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Economia em Foco: Banco Central
Economia em Foco: Taxa de Juros e Banco Central

Economia em Foco: Banco Central

Recentemente tem ganhado destaque nos noticiários a questão da atuação do Banco Central e sua condução da política monetária. Sua estratégia de manutenção de juros altos (Selic em 13,75 a.a., com juros reais acima de 7%a.a.) ganhou ainda mais visibilidade diante de um cenário de baixo crescimento e tem levantado questionamentos acerca do significado de sua “autonomia”, formalizada pela Lei Complementar 179/2021, que, na prática, impede com que o recém-eleito Presidente da República remova o presidente do BC nomeado no governo anterior.

A grosso modo, o fundamento da lei sobre “autonomia” do BC é blinda-lo de interferências políticas por conta do caráter estritamente técnico de suas decisões. Neste texto, no entanto, não pretendo entrar nesse debate, que ademais é necessário. Proponho aqui um outro exercício:

Partamos da suposição de que as decisões do presidente da instituição e de seus diretores, ao contrário do que propagam os incautos, não guardam qualquer relação com interesses políticos, partidários ou do setor financeiro privado, sendo tomadas de maneira puramente técnica e em consonância com o que apontam os modelos que oferecem suporte para suas decisões. Ainda assim ficaria a questão: Afinal, como pensa o Banco Central?

Muitas pistas podem ser buscadas na ata que a instituição publicou nesta terça-feira, 28[1]. Vamos pinçar ali alguns pontos que podem nos iluminar sobre a questão posta acima.

No início de seu comunicado, o BC traz uma suscinta análise do cenário internacional, chamando atenção para os episódios que envolveram quebra de bancos americanos e europeus, trazendo um cenário de incerteza e volatilidade, ao mesmo tempo em que a inflação global demonstra resiliência. Diante desse quadro, adverte, é necessário separar política monetária de políticas macroprudenciais. A primeira segue indicando necessidade de produzir um aperto das condições financeiras a fim de reduzir as pressões inflacionárias. A segunda admite a possibilidade de que o BC tenha que prover liquidez para o sistema financeiro, o que não entraria em contradição com a primeira.

A ata não explicita, mas podemos dizer que a macroprudencial seria, em último caso, colocar o BC como garantidor de depósitos, ajudando instituições financeiras, o que esperamos que não seja necessário, dado que o próprio BC é o ente regulador do setor financeiro e deve estar atento a ações privadas que coloquem em risco o sistema.

Passando para o cenário doméstico, a ata menciona um quadro de desaceleração do crescimento (De um PIB que fechou 2022 em 2,9%) e de estabilidade na taxa de desemprego (Que fechou o 4º trimestre de 2022 em 7,9%)[2]. Mesmo diante desse quadro o Brasil experimenta uma inflação acima da meta de 3% estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), com expectativa de 6,0% para 2023 e 4,1% para 2024, de acordo com o Boletim Focus, um boletim que reúne o conjunto de expectativas do mercado financeiro e que o BC utiliza para balizar suas próprias decisões.

Alguns parágrafos adiante, após mencionar uma desaceleração no setor de bens duráveis, encontramos o seguinte diagnóstico: “O Copom segue avaliando que a desaceleração econômica em curso é necessária para garantir a convergência da inflação para suas metas”. Mais algumas linhas sobre mercado de trabalho e alguns núcleos de inflação, sobretudo no setor de serviços, que encontra certa resiliência, e encontramos a seguinte conclusão:

 Observa-se assim uma dinâmica inflacionária movida por excessos de demanda, inicialmente em bens e que atualmente se deslocou para o setor de serviços, e que, portanto, requer moderação da atividade econômica para que os canais de política monetária atuem.

O que a ata nos diz, resumidamente, é que se faz necessário prosseguir com a atual taxa de juros buscando arrefecer o nível de atividade econômica e manter um nível de desemprego em “patamar seguro”, pois alguns núcleos de inflação persistem, sobretudo no setor de serviços.

Não é hora de crescer e gerar emprego! E é aqui que o debate transborda o ambiente meramente “técnico” de modo mais evidente.

Ora, é consensual o diagnóstico de que temos uma inflação de demanda? Quais são os elementos causadores e mantenedores da inflação que temos? Seria a taxa de juros o único instrumento disponível para conter o nível de preços de, por exemplo, alimentos, ou de preços administrados, como combustíveis? Seria o mais adequado? Ainda que o diagnóstico do BC esteja correto, a sociedade estaria disposta a aceitar uma desaceleração do nível de emprego e renda para fazer a inflação convergir à meta de 3%, ou valeria à pena buscar outros instrumentos que produzissem um efeito menos negativo sobre o crescimento? A quem caberia essa decisão? Uma meta de inflação em 3% seria realista? Há uma ponderação sobre os efeitos fiscais de uma Selic elevada?

Acontece que todas essas questões, que são legítimas, estão ausentes dos cálculos e ponderações do BC. A meta de inflação, por exemplo, é determinado pelo CMN, cabendo ao Copom apenas buscar uma meta de Selic que faça o IPCA convergir para essa meta. Nesse caso a bola está com o governo, seus ministros da Fazenda e Planejamento.

Os fenômenos possivelmente causadores da inflação também recebem, no fim das contas, pouquíssima importância, pois, justiça seja feita a seus técnicos, a missão institucional do BC é apenas ancorar as expectativas e entregar a inflação na meta, custe o que custar. O atual quadro institucional e normativo facilita a eles lavar as mãos e culpar o governo.

Ora, se esse quadro causou incômodo a você leitor, valeria então uma discussão pública sobre o papel do BC, sua missão e instrumentos, como, por exemplo, o regime de metas de inflação, buscando talvez aperfeiçoá-lo ou substituí-lo por outro modelo, não?

De acordo com a referida ata, não. No núcleo de seu raciocínio está a questão das expectativas e sua ancoragem, e a ata é explícita em dizer que até mesmo o questionamento da razoabilidade da meta atual, em 3%, é geradora de desancoragem das tais expectativas. Em outras palavras, estamos no terreno do sagrado.

Um último ponto salta aos olhos na ata do dia 28/03. Vale reproduzi-lo:

O Comitê avalia que o compromisso com a execução do pacote fiscal demonstrado pelo Ministério da Fazenda, e já identificado nas estatísticas fiscais e na reoneração dos combustíveis, atenua os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação no curto prazo. Ademais, o Comitê seguirá acompanhando o desenho, a tramitação e a implementação do arcabouço fiscal que será apresentado pelo Governo e votado no Congresso.

Aqui cabe destacar dois pontos. O primeiro, mais absurdo, é o diagnóstico de que a reoneração dos combustíveis – inflação pra hoje, na veia – não aumenta, mas reduz a inflação, por conta da melhora que produz no resultado contábil do setor público no curto prazo, melhorando as expectativas futuras de inflação. Gostaria de ver esse cálculo em seus modelos.

Nesse aspecto, vale levantar a hipótese de que a explicação para a estranheza – pra dizer o mínimo – de certas hipóteses assumidas pelo BC não seja encontrada propriamente nas teorias macroeconômicas, mas nas trajetórias, perfis e interesses de seus próprios agentes, como demonstra um estudo sociológico de peso e recém lançado[3].

O segundo ponto que chama atenção é a admissão de que o Banco Central monitora o governo, informando-o de que qualquer política fiscal que ele, Banco Central, calcule como de efeito expansionista, será respondida com mais juros. Trata-se de uma derivação lógica de seu diagnóstico, segundo o qual estaríamos diante de uma inflação de demanda que exige, portanto, uma política macroeconômica contracionista, isto é, capaz de arrefecer o nível de atividade da economia e manter relativa estabilidade na taxa de desemprego.

Ora, deveríamos então estar discutindo a autonomia do governo (em relação ao Banco Central)?

Vale a provocação, mas, a rigor, não. Não é possível, tanto quanto o contrário também não faz sentido. Deve haver convergência e coordenação entre o mix de política macroeconômica (fiscal, monetária, de rendas, cambial), tudo como parte de uma política de governo, informada, sem problema aqui, pelo conhecimento técnico-científico acumulado.

E diante do quadro atual, haveria a possibilidade de convergência entre governo e seu Banco Central?

A resposta está explícita ao final da ata, onde se afirma que o Banco Central não hesitará em retomar o ciclo de ajuste – isto é, mais juros – caso necessário.

O teor dessa afirmação, levando em conta o contexto marcado por ruídos entre BC e governo é, evidentemente, político, sugerindo que talvez a lei da “autonomia” do Banco Central não tenha produzido propriamente uma despolitização de suas decisões, mas justamente o contrário.

[1] Disponível em https://www.bcb.gov.br/publicacoes/atascopom

[2] Dados disponíveis em https://www.ibge.gov.br/

[3] Os mandarins da economia: presidentes e diretores do Banco Central do Brasil. Organizadores: Adriano Codato e Mateus de Albuquerque. São Paulo, SP: Edições 70, 2023.

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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