O ano de 2024 foi um ano extremamente intenso, violento, difícil e complexo. Em nenhuma hipótese podemos dizer que foi um ano monótono ou que se encerrará propriamente na data convencional do calendário cristão. Afinal, muitos dos acontecimentos que tiveram lugar nele continuarão a produzir suas consequências, enquanto outros podem ainda nem ter sido completamente compreendidos e requisitarão mais tempo para que possamos digeri-los. Se pararmos para pensar brevemente, podemos tentar, em um breve inventário, refletir sobre aquilo que impactou e ainda impactará no ano vindouro.
2024 foi marcado pelo retorno triunfal de Donald Trump à Casa Branca. Em meio a uma campanha errática e cheia de equívocos, o magnata republicano derrotou os candidatos democratas duas vezes. A primeira numa batalha em que venceu por W. O. no fatídico debate contra o presidente Joe Biden. Talvez um dos debates mais tristes e constrangedores que a história da democracia americana já presenciou, diante da exposição da fragilidade de um presidente sem o mesmo vigor e a intensidade de quatro anos atrás. A segunda contra Kamala Harris, que despontava nas pesquisas como favorita, mas que foi derretendo aos poucos por inúmeras razões que ocuparam a cabeça de todos os analistas políticos.
Dentre elas, é possível apontar que Kamala foi derrotada por conta dos números da economia, que apesar de serem bons, não foram sentidos no dia a dia do norte americano. Além disso, foi derrotada por conta de uma campanha feita às pressas que, mesmo com milhões de dólares não foi capaz de superar e estancar o avanço de Donald Trump e seu principal financiador, Elon Musk. Não há dúvidas de que os conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia pesaram contra a candidata democrata. Insatisfeitos com o volume de recursos e armas que o país destina principalmente para Israel, muitos eleitores que votariam em Kamala não o fizeram. É possível também apontar uma certa misoginia no eleitorado, que parece não aceitar uma mulher como presidente do país.
De qualquer maneira, Trump voltou ao poder de maneira inquestionável. Os números que saíram das urnas foram impressionantes e sua vitória acachapante. Contudo, o Trump que governará a partir do ano que vem promete ser diferente do que já governou o país. Ele tem radicalizado seu discurso e apontado que dessa vez fará tudo que não “deixaram” que ele fizesse. Ou seja, não admitirá contenções. Diante disso, tem montado um governo com nomes fiéis a ele, para que não encontre obstáculos e possa implementar a agenda que deseja.
Trump prometeu uma deportação em massa de imigrantes irregulares, o que certamente causará efeitos tanto na economia doméstica, quanto no humor do eleitorado que parece não estimar a dimensão do que isso possa vir a significar. Famílias tendem a ser separadas e inúmeros negócios perderão mão de obra. Além disso, tem dito que levantará taxas para as importações com o escopo de favorecer o produto nacional. Um governo muito protecionista se desenha, o que trará consequências nas relações comerciais do país e na sua própria economia.
Ainda no campo das relações internacionais, o magnata promete deixar de destinar recursos para a Ucrânia e para a OTAN. Em relação à organização militar, afirma que se for necessário, os EUA denunciarão o tratado e deixarão a entidade. Não é difícil de se imaginar que isso trará consequências para a Europa no seu enfrentamento direto com a Rússia, principalmente para a Ucrânia, que já tem demonstrado a possibilidade de aceitar ceder territórios. No entanto, em relação ao conflito no Oriente Médio o presidente eleito não dá nenhuma pista de que deixará de apoiar Israel.
Além disso tudo, o futuro governo Trump deverá manter o enfrentamento com a China no campo econômico. O embate entre as duas economias mais poderosas do planeta trará consequências para os demais países, inclusive o Brasil, que deverão atentar-se para um novo mapa de interesses que se constrói no mundo. Assim, Trump será um dos grandes fatores para o ano que virá.
Enquanto os EUA viveram sua disputa política, a Europa experimentou turbulência nas suas economias mais importantes. França e Alemanha vivem crises políticas graves com a derrocada de ambos os governos. Na França o presidente Macron sofreu derrotas que fizeram o primeiro-ministro cair e um novo, que sofre de muita desconfiança, ser escolhido; já na Alemanha, Olaf Scholz viu a frágil aliança que compunha seu governo ruir, tendo que também convocar novas eleições que serão realizadas em 2025. Em meio a isso tudo, o discurso anti-imigração tem aumentado no solo europeu e a extrema direita vem ganhando força.
A crise política europeia ainda se agrava com as discussões acerca do conflito na Ucrânia e o dispêndio de recursos para estancar o avanço de Putin. Como se não fosse o bastante, o acordo entre Mercosul e a União Europeia tem dividido o bloco, colocando italianos e franceses de um lado, e os alemães de outro. Assim, turbulências europeias parecem ter um encontro marcado com 2025.
No Oriente Médio o ano foi marcado pela tragédia e pela destruição. O belicismo israelense parece ter um projeto muito mais amplo do que meramente derrotar os grupos terroristas Hamas e Hezbollah. Gaza está completamente destruída e os relatórios da ONU apontam fortemente a existência de um genocídio em curso, além de crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos contra a população palestina. Israel tem acenado com uma expansão da sua política de colonato em áreas como as Colinas de Golã, assim como a construção de zonas militares em Gaza.
Dentro desse contexto, a queda de Bashar al-Assad na Síria surpreendeu a todos. O regime de terror imposto pelo ditador finalmente chegou ao fim. Contudo, restam inúmera dúvidas e questões sobre o significado do fenômeno. À Rússia, que sustentava o tirano com recursos e armas, pode ser apontado um enfraquecimento no tabuleiro da geopolítica. Quanto ao futuro do país, não se sabe ainda se ascenderá ao poder um governo moderado ou se serão extremistas como no Afeganistão. A reconstrução da Síria é uma enorme incerteza para 2025. De qualquer forma, se o ano de 2024 foi duríssimo para região, seu sucessor herdará o processo de reformulação da dinâmica do Oriente Médio.
No Sudão e no Iêmen os conflitos continuam a dizimar inocentes. Ambos se encontram entre os esquecidos do mundo. O que lá acontece parece não sensibilizar muito o resto do planeta. Porém, a violência recrudesce e não parece que poupará o ano vindouro.
Já no contexto mais próximo de nós, o Brasil viverá em 2025 um ano sem eleições, mas que será decisivo para o ano eleitoral de 2026. Se 2024 foi marcado pelas investigações que levaram à prisão o primeiro militar quatro estrelas da nossa história, o ano que virá assistirá ao desenrolar dos julgamentos, envolvendo principalmente o ex-presidente Jair Bolsonaro. Nesse sentido, principalmente para o espectro político da direita, haverá movimentações em consequência dessas decisões.
Assim, enquanto Jair Bolsonaro será julgado, o presidente Lula terá que recuperar sua popularidade para que continue competitivo nas eleições presidenciais de 2026. Apesar das pesquisas mais recentes lhe serem favoráveis, a situação não é confortável para o governo, que terá que lidar com os novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, além da dura jornada em busca da responsabilidade fiscal e do corte de gastos.
Na Argentina 2024 foi marcado pelo primeiro ano de governo do ultraliberal Javier Milei. Embora tenha obtido resultados relevantes na economia, principalmente por ter conseguido reduzir a inflação a dígitos que há tempos a Argentina não experimentava, o desmantelamento do estado social segue seu curso. A dúvida que fica para o ano vindouro é se o argentino suportará as medidas drásticas tomadas que têm aumentado a pobreza severamente no curto prazo. Além disso, as relações diplomáticas com o Brasil têm enfrentado dificuldades por conta da postura de Milei, o que pode trazer dificuldades para as relações comerciais entre os vizinhos.
Finalmente, 2024 foi marcado também por inúmeros desastres climáticos e por ter sido o ano mais quente da história da humanidade. O aquecimento global segue em marcha acelerada e os esforços para as reduções de gases e para a mudança da matriz energética numa escala global têm sido ineficazes e muito tímidos. Nesse sentido, o encontro com o fim da nossa jornada parece estar cada vez mais próximo. Muito provavelmente 2025 viverá novas tragédias, teremos mais pessoas mortas em desastres climáticos que poderiam ser evitados. De qualquer maneira, vamos torcer para que 2025 nos traga alguma esperança e um pouco menos de violência.