
Assim, Lilly foi tratada e cuidada por June, que, de certa forma, apresenta a ambiguidade de quem diz ter adotado a menina como uma filha, ao mesmo tempo que a trata como objeto de estudo e dela se utiliza para promover um livro. Aliás, esse é um dos pontos fortes do enredo dos irmãos Cairnes; isto é, a ambiguidade ética tanto de June, quanto de Jack, com quem concordou em expor a menina na televisão.
Na noite de Halloween de 1977 o programa de Jack Delroy vai então ao ar. Christou é o primeiro a ser entrevistado. Antes, contudo, ele faz uma pequena demonstração de seus poderes mediúnicos. Entre o ridículo e o inexplicável, Christou vai em poucos segundos de charlatão a potencialmente um médium verdadeiro. O seu embate com o cético Carmichael Hunt é violento, fazendo com que saia do palco causando uma má impressão e uma certa tensão para o público.
Finalmente Lilly é apresentada. Os parceiros de programa de Jack transitam entre aqueles que querem o ibope a qualquer custo, estando dispostos a irem até o fim, e os que percebem que há algo de errado e que o ideal seria parar por ali. Todavia, Jack, ao ser avisado pelo produtor que o ibope está nas alturas, não para e pede para June fazer uma sessão com Lilly. A entidade que habita o corpo da menina recebe o nome de Senhor Torto, pois, de acordo com ela, entra dessa forma em seu corpo e da mesma maneira sai.
No momento em que o demônio começa a conversar com June coisas estranhas acontecem e segredos são revelados. Carmichael continua irredutível, acreditando que está diante de mais uma farsa. Todavia, desta vez as coisas saem do controle e um verdadeiro pesadelo começa a atravessar a noite.
Toda a história se passa praticamente dentro do estúdio de Jack nessa noite de 1977. É impressionante a reconstituição da época e a predominante coloração marrom alaranjada típica deste período. No melhor estilo found footage, os irmãos Cairnes exploram o programa de Jack como se fosse um documentário intercalado a cenas reais. A tensão que constroem é capaz de levar o telespectador para o programa, como se estivesse realmente participando dele, ou sentado nas poltronas do estúdio, ou nos sofás de casa, assistindo ao vivo. Fora o início do filme, que busca contextualizar a década de 1970 como uma era conturbada e violenta, todo o resto se passa, portanto, entre o estúdio e os bastidores com Jack, June, Carmichael e Lilly.
Por fim, Entrevista com o Demônio é um bom filme de terror. Ele surpreende por prender a atenção do início ao fim e ser muito bem executado, tanto no que toca a interpretação dos principais personagens, principalmente de David Dastmalchian, que é, sem dúvida, o melhor do filme, quanto em relação à perfeita ambientação e reconstituição da atmosfera da década de 1970. Além disso, não deixa de ser um bom convite para se refletir o quanto já vimos cenas semelhantes em programas atuais, que exploram a vulnerabilidade das pessoas, suas superstições e misticismos, assim como a nossa própria ignorância por conta de qualquer ponto no ibope. Quais os limites éticos que o entretenimento deve ter para não transformar qualquer atração num verdadeiro show de horror? Até podemos pensar que diante de alguns programas que já vimos, o Senhor Torto nos daria até menos medo. De qualquer modo, vale a pena passar a noite de Haloween de 1977 na companhia de Jack Delroy.