Ao melhor estilo do diretor M. Night Shyamalan, Armadilha (2024) é um thriller cheio de reviravoltas, tensão e flertes com o nosso imaginário acerca dos mistérios que envolvem a mente. O mítico diretor, criador do clássico O Sexto Sentido (1999) e do ótimo Sinais (2002), que mescla elementos do terror com o suspense psicológico, volta com um enredo interessante, que dialoga com o mundo atual e toda a sua tecnologia, assim como também com uma perspectiva fortemente dentro do contexto do mundo dos mais jovens.
O filme começa com um simpático pai, Cooper Abbott, interpretado por Josh Hartnett (Sin City e Penny Dreadful), que, para agradar a sua filha Riley (Ariel Donoghue) decide acompanhá-la no show de sua cantora preferida, a popstar teen Lady Raven, vivida por Saleka Shyamalan (sim leitor, ela é filha de M. Night Shyamalan). Tudo corre na mais perfeita normalidade. Cooper procura ter um bom momento com a filha e nada parece estar fora de um dia comum na vida de um pai dedicado e carinhoso. Contudo, o que Cooper não imaginava era que o show de Lady Raven nada mais era do que uma enorme farsa. Como assim? Exatamente isso. Uma enorme encenação para colocar dentro de uma casa de shows, como se fosse uma verdadeira gaiola, o brutal serial killer conhecido como o Açougueiro. A polícia local tinha preparado o show para encurralar o assassino em série, que escolhia suas vítimas, as torturava e cortava em pedaços.
Logo de cara o telespectador vai entender que o Açougueiro é Cooper. O diretor não escolheu esconder ou demorar a nos revelar a identidade de seu criminoso-protagonista. Já no início da história descobrimos que Cooper esconde algo muito sombrio. Aliás, esse é um dos pontos fortes do filme: vamos aos poucos entendendo e acompanhando o desenvolvimento do perfil de Cooper. Ou seja, a ideia de como um homem aparentemente comum esconde, na realidade, um verdadeiro monstro dentro de sua mente.
Cooper começa a notar que há uma quantidade fora do comum de policiamento no show. Observa que há policiais em praticamente todas as saídas da arena e que parecem estar procurando algo ou alguém. No intervalo da primeira parte da apresentação de Lady Raven, Riley diz a Cooper que gostaria de comprar uma camiseta de sua cantora preferida. Vão, então, até um ponto de vendas de produtos da popstar. Só havia uma camiseta disponível do modelo e tamanho que ela queria. Uma menina que ali também estava acaba por disputar a camiseta com Riley. Cooper, gentilmente, cede a camiseta para a menina e diz para a filha que seria melhor deixá-la para ela. Admirado com o comportamento de Cooper, o vendedor promete conseguir uma camiseta para Riley. Nesse momento Cooper aproveita a simpatia que despertou no vendedor e pergunta se há algo estranho no show e por qual motivo tantos policiais estão no evento. É nesse momento que o vendedor revela que todos ali, tirando o público, sabem que estão encenando para tentar capturar o Açougueiro.
Cooper, então, passa todo o show tentando descobrir uma forma de escapar. Curiosamente, nos momentos em que ele parece que vai perder o controle, ele vê sua mãe, que aparentemente já não vive mais. A presença fantasmagórica de sua mãe parece persegui-lo sempre que pretende assumir de uma vez por todas a personalidade monstruosa. A polícia, inclusive, conta com a ajuda da Dra. Joshepine Grant, interpretada pela veterana atriz Hayley Mills, que traça o perfil psicológico do Açougueiro, orientando todos os policiais sobre os passos que ele dará e os movimentos que provavelmente buscará fazer. Isso, inclusive, incomoda profundamente Cooper.
É interessante acompanhar a evolução da dualidade de Cooper. De certa forma, M. Night Shyamalan evocou em sua história elementos tanto do clássico do horror O médico e o monstro, do escritor Robert Louis Stevenson, quanto de O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, ao abordar a dupla personalidade do assassino, que ao mesmo tempo que possui uma vida de um homem comum, pacato, casado, bombeiro e pai de dois filhos, tem dentro de si um monstro, que procura satisfazer seus desejos e impulsos, sendo no limite controlado pela figura autoritária de sua mãe, de quem aparentemente sofreu uma relação abusiva.
A essa altura do campeonato, você deve estar se perguntando: mas, enfim, Cooper consegue sair da Arena ao final do show? Sim, ele consegue e isso não é nenhum spoiler. Aqui podemos compreender que o diretor optou por construir sua história em dois atos. O primeiro sendo a descoberta do personagem e a sua tentativa de fuga do fake show; o segundo a fuga de Cooper fora da arena e a razão pela qual a polícia sabia que ele iria ao concerto.
Uma das antagonistas da história é Lady Raven, que além de se envolver na captura de Cooper, o enfrenta e usa de sua fama nas redes sociais para ajudar a salvar uma das vítimas do assassino, que está prestes a ser executada remotamente, por meio de um dispositivo no celular dele. Daí em diante a história se desenrola com inúmeras reviravoltas e um final curioso.
Por fim, Armadilha pode não estar entre os melhores filmes de M. Night Shyamalan, mas vale a pena, não somente pela tensão que causa do início ao fim, como também pela competente criação do personagem de Cooper, que lembra bastante a besta de Fragmentado (2016), mas dela se dissocia por ele ser aparentemente normal, equilibrado, ajustado e um bom homem. Aliás, vale sempre pontuar que todo mundo que assiste um filme de M. Night Shyamalan espera que ele dê um novo Sexto Sentido. Talvez seja esse o seu maior desafio, ter logo feito um filme grandioso, muito acima da média, que o fez conhecido e querido na mesma linha de Tarantino e Tim Burton. De qualquer maneira se Armadilha não é um filme como o Sexto Sentido, ele entrega o que promete: um bom suspense e um filme que diverte do início ao fim.