Apesar de uma semana mais curta, Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, convocou uma sessão presencial na segunda-feira, 04 de setembro deste ano. Incomum na semana do feriado de independência nacional, a reunião visa a presença dos Deputados e Deputadas em Brasília para destravar pautas caras ao Governo Federal, sobretudo em relação à economia. Esse é o caso do Desenrola, programa de renegociação de dívidas do Governo Federal, instituído via Medida Provisória em julho, e que deve passar pelo rito do Congresso Federal para se tornar Lei.
Neste Acervo Temático, vamos discutir o Desenrola, sua fundamentação, as dificuldades, os resultados preliminares e qual seu possível impacto na economia.
Desenrola
Discutir a inadimplência e dívida no Brasil foi um tema quase uníssono de campanha durante as eleições presidenciais de 2022. Apesar disso, as políticas não foram postas em prática rapidamente. Com uma taxa básica de juros passando de 10%, brasileiros e brasileiras estão cada vez mais endividados. O perfil? Gastos com compras básicas – alimentos, roupas, saúde e transporte.
Em março de 2023 o país bateu o recorde de inadimplência na série histórica levantada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC): 66 milhões de brasileiros estavam no vermelho naquele mês.
O que leva as pessoas a se endividarem? Podemos citar vários fatores, dentre eles: os grandes problemas da economia brasileira, que vive em crise já há 10 anos; o desemprego, que, por exemplo, traz instabilidade ao trabalhador, problema que é, aliás, aprofundado com as altas taxas de juros e a renda baixa. Além disso tudo, o que é preocupante no Brasil é exatamente o perfil da dívida: pessoas estão se endividando para sobreviver, utilizando o cartão de crédito como renda complementar. De acordo com o Serasa, o mês de julho registrou 71,41 milhões de inadimplentes no país, com uma dívida média relativamente baixa, de R$ 1.325,86.
O governo tardou, mas a perspectiva é aprovar o Desenrola ainda esta semana. O programa foi instituído por uma Medida Provisória em julho e já começou a valer. Mas, para a sua manutenção é necessário que a MP seja transformada em Lei, passando pelo rito de apreciação do Congresso Federal.
A ideia do Desenrola é simples: tirar as pessoas da dívida, aumentando, assim, o consumo. O Ministério da Fazenda espera beneficiar mais de 70 milhões de pessoas. Ou seja, grande parte dos inadimplentes do país. O programa funcionaria fazendo mutirões de renegociação de dívidas para pessoas físicas.
A primeira parte do programa tem como público-alvo pessoas que possuem renda abaixo de R$ 20 mil. Além disso, já em julho, os bancos começaram a “limpar o nome” de correntistas de dívida com até R$ 100. A ideia do programa não é extinguir a dívida , mas não considerá-la para inserir os correntistas no cadastro negativo.
Neste mês, espera-se que o programa seja ampliado para aquelas pessoas que estão inscritas no CadÚnico ou que ganhem dois salários-mínimos e possuam uma dívida de até R$ 5.000. Existe também a condição de prazo; isto é, a dívida deve ter sido contraída entre 1º de janeiro de 2019 e 31 de dezembro de 2022.
Para quitar as dívidas, o devedor deve escolher um banco, que contará com as seguintes regras de pagamento:
- a taxa de juros será de 1,99%;
- a parcela mínima será de R$ 50;
- o pagamento poderá ser feito em até 60 vezes;
- a primeira parcela terá vencimento após 30 dias;
- o prazo de carência será de no mínimo 30 dias e de no máximo 59 dias.
Nesta segunda fase do programa, o Tesouro Nacional funcionará como uma garantia, visto que ele se compromete a pagar o valor renegociado com o cliente caso ele não pague. Desta forma, foi separada uma quantia de R$ 7,5 bilhões para viabilizar o programa, valor este que pode ser aumentado dependendo da demanda.
Dificuldades de acesso ao programa
Bom, ainda é difícil ter como certo o impacto do programa, devido a algumas variáveis externas, como a adesão de credores, mas também por conta da inflação e dos juros altos. Isso porque, embora pratique uma taxa de juros abaixo das outras linhas de crédito, a inflação e o juros básico da economia acabam por “achatar” a renda dos devedores, deixando pouco espaço para honrar as dívidas.
Outra limitação do programa está no meio em que ele é desenvolvido: digitalmente. Sabemos que há grandes dificuldades de acesso à internet, mas, mais importante, de conhecimento de aplicativos. Nesse sentido, a plataforma, sem o devido acompanhamento do usuário, pode se constituir em um impeditivo à efetividade e alcance do programa.
Resultados preliminares
Em julho, a FGV lançou o primeiro estudo de monitoramento da política pública e, por ora, houve um impacto positivo. Analisando apenas as negociações intermediadas pelo Serasa Limpa Nome, houve um aumento de mais de 60% nas negociações de dívidas e, de acordo com a empresa, houve uma queda na inadimplência de cerca de 500 mil pessoas.
Impacto no consumo
Além de limpar o nome de brasileiros e brasileiras, há um resultado indireto esperado, que pode auxiliar na economia brasileira: o aumento do consumo. Assim como foi feito para superar a crise de 2008, o governo Lula se apoia no consumo para ativar e aquecer a economia. No segundo trimestre de 2023, por exemplo, o consumo das famílias teve um aumento de 0,9% na comparação do trimestre e 3% na comparação anual.
Neste trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) também cresceu 0,9%. O que esses dados apontam é uma recuperação econômica do Brasil, com a retomada da economia doméstica. Nesse sentido, o Desenrola pode vir a complementar essa tendência, mas medidas para garantir a renda e estabilidade dos trabalhadores deverão ser tomadas. Ou seja, sem uma reforma mais profunda, deveremos ter um Desenrola a cada ano.