Antes era o “teto de gastos”. Agora, “arcabouço fiscal”. Quem acompanha os noticiários econômicos no Brasil deve ter notado que esses termos dominam os debates econômicos e também políticos e geram enormes controvérsias. Mas você sabe o que esses termos significam? Mais importante ainda, você sabe o que está por trás dessas controvérsias?
Nesse texto vamos falar um pouco sobre regras fiscais e buscar desvendar onde esta o nó da discórdia, tentando descomplicar esse assunto que parece tão complicado.
Orçamento desequilibrado?
Basicamente, os governos possuem um conjunto de receitas e despesas. No Brasil, a proposta orçamentaria anual é enviada pelo Executivo ao Congresso Nacional, e quando aprovada dá origem à LOA (Lei Orçamentária anual). Na elaboração dessa peça orçamentária estima-se um montante de receitas para o ano seguinte e um conjunto de despesas, que incluem o custo de manutenção da estrutura do Estado, repasses constitucionais para entes da federação, previdência e toda a demanda da sociedade por políticas públicas.
Mas para isso funcionar bem devem existir alguns balizadores, que são as chamadas regras fiscais. Elas devem ser claras, para que a gente possa entender como o governo pretende atingir seus objetivos e entregar as demandas da sociedade, sem mágica, sem segredos contábeis, porque eles podem gerar problemas lá na frente. Tudo às claras, garantindo previsibilidade aos agentes da economia.
Agora, prestem atenção! Os governos, ao contrário das donas de casa – como gostam de dizer alguns economistas – não precisam operar sempre, a todo momento, em qualquer circunstância e em qualquer lugar, com o orçamento anual equilibrado ou no azul. Em alguns momentos –alguns – eles podem, e devem, operar no vermelho, ampliando suas despesas mesmo sem um aumento de receitas correspondente. Foi o que os governos fizeram durante a pandemia, por exemplo, por razões sobretudo humanitárias, mais do que justificáveis.
Mas eles também podem fazer isso, mesmo sem pandemia, em momentos de desaceleração da economia e aumento do desemprego, ampliando investimentos públicos de modo a puxar o investimento privado.
Isso está em qualquer manual de macroeconomia. Podemos escolher alguns dos mais renomados economistas americanos, ex-diretores do FMI, e essa medida estará prevista lá. Chama-se política fiscal anticíclica.
Mas então qual é o problema? Por que temos tanta controvérsia no Brasil?
O teto desabou
Em geral a controvérsia está em qual seria o momento adequado para ampliação de gastos públicos em investimento. Qual seria o montante adequado? E se o governo errar a mão? Qual o conjunto de circunstâncias ideais para que ele de fato puxe o investimento privado? E se ele apenas substituir o investimento privado (ao que os economistas chamam de “crowding out”). E se a dívida pública já estiver muito alta, seria desejável aumentá-la ainda mais? E seu custo de carregamento? E a taxa de juros? Para quem quiser se iniciar no debate, ele começa com essas perguntas.
Até ano passado o famoso teto de gastos dominava os noticiários no país. Era uma regra simples: O governo não poderia gastar, no exercício fiscal, mais do que o gasto do ano anterior corrigido pela inflação. Seu fundamento era uma preocupação imediatista com a sustentabilidade da dívida pública.
Uma regra simples e ruim. Ruim porque não permitia ao governo expandir gastos em momentos necessários. Ruim porque não lidava com o imprevisto e precisava ser contornada o tempo todo. Ruim porque estava cravada na Constituição, mas na prática nunca foi seguida. Uma regra que tinha que cair, e caiu.
Em lugar de extremos, o meio do caminho
O que o Congresso está discutindo agora, a partir de uma proposta que partiu do governo, é como deve ser a regra que vai ser colocada no lugar. A controvérsia agora está em encontrar uma forma razoável de compatibilizar duas coisas:
- Trajetória sustentável da dívida pública, de modo que ela não cresça indefinidamente, o que pode gerar desequilíbrios macroeconômicos, excesso de gastos com juros e mesmo entraves ao crescimento econômico.
- Capacidade de atender às demandas da sociedade, em um país desigual como o Brasil, com inúmeras carências e bolsões de pobreza, e de ofertar políticas públicas de qualidade, políticas sociais, além de viabilizar investimentos públicos em áreas importantes onde o setor privado sozinho não dá conta.
Há várias maneiras e várias métricas para compatibilizar isso tudo. O Brasil já conta com algumas regras, como a regra de ouro, a Lei de Responsabilidade Fiscal e constantes metas de superávit primário.
O atual “arcabouço fiscal” proposto pelo governo preferiu estabelecer um complexo sistema de limitação de despesas em função das receitas, aliado a metas de resultado primário. A proposta combina uma
- regra operacional de gastos que limita seu crescimento a 70% do crescimento da receita primária dos 12 meses anteriores, respeitando o intervalo de 0,6% a 2,5% de aumento real.
Com uma
- Meta de médio prazo para o resultado primário, zerando o déficit primário já em 2024 e buscando superávit de 0,5% do PIB em 2025 e 1,0% do PIB em 2026.
A proposta apresentada já passou por modificações, como o dispositivo inserido pelo relator na Câmara, que fixou alta real de 2,5% nas despesas para 2024, independente das receitas. Além desse dispositivo, o que se tem debatido no Congresso são mecanismos de punição para o caso de descumprimento das metas, o que gera novamente uma série de controvérsias e pode acabar engessando novamente a ação dos governos.
Economia a serviço do fiscal ou o contrário?
É importante que as regras sejam claras e de fácil entendimento. A proposta do governo, no entanto, é relativamente complexa de entender, a começar pelo nome de batismo, o que tem gerado certos ruídos sobre seu significado. Mas mais importante que a clareza, é fundamental que elas sejam críveis e exequíveis, que gerem previsibilidade e não precisem ser contornadas a todo momento.
Mas não se iludam. Regra fiscal não é panaceia!
Mais importante é a garantia de financiamento do investimento produtivo, de um ambiente de negócios viável, com disponibilidade de crédito adequado e, sobretudo, é fundamental algum projeto de desenvolvimento.
O mundo está se movendo nesse sentido: A chamada economia verde está na pauta mundial, as placas tectônicas da geopolítica se movem rapidamente e até mesmo a hegemonia do dólar vem sendo questionada.
Onde o Brasil quer estar nesse tabuleiro, como aproveitar suas potencialidades e quais são suas prioridades devem ser as perguntas-chave. A regra fiscal pode no máximo servir de trilho para esses objetivos.