Recentemente a França aprovou um pacote de leis que torna mais restritiva a imigração naquele país. Esta tendência tem sido observada em grande parte dos países europeus e tem reascendido o debate sobre xenofobia. Você sabe o que é xenofobia e quais podem ser suas consequências? É sobre isso que vamos tratar nesse texto.
Xenofobia:
Xenofobia é o termo utilizado para descrever o medo, aversão ou hostilidade em relação a pessoas estrangeiras (ou consideras estrangeiras), ou, ainda, em relação a culturas, tradições e costumes diferentes. É uma forma de preconceito que se manifesta quando indivíduos discriminam ou mostram hostilidade em relação a outros com base na sua origem nacional, étnica ou cultural.
A xenofobia pode se manifestar de diversas maneiras, como discriminação no emprego, violência, discurso de ódio, estigmatização e exclusão social. Ela pode ocorrer em níveis individuais ou sistêmicos, afetando tanto relações interpessoais quanto políticas públicas. Sua existência está diretamente relacionada ao fenômeno da imigração e comumente se manifesta por meio de nacionalismos ou daquilo a que chamamos de nativismo, que é a defesa dos valores, ideologias, costumes, religião ou características étnicas que seriam próprias de uma comunidade local e que estariam ameaçadas pela presença de pessoas de uma outra comunidade ou país.
E é aqui que surge um problema de extrema gravidade. A migração sempre foi uma característica constante na história da humanidade. Povos sempre precisaram ou decidiram se mover ao longo do globo terrestre por motivos diversos, como a procura por solos mais férteis para agricultura, para escapar de desastres naturais ou de guerras ou simplesmente para procurar espaços melhores para se estabelecer em busca de melhores condições de vida. Assim, séculos de História nos mostram que a defesa intransigente da manutenção, de forma “pura”, do que seriam os traços de um determinado povo ou comunidade, como algo que deve permanecer intocado e livre de interferências de outros povos, é algo extremamente perigoso.
Não nos referimos apenas às discriminações e opressões cotidianas contra aquele que é considerado diferente ou estrangeiro, o que já não é pouca coisa. O problema se agrava quando os sentimentos de aversão ao estrangeiro são captados e realimentados por discursos políticos e se transformam em bandeira político-eleitoral e em políticas públicas. Os nacionalismos europeus são os principais exemplos desse fenômeno na história moderna e o Holocausto é o exemplo mais trágico e abominável de que se tem notícia das consequências que esse tipo de postura pode produzir.
Leis de imigração:
No moderno sistema de Estados nacionais cada membro possui soberania para gerir seus assuntos internos e produzir sua legislação, inclusive sobre tolerância à imigração. Essa soberania, no entanto, costuma entrar em conflito com preceitos do direito internacional e com a própria linguagem dos direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, estabelece em seu Artigo 13(1) que “toda pessoa tem o direito de livremente circular e escolher sua residência dentro de um Estado”.
Além disso, a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1990, destaca o direito dos trabalhadores migrantes e de suas famílias a não serem submetidos a tratamento degradante, assim como o direito de deixar qualquer país, incluindo o seu próprio, e o direito de entrar no país de destino.
O que ocorre na realidade ao redor do mundo é que a garantia desses direitos esbarra constantemente em um conjunto de entraves legais, políticos e burocráticos. Esse fenômeno é especialmente evidente, atualmente, na União Europeia, por um conjunto de razões. Como sabemos, a Europa é o berço dessa configuração política moderna que chamamos de Estado-nação. A ideia de existe um povo, cujo talvez o maior traço definidor seja o idioma comum, e que esse povo coabita um determinado território circunscrito por uma linha imaginária definida politicamente e dentro da qual existe uma jurisdição política soberana é uma ideia europeia. A ideia de nação.
Embora seja verdade que, no fim das contas, a ideia de nação seja uma construção a partir daquilo que Benedit Anderson chamou de “comunidades imaginadas”, é também verdade que há de fato traços comuns e compartilhados por determinados agrupamentos humanos e que tais traços devem ser respeitados. O problema atual da União Europeia, no entanto, é mais concreto do que isso e possui caráter histórico. Como sabemos, os países europeus, embora tenham produzido constantes guerras entre si próprios, construíram sua força política e econômica a partir de práticas de colonização forçada sobre outros povos e territórios, aos quais dominaram politicamente e exploraram economicamente. Todo esse processo do colonialismo gerou, entre outras coisas, grandes desigualdades de riqueza entre os países. Com o processo de descolonização, os territórios coloniais conquistaram autonomia política, mas jamais lograram alcançar os países europeus em níveis de renda, riqueza e qualidade de vida.
Parece que a História prega suas peças. Hoje o projeto da União Europeia, ideologicamente assentado na ideia de um território comum (europeu) e na prevalência da democracia e dos direitos humanos, precisa enfrentar o problema da imigração. Os grandes fluxos de imigrantes que buscam na Europa melhores condições de vida, muitos dos quais provenientes dos empobrecidos países que foram suas ex-colônias, somados aos crescentes de imigrantes decorrentes de crises humanitárias e guerras em alguns países africanos e do Oriente Médio, tem colocado à prova todo o fundamento humanista e de defesa dos direitos humanos que fundamenta a União Europeia.
Para ficarmos com um exemplo: Um aumento significativo do fluxo imigratório para a Europa ocorreu em 2015. Durante esse período, houve um grande número de refugiados, principalmente da Síria, que buscavam asilo na Europa devido a conflitos e instabilidades em seus países de origem.
Angela Merkel, Chanceler da Alemanha, desempenhou um papel importante durante essa crise. Em agosto de 2015, a Alemanha tomou a decisão de suspender temporariamente as regras de Dublin, que exigem que os requerentes de asilo solicitem proteção no primeiro país europeu em que entram. Essa decisão foi interpretada como um gesto de boas-vindas aos refugiados, resultando em um aumento significativo no número de pessoas que buscaram refúgio na Alemanha.
No entanto, recentemente tal visão tem sido enfraquecida. O baixo crescimento dos países europeus, a baixa perspectiva de melhora das condições de vida de parte da população e a percepção de que os seus sistema de seguridade social estão ameaçados tem alimentado sentimentos xenófobos e tem sido explorados politicamente pela extrema-direita, o que o prova o crescente desempenho de um partido abertamente nacionalista e racista na França, o Rassemblement Nacional (RN), que teve sua candidata à presidência, Marine Le Pen, alcançando cerca de 40% dos votos no segundo turno das eleições em 2022.
Mesmo sem a extrema-direita ter alcançado a vitória eleitoral, recentemente a França aprovou um pacote de medidas que restringem o acesso de imigrantes a um conjunto de política públicas, como acesso ao direito de residência e ajuda médica estatal. Tais mudanças parecem indicar que o espírito de “boas vindas” está se enfraquecendo entre os europeus. Líderes políticos dispostos a explorar isso têm surgido e se mostrado viável eleitoralmente.
Não sabemos como os países europeus vão lidar com a questão. Mas esperamos que eles tenham aprendido algo com os erros do passado.