Diversas instituições internacionais e organizações não-governamentais de caráter internacional alertam sobre a saúde da democracia na América Latina. Protestos violentos, ascensão de grupo extremistas, tentativas de golpe, cerceamento dos direitos e violência política. Esses são alguns dos maus que acometem o ambiente latino-americano.
No Equador, o país parece sintetizar, nessas eleições, essas questões que abalam as democracias latino-americanas. Dias antes do primeiro turno no país, o candidato à Presidência Fernando Villavicencio foi assassinado com três tiros na cabeça. A questão não apenas acende um alerta sobre a segurança do pleito, como também sobre a insegurança geral e o domínio de gangues.
Neste Acervo Temático, falaremos um pouco sobre o cenário da democracia na América Latina, as eleições no Equador e o que esperar do segundo turno.
TERCEIRA REGIÃO MAIS DEMOCRÁTICA?
De acordo com a Economist Intelligence Unit, a região é a terceira mais democrática do mundo, atrás da Europa Ocidental e da América do Norte. Isso não significa, entretanto, que a região possui boas métricas quando falamos de democracia: sua nota é de 5,9 numa escala de 10.
A questão é que o século XXI tem sido difícil para as democracias na região, que, inclusive, são relativamente jovens. Apesar do grande avanço histórico em relação aos direitos políticos, civis, econômicos, sociais e culturais em nosso hemisfério, de fato, a América Latina nunca conseguiu avançar de forma uníssona para se tornar uma região de democracias plenas.
Apenas Uruguai, Costa Rica e Chile são consideradas democracias plenas. Os outros países se mesclam entre “democracias falhas”, “regimes híbridos” e “países autocráticos”, como a Venezuela. De fato, o ano de 2023 está se apresentando como um grande desafio para a sustentabilidade da democracia na região, isso porque riscos à sua existência surgiram recentemente.
No Brasil, por exemplo, em 8 de janeiro, extremistas invadiram a Praça dos Três Poderes, em Brasília, após inúmeros acampamentos em todo país que, diante de quartéis do Exército, pediam uma intervenção militar. Na Nicarágua, Daniel Ortega, como discutimos em um Acervo Temático, vem empreendendo táticas antidemocráticas para se manter no poder. Já na Venezuela, este ano pode ser chave para a retomada da democracia no país, visto que há um esforço internacional de negociação com Nicolás Maduro para realização de eleições livres e justas. Não podemos deixar de lado também a crise política que vive o Peru, após a tentativa falha de golpe empreendida pelo antigo presidente Pedro Castillo (2021-2022).
No caso do Equador, a questão do aumento da violência e do tráfico de drogas impõe um desafio para a democracia do país; assim como o conflito de candidatos com cartéis de drogas pode ser uma das causas do aumento da violência política.
ASSASSINATO DE VILLAVICENCIO E O PRIMEIRO TURNO NO EQUADOR
O processo eleitoral deste ano no Equador foi anunciado após o presidente do país, Guilherme Lasso, anunciar a “morte cruzada” (muerte cruzada, em espanhol). Esse mecanismo consiste na dissolução do Poder Legislativo, renovando também o Poder Executivo. Lasso decidiu não concorrer à reeleição.
A morte cruzada, prevista no art. 148 da Constituição equatoriana, foi invocada no meio do Caso Encuentro, que recomendou o impeachment do presidente por suposta corrupção em pelo menos três empresas públicas. Na justificativa de declarar o dispositivo constitucional, Lasso indicou que era a alternativa pois “todos os esforços do legislativo estão voltados para desestabilizar o governo com um julgamento político infundado”. E assim se iniciou o pleito eleitoral.
Em agosto, Villavicencio foi morto com três tiros na cabeça após um evento político de sua candidatura, na capital do Equador, Quito. A posição do candidato na corrida eleitoral não era consolidada. Em pesquisa recente, ele aparecia com 13,2% das intenções de voto, atrás apenas de Luisa Gonzáles, aliada do ex-presidente Rafael Correa. A agência ClickReport, por outro lado, mostrava Villavicencio em quinto lugar, com apenas 7,5% das intenções de voto.
Mas, o fato mais importante no momento é que a morte pode representar a face visível do crescimento e do perigo do narcotráfico na região. Desde a morte de Villavicencio, foram reportados outros três ataques a candidatos à Presidência ou à Assembleia. Todos, felizmente, não resultaram em mortes. Inclusive, líderes passaram a utilizar colete à prova de balas em seus comícios e campanhas de rua.
A questão da segurança na América Latina vem chamando a atenção por conta do fortalecimento do narcotráfico. Em razão do assassinato de Villavicencio, Lasso convocou o Federal Bureau of Investigation (FBI) dos Estados Unidos para auxiliar nas investigações. Além disso, o atual presidente decretou estado de emergência para garantir a segurança das eleições.
Jan Topic, um dos candidatos ao primeiro turno, afirmou, em entrevista à CNN, que a grande violência do Equador resulta do fato do país ser uma rota de cocaína da América do Sul para os Estados Unidos e Europa.
Reconhecido como um país relativamente seguro no passado, diversos grupos criminosos passaram a atuar no Equador, sobretudo em razão das lacunas nas fronteiras do país. Em março, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes da Organização das Nações Unidas (ONU) publicou um relatório afirmando: “traficantes dos Bálcãs e membros de grupos criminosos italianos se estabeleceram no Equador para estabelecer linhas de abastecimento para os mercados europeus”. Além disso, narcotraficantes colombianos passaram a atuar também no país. Essa situação foi agravada com a instabilidade econômica vivida a partir da Presidência de Lenín Moreno e a crise social decorrente da pandemia de Covid-19.
A situação é ainda mais complexa por questões geográficas. O Equador se situa entre os dois principais produtores de cocaína da América Latina; isto é, a Colômbia e o Peru. A cocaína configura, desde a década de 1970, a principal economia ilegal da América Latina. Entretanto, o consumo de droga passou a ser mais de sintéticos no principal mercado consumidor, os Estados Unidos, como a metanfetamina e opioides. Neste cenário, o Equador se tornou um receptor de insumo para a fabricação dessas drogas. O dinheiro advindo do tráfico ajudou a alimentar redes de corrupção no país, atingindo políticos, policiais, soldados, juízes, promotores etc. Inclusive, chama a atenção que as principais bandeiras do candidato e jornalista investigativo morto eram a luta contra a corrupção e a violência de cartéis.
O país, desde as desmobilizadas Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia (FARC), servia de apoio logístico ao narcotráfico. As FARC, por exemplo, atuavam na mineração ilegal e na produção de narcóticos na zona de fronteira Colômbia-Equador. O país viu o crescimento das gangues a partir dos anos 2000, e em 2007 ficou famoso por legalizá-las. O resultado fora inesperado: houve uma queda abrupta nos números de homicídios.
Foram as organizações transnacionais de mercado ilegal de drogas que fortaleceram as gangues equatorianas. Isso porque elas passaram a atuar como mediadoras no mercado Colômbia-Equador-Europa/EUA. A fragmentação das gangues do Equador, traço típico do país de acordo com a instituição InsightCrime, ocasionou guerra entre gangues, aumentando a violência no país.
AS ELEIÇÕES DE 2023 E OS CANDIDATOS AO SEGUNDO TURNO
Como a questão da segurança no país é tratada pelos candidatos que foram ao segundo turno, Luisa González e Daniel Noboa?
Luisa González busca se distanciar do arcabouço legal de Correa e propõe reinstaurar o Ministério da Justiça e o Ministério da Coordenação de Segurança. Correa foi o presidente que, devido a diversos casos de corrupção nas polícias do país, garantiu que as Forças Armadas atuassem contra o narcotráfico. Suas propostas envolvem a retomada do monopólio estatal das armas e a instauração de programas de reinserção e reabilitação, além de focar na investigação e inteligência.
Já o filho do bilionário empresário Álvaro Noboa, Daniel Noboa, possui uma abordagem de reforço ao sistema judicial, por meio de políticas que tragam equidade, eficiência, e um treinamento para resolução pacífica de conflitos para as polícias. De maneira diferente à Gonzáles, Noboa continuaria a utilizar as Forças Armadas para o combate ao narcotráfico.
O interessante dessas eleições é que ambos os candidatos que vão ao segundo turno apresentam propostas muito diferentes daquelas implementadas pelo atual presidente do Equador, Guilherme Lasso, na questão de segurança. Lasso ficou conhecido por implementar uma maior militarização das prisões, ampliação destas e por decretar diversas vezes o estado de emergência, mecanismo controverso e bastante criticado por alguns especialistas. Seja qual for o resultado, é preciso estar atento ao que está acontecendo no Equador e à própria condição das democracias latino-americanas.