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Debate na USP – Argentina 1985 com Luis Moreno Ocampo

Debate na USP – Argentina 1985 com Luis Moreno Ocampo

No dia 16 de maio, a Universidade de São Paulo (USP) realizou a exibição e o debate do filme indicado ao Oscar neste ano Argentina 1985. Já discutimos aqui os pontos fortes e as polêmicas que envolveram o filme. Mas, este foi um evento especial, pois a Fundação Podemos esteve lá e participou do debate.

Realizado no Cinusp Paulo Emílio (Cinema Universitário da USP), o debate contou com a participação do professor de história da casa Marcos Napolitano (FFLCH-USP), do diretor do Instituto de Relações Internacionais (IRI-USP), Pedro Dallari, e do advogado Luis Moreno Ocampo.

De nacionalidade argentina, Ocampo foi um dos procuradores atuantes no caso que resultou na prisão dos líderes da junta militar que governou a Argentina durante o período ditatorial militar. O processamento se deu após a transição democrática do país. Desta maneira, com o fim da ditadura, em 1983, o país foi pioneiro em montar a sua primeira Comissão da Verdade para apurar os crimes cometidos durante a ditadura e as responsabilidades em relação a eles. É interessante apontar que, depois de negociações políticas, o país também foi o primeiro a levar os perpetradores de crimes e abusos contra os direitos humanos ao banco dos réus.

Neste texto, discutiremos alguns aspectos da história argentina, a importância do caso na luta por direitos humanos na América Latina e o que foi discutido nesse tão esperado debate.

O PROCESSO DA BUSCA POR JUSTIÇA

Com o fim da ditadura, o primeiro presidente eleito democraticamente da Argentina foi Raúl Alfonsín, já em 1983. Alfonsín apresentou um discurso eleitoral pautado justamente na necessidade de promover accountability em relação ao que havia ocorrido na ditadura. Havia a concepção de que, para construir uma sociedade democrática e saudável, eram necessárias não só a reconstituição da memória, mas também o esclarecimento da verdade, para que pudesse, então, haver realmente justiça no país.

Estima-se que na Argentina mais de 30.000 pessoas desapareceram ou foram mortas pela ditadura. O país ficou conhecido na época como o realizador de uma prática que a Anistia Internacional classificou como “detidos-desaparecidos”. Ou seja, após serem detidos, as pessoas desapareciam. Durante a prisão, torturas eram cometidas e buscava-se desumanizar completamente a pessoa, seja mantendo-a em ambientes insalubres, como também obrigando-as a utilizar um capuz preto, que cobria totalmente a face. Além disso, as pessoas passavam a ser designadas por números. Tratava-se de um projeto e um método de extrema violência. O que aconteceu com essas pessoas? Desapareceram. Acredita-se, e há evidências para muitos casos, que elas foram assassinadas, mas até hoje não foram encontrados todos os corpos.

Uma tática utilizada para desaparecer com os cadáveres era jogar as pessoas ainda vivas para fora de aviões no Rio da Prata, que faz a fronteira natural entre Uruguai e Argentina. Essa prática ficou conhecida como “voos da morte”. Além disso, outras formas de matar eram praticadas: por meio do uso de venenos, execuções sumárias, mortes decorrentes de tortura. De qualquer maneira, o final era sempre o mesmo: cadáveres ocultados e jogados em valas comuns.

Assim, o caso argentino é conhecido pela tática de eliminação física dos detidos, plano que foi denominado como “solução final”. Isto é, acredita-se que teve uma tomada de decisão estratégica de matar e desaparecer com os detidos, semelhantemente ao que foi discutido, guardadas as devidas proporções, na Conferência de Wannsee de 1942.

Mesmo com essa brutalidade, a ditadura da Argentina chegou ao fim, principalmente em razão da baixa popularidade dos militares, que não conseguiram controlar a inflação, nem ganhar a Guerra das Malvinas contra a Inglaterra. Autores defendem que foi exatamente essa implosão do sistema que permitiu a realização desse processo na Argentina, algo que foi muito diferente em relação ao caso brasileiro e a sua transição negociada.

Pedro Dallari (IRI-USP)

Este, inclusive, foi o tema da fala de Pedro Dallari, que participou do processo da Comissão da Verdade no Brasil. Para ele, o que diferencia os dois países é a abertura ao tema de líderes políticos e públicos. No caso do Brasil, estes não tinham interesse em rever a Lei da Anistia. Dallari lembrou que até 2010 o Ministério Público reconhecia a Lei de Anistia do Brasil, ano do caso da Guerrilha do Araguaia. É preciso fazer um adendo a esta fala: foi exatamente neste ano que a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil no caso e determinou que não mais se aplicasse a Lei de Anistia para impedir que casos graves de violação a direitos humanos fossem investigados.

O relator da Comissão da Verdade parafraseou um diálogo que teve com o ex-presidente da República e ex-senador, José Sarney, acerca dos rumos do relatório produzido entre 2011 e 2014. Na época, José Sarney era senador e recomendou que a CNV fizesse seu trabalho, tendo supostamente dito: “vocês tragam para o Senado e depois vamos verificar o que fazer”.

Com o final da Comissão da Verdade, lembrou o diretor, a imprensa foi questionar os militares acerca do que seria feito. Na visão de Dallari, a resposta do Comandante da Marinha reconheceu a importância do trabalho da Comissão, mas também não foi tomado nenhum encaminhamento para que a justiça fosse feita em termos de responsabilização.

Marcos Napolitano (História, USP)

Marcos Napolitano fez alguns comentários sobre o filme Argentina 1985, que resenhamos aqui no Blog. A visão do professor é muito parecida com a crítica que levantamos, à medida que identifica uma heroicização dos procuradores Strassera e Ocampo.

O professor comentou que o cinema é um vetor da memória, funcionando como uma escritura fílmica da história. O roteirista, nesse sentindo, deve fazer escolhas e abordagens do que será retratado no filme. No caso deste thriller de tribunal, Strassera ganha destaque. O professor lembrou alguns anacronismos, como a importância que o filme dá no impacto da mídia. Napolitano relembrou que foi apenas uma década mais tarde que o julgamento da junta militar teve um impacto televisivo. Durante o processo jurídico, era a imprensa escrita que fazia os relatos, sendo transmitidos apenas 3 minutos do julgamento por dia, sem som.

Nesse sentido, questiona-se: onde estavam os movimentos sociais? Napolitano entende que esta foi uma escolha do roteirista. Uma tática, na visão do professor, foi mesclar cenas reais do tribunal com as fictícias, utilizando um recurso que confunde quem assiste à obra, pois não sabe o que é real e o que é ficcional. Nesse sentido, a arte e a realidade se misturam.

Luis Moreno Ocampo (Argentina)

A última fala foi de Ocampo, que decidiu comentar alguns aspectos do filme. Afirmou que até ele questionou por que o enfoque tão grande do filme se deu nas figuras dos procuradores. Contou um pouco da sua experiência e do processo histórico. Nesse sentido, ressaltou a importância de Alfosín e o fato de que a Lei de Anistia na Argentina foi aprovada dois meses antes da eleição no país.

Alfosín foi combativo e se posicionou contra a Anistia. Ocampo relembrou a importância de um candidato com este discurso angariar mais de 50% dos votos. À época dos julgamentos, foi decidido pela Suprema Corte que estes correriam na Justiça Militar. Entretanto, caso fosse percebido o atraso ou a ausência de iniciativa, o processo poderia correr na Justiça Comum.

Foi o que ocorreu no processo da junta militar: a Justiça Militar não atuou e, então, a Suprema Corte do país deslocou o julgamento para a justiça comum. É aí que entra o então professor de direito Luis Moreno Ocampo, atuando como promotor. Ocampo falou um pouco da sua família; filho de uma senhora que lia um jornal “fascista”, e integrante de uma família composta de liberais, por parte de pai, e de alguns militares, por parte de mãe, de acordo com suas palavras. O advogado também comentou sobre como houve uma demanda dos juízes da Suprema Corte para que o julgamento fosse feito de maneira justa.

Comentando a importância do cinema para o conhecimento e a memória coletiva, Ocampo lembrou a questão do Holocausto. Ele afirmou que o Holocausto, assim com “H” maiúsculo, faz referência ao processo de eliminação de judeus promovido pelo nazismo, enquanto holocausto, com “H” minúsculo, faz referência à um processo de sacrifício. Mas o uso da palavra Holocausto, fazendo referência ao extermínio de judeus, só passou a ser utilizado popularmente após o filme o “Julgamento de Nuremberg” (1961), lançado no mesmo ano que ocorria o julgamento de Eichmann em Jerusalém, com uma forte cobertura televisa.

Pergunta da Fundação Podemos

Durante a sessão de perguntas, os pesquisadores da Fundação Podemos puderam fazer a seguinte indagação:

“A candidata à vice-presidência da chapa de [Javier] Milei [,Victoria Villarruel,] minimiza os crimes cometidos na ditadura. Qual o impacto desse discurso para a democracia argentina?”

Eis a resposta de Ocampo:

“Essa vice-presidenta de Milei possui um pensamento muito retrógrado e muito minoritário. Assim pensava a elite argentina nos anos 1970, mas os jovens de hoje pensam diferente. […] O que pensam hoje as elites é fundamental.

Essas pessoas que pensam dessa forma [como Villaruel] é muito minoritário (sic). [Minha percepção] é que nenhum partido argentino possui claridade em como enfrentar o crime organizado. […] Aqui estão matando pessoas nas ruas, e onde está a inteligência? […] Isso que falta e isso não estamos fazendo. Isso me pergunta mais que o pensamento dessa mulher: que nenhum partido [tem] um plano para segurança [pública] num país que precisa de segurança.”

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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