No dia 20 de julho deste ano, foi lançado o anuário brasileiro de segurança pública de 2023. O documento sistematiza os dados que são fornecidos e recolhidos das principais instâncias de segurança pública no Brasil e tem como objetivo trazer transparência a este tema tão relevante para nossa sociedade.
O Anuário é produzido pela Organização Não-Governamental Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Além de nos trazer dados sobre a questão para a nossa análise, o documento visa também influenciar e pautar as políticas públicas, desde sua criação até a sua execução e avaliação.
Neste Acervo Temático, apresentaremos as principais questões presentes no documento deste ano!
Queda nas mortes violentas intencionais
O primeiro dado que nos chama a atenção são as quedas nas mortes violentas intencionais . A região do Brasil que puxa a queda é a do Nordeste, tendo um leve avanço na região Centro-Oeste.
Das mortes violentas, é interessante ter em mente a arma utilizada para cometer o ato, sendo majoritariamente a arma de fogo. Nesse sentido, o Anuário abre espaço para rediscutirmos o acesso às armas. As vítimas são, em sua maioria, homens (91,4%), negros (76,9%) e jovens (50,22%).
Já as mortes violentas como consequência da violência policial foram puxadas para cima pelo Amapá, Bahia e Rio de Janeiro. Foram, ao total, 6.430 mortos por intervenção policial, uma taxa de 17 pessoas por dia.
Outro dado que chama a atenção são as mortes violentas na região da Amazônia Legal (AL). Isso porque as cidades que compõem a AL possuem uma taxa deste tipo de morte 45% acima da média nacional. Lembramos o caso do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira, que teve, inclusive, repercussão nacional e internacional em 2022.
A queda nas mortes violentas já era indicada ainda em 2022, noticiada sobretudo em jornais nacionais.
Recorde de estupro
O relato de estupro – contando apenas com os dados oficiais; isto é, sem contar a somatória que é subnotificada – teve um crescimento de mais de 8% em relação a 2021. Esse aumento é constante, porém pode não estar relacionado necessariamente a um aumento real dos casos, mas também a uma queda na subnotificação.
Nos casos relatados, podemos desenhar um perfil tanto das vítimas quanto dos crimes:
- Eles ocorrem majoritariamente no ambiente residencial (68,3% dos casos);
- A maior taxa do crime é de estupro de vulnerável (56.820 de 74.930 vítimas);
- As vítimas são em sua maioria mulheres (88,7% dos casos);
- As principais vítimas são as crianças (61,4%).
O que nos chama a atenção é a quantidade de crianças vítimas de estupro. O Anuário nos traz que o perpetrador do crime é geralmente um conhecido (86,1% dos casos para vítimas de 0 a 13 anos; 77,2% dos casos para vítimas de 14 ou mais).
Nesse sentido, é urgente abrirmos o debate para a criação de políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes, sugerindo canais de denúncias voltados a este público. Precisamos destravar, também, a discussão sobre educação sexual nas escolas voltadas para prevenir crimes de abuso sexual, bem como incentivar a denúncia.
É importante ter em mente que os crimes de estupro e de estupro de vulnerável são muito subnotificados. Existem legislações importantes, como, por exemplo, a Lei nº 13.431 de 2017. Esta lei trata da especificidade de crianças e adolescentes vítimas de violência – tanto física quanto psicológica – e demanda que órgãos públicos desenvolvam estratégias especializadas para acolher este público. Entretanto, especialistas apontam para a falta de implementação da política nos Estados. Isto é, precisamos reforçar as demandas para que a Legislação seja posta em prática.
Mudança no padrão de crimes financeiros
O Anuário nos permite fazer uma análise em relação aos roubos e aos golpes. Na primeira situação, houve uma queda generalizada de roubos a estabelecimentos, incluindo a instituições financeiras. Entretanto, houve um aumento expressivo no caso de golpes. No caso de estelionato, nos chama a atenção o crescimento (326,3% em relação a 2018), triplicando o índice deste tipo de crime.
Segurança de criança, adolescente e mulheres
Os crimes contra crianças e adolescentes teve um crescimento importante. O mau trato segue liderando as estatísticas, com 22.527 vítimas. Mas, o maior crescimento foi de exploração sexual infantil (16,4%), seguido por abandono de incapaz (14%) e maus tratos (13,8%).
Outro índice que cresceu muito foi o de violência doméstica. Chama a atenção o aumento nas ligações para o 190 (8,7%), totalizando 102 acionamentos da polícia por hora. Nos parece que a Justiça Brasileira está sendo mais acionada nos casos de violência contra a mulher, devido ao aumento das concessões de medidas protetivas urgentes (aumento de 13,7%). Os registros de violência sexual também aumentaram consideravelmente (49,7%), tendo os relatos de importunação sexual um aumento de mais de 30%. Lembramos que a Lei que define importunação sexual enquanto crime é relativamente nova, pois foi implementada em 2018. Isso pode significar que a Lei está sendo acionada pelas vítimas ou pelas testemunhas dos crimes e o aumento das notificações sugere um crescimento no conhecimento da Lei.
A violência contra a mulher também teve crescimento nos casos relatados. A taxa de feminicídio cresceu mais de 6%, embora os relatos de tentativa de feminicídio tenham crescido ainda mais (16,9%). Temos também o perfil das vítimas: em sua maioria mulheres negras (61,1%) e jovens entre 18 e 44 anos (71,9%). O feminicídio normalmente é perpetrado por parceiros íntimos ou ex-parceiros íntimos (53,6% e 19,4%, respectivamente).
Desaparecidos e sistema prisional
Os registros de desaparecidos cresceram mais de 10% em relação ao ano de 2021. Foram relatados 74.061 desaparecimentos. É um número alarmante, que deve ser olhado com cuidado.
Outro número preocupante é o de posse de arma de fogo. Há 783.385 pessoas registradas como Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC), 7 vezes o número de 2018. Isto é, houve um crescimento exponencial durante o governo Bolsonaro na concessão de licença de CAC.
O Anuário nos chama a atenção também para a questão do sistema prisional: há um déficit de 230.578 vagas, sendo um total de 832.295 pessoas encarceradas. O perfil do encarcerado é de maioria negra (68,2%), jovem de 18 a 34 anos (62,6%) e do sexo masculino (95%). A violência nas prisões que resultam em mortes também cresceu, totalizando 390 assassinatos. Lembramos que o ano passado foi marcado por rebeliões, sobretudo no Nordeste e Norte do país. Além disso, o ano marcou os 30 anos do Massacre do Carandiru, a maior chacina prisional da história do Brasil.
Conclusão
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública é um importante documento e deve ser discutido nas principais instâncias do governo e da sociedade civil. A região da América Latina continua sendo extremamente violenta. A ONG mexicana Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal realizou um ranking das cidades mais violentas do mundo. O índice leva em consideração apenas homicídios e a região lidera os casos. O Brasil é representado por 10 cidades no ranking de top 50.
A discussão de segurança pública no Brasil é urgente. Precisamos demandar novos tipos de proteção a vítimas, investir em inteligência para combater o crime e incentivar as denúncias. A subnotificação continua sendo um grande problema para a compreensão total do problema. Devemos cobrar as instâncias municipais e estaduais para o cumprimento e a efetivação das leis já existentes.
Nos parece que o Anuário mostra que devemos concentrar esforços, sobretudo, nos crimes cometidos contra crianças e adolescentes. Este público, além de sofrer diversas violências típicas à idade, como o abandono, também configura o maior público vítima de estupro e da violência oriunda da exploração sexual. Precisamos urgentemente discutir políticas públicas para coibir a prática, acolher as vítimas e criar maneiras adequadas de ensinar as crianças que elas devem recorrer ao poder público quando vítimas de violência.