A gravidez de uma mulher é um momento importante da vida. Entre o acompanhamento médico, o momento do parto e o pós-parto, entretanto, mulheres estão suscetíveis a sofrer diversas violências. Definida como a intersecção entre a violência institucional, aquela derivada da ação ou omissão de funcionários no exercício de suas atribuições profissionais, e violência de gênero, a violência obstétrica é uma realidade no mundo todo. Estudo recente da Fundação Perseu Abramo chama a atenção para a realidade brasileira, em que 1 em cada 4 mulheres sofreu com este tipo de violência.
Como identificar a violência obstétrica e quais leis protegem as gestantes e parturientes? Estas são as perguntas que guiam este acervo temático.
A violência obstétrica é, por definição, uma violência de gênero. Compreende a violência física ou psicológica sofrida antes, durante ou após o parto. Ao ser vítima desta violência, a mulher pode associar a gravidez a um período traumatizante e sofrer as consequências por toda a vida, além dos casos que podem levar à morte. A prática não está restrita ao sistema público ou privado de saúde, pois mulheres de todas classes e raças podem sofrer com a violência obstétrica, embora ela atinja mais mulheres negras do que brancas no Brasil.
A violência obstétrica pode acontecer em razão de negligência, quando é negado à mulher o atendimento ou infraestrutura para que o parto ou acompanhamento pré-natal ocorra. Além disso, negar o direito ao acompanhante também integra este tipo de violência. Outra forma é a violência física, quando ocorrem práticas e intervenções desnecessárias e violentas sem o consentimento da mulher. “Ponto do marido”, lavagem intestinal, exame de toque em excesso, imposição de uma posição de parto, corte do períneo (episiotomia), manobra de Kristeller (procedimento banido pela Organização Mundial da Saúde e que consiste em realizar pressão sobre o útero da mulher para acelerar o parto), uso do fórceps sem indicação clínica são alguns exemplos de violência física.
Um tema polêmico neste quesito é a cesárea. O Brasil é o segundo país que mais faz uso da cesariana, de acordo com a OMS, e, caso ela seja feita sem o consentimento da paciente ou sem indicação clínica, é considerada uma violência obstétrica.
Além destas, a violência verbal – como xingamentos – é um tipo de violência que atinge mulheres durante o período de gravidez. Nota-se, também, que a violência psicológica – quando são ditas ou feitas coisas que causem um sentimento de inferioridade ou abandono na mulher – também ocorre durante o parto ou o pré-natal. Por fim, é possível sofrer este tipo de violência em casos de abortamento, quando profissionais da saúde se recusam a fazer o procedimento nos casos previstos em lei ou julgam a mulher que busca a intervenção. Ademais, outras características, como a culpabilização da mulher que opta ou necessita do aborto, métodos invasivos para explicação do procedimento e denúncia da mulher também são alguns exemplos de violência infligida em mulheres que buscam o procedimento de aborto.
O entendimento comum é que tal violência sempre parte do médico obstetra, mas ela pode ser praticada por enfermeiros(as), recepcionistas do hospital ou da clínica, anestesistas, técnicos de enfermagem ou por qualquer pessoa que tenha alguma atuação em relação à gestante.
Na América Latina, a Venezuela, a Argentina e o México possuem legislação sobre o tema. Na lei venezuelana, a prática é definida como “a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres pelo pessoal de saúde, que se expressa como tratamento desumanizado, abuso de medicação, e em converter os processos naturais em processos patológicos, trazendo perda de autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres.”
O Brasil não possui nenhuma legislação no nível federal que coíba a prática de violência obstétrica, o que impede que a punição esteja claramente relacionada à violência exercida. Casos são levados, então, ao Ministério Público e aos Conselhos de Medicina, para que o profissional praticante da violência seja devidamente punido. Existem, entretanto, portarias do Ministério da Saúde que preveem o bom tratamento ao paciente, bem como o Código de Ética Médica, de 2008, que inclui no Artigo 31º a garantia da autonomia e o respeito à escolha do paciente.
No nível estadual, em 2017, o estado de Santa Catarina sancionou a Lei 17.097/2017, substituída posteriormente pela Lei Nº 18.322/2022. A nova lei tem como objetivo dispor sobre as Políticas Públicas de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres. Dessa maneira, consolidam-se leis regionais que visam a combater a violência de gênero.
A violência obstétrica é definida como “todo ato praticado pelo médico, pela equipe do hospital, por um familiar ou acompanhante que ofenda, de forma verbal ou física, as mulheres gestantes, em trabalho de parto ou, ainda, no período puerpério”. A Lei cria também uma Cartilha dos Direitos da Gestante e da Parturiente, com o objetivo de divulgar informações sobre a violência obstétrica e os principais canais de denúncia.
Trata-se de uma importante iniciativa, visto que um dos grandes problemas da violência obstétrica é a falta de conhecimento sobre o tema. Agrava-se, ainda, toda essa falta de informação por ser o Brasil um país que possui políticas deficitárias de saúde reprodutiva, o que significa que uma parte da população não tem conhecimento sobre o próprio sistema reprodutivo, nem das boas práticas consolidas pela medicina. Ajudar pacientes a identificar este tipo de violência é o primeiro passo para coibir a prática.
Notamos que, mesmo sendo uma temática de extrema importância para o combate à violência de gênero, o tema tem recebido pouca atenção dos legisladores brasileiros, tanto no nível federal, quanto no nível estadual e municipal. Carece o país, portanto, de leis que criem diretrizes para informar a população, que defina a violência obstétrica enquanto crime e dite as possíveis punições. Por ora, sobrecarregamos o Ministério Público e dependemos de juízes e advogados abertos à temática para que a violência seja devidamente punida.
Violência Obstétrica: Por que devemos falar sobre?/Politize (19.09.2019)
“O parto é um momento muito importante para a mulher, algo que vai ser lembrado por toda a vida. Para um número muito grande me mulheres estas lembranças não são as que elas gostariam de ter. De acordo com uma ampla pesquisa, desenvolvida pela Fundação Perseu Abramo e pelo Sesc, aproximadamente uma em quatro mulheres no Brasil sofreu com algum tipo de violência durante o parto. A denominação para os maus tratos, abusos e desrespeito sofrido por essas mulheres é violência obstétrica.”
Violência obstétrica: o que é, como identificar e como denunciar/G1 (12.12.2021)
“Um áudio vazado de uma conversa íntima mostra a influencer digital Shantal Verdelho acusando o médico obstetra Renato Kalil de cometer violência obstétrica durante o parto de sua segunda filha, em setembro de 2021. Ela afirma que o médico usou palavrões durante o parto e expos sua intimidade para o pai da criança, Mateus Verdelho, durante o procedimento e também para terceiros.”
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA É CRIME: VEJA COMO E QUANDO A GESTANTE SE TORNA VÍTIMA/Extra (19.12.2021)
“Questões ligadas à violência obstétrica vieram à tona após a influenciadora digital Shantal Verdelho e outras mulheres acusarem o médico Renato Kalil de agressões durante o parto. O tema, por ser pouco discutido na sociedade — e que sequer é reconhecido como crime —, traz consigo uma série de dúvidas. Como identificar casos de assédio? Quais são os tipos de violência obstétrica? O que as vítimas podem fazer? Esclareça ao lado as principais questões sobre o tema.”
Violência obstétrica atinge cerca de 45% das mulheres na rede pública brasileira; vítimas perdem bebês e ficam com lesões/O Globo (26.12.2021)
“SÃO PAULO — Em agosto do ano passado, a confeiteira Raquel Afonso, de 39 anos, chegou a uma maternidade pública de Florianópolis com 41 semanas de uma gravidez sem sobressaltos. Ela foi internada e levada para o “sorinho” — na verdade, ocitocina sintética na veia para acelerar o parto, que pode causar complicações graves — e seu companheiro não pôde acompanhá-la, direito assegurado por lei. Pouco depois, a bolsa rompeu dando início a dores lancinantes que foram ignoradas e só terminariam, três horas depois, numa cesárea de emergência no centro cirúrgico. O sofrimento que a marcaria para toda a vida viria logo em seguida: Melissa, a bebê saudável de 3.660Kg que carregava, nasceu morta.”
Moçambique: violência obstétrica e abusos contra parturientes continuam/Rfi (09.01)
“Em Moçambique persistem os atos de violência obstétrica, os abusos contra parturientes bem como as cobranças ilícitas. A situação preocupa as organizações da sociedade civil que trabalham em prol dos direitos da mulher e da criança.”
‘Ponto do marido’ e parto no carro: ‘Sofri violência obstétrica três vezes’/Universa (10.01)
“Quando engravidei pela primeira vez, em 2007, se falava muito pouco sobre violência obstétrica e parto humanizado. Hoje, com 32 anos, já tenho mais conhecimento sobre isso.”
Violência obstétrica: o que é, quais as formas e quanto as vítimas podem receber de indenização?/Banda B (11.01)
“A violência obstétrica no Brasil se refere aos diversos tipos de agressão a mulheres gestantes, seja no pré-natal, no parto ou pós-parto, e no atendimento de casos de abortamento. Trata-se de um tipo de agressão que tem sido denunciada por várias vítimas, que não possuem assistência médica adequada durante o processo de ‘dar a luz’, nos últimos anos”
Falta de informação dificulta paciente identificar caso de violência obstétrica/CBN (11.01)
“Relatos de violência obstétrica tem se tornado cada vez mais comum – um dano, muitas vezes, irreversível às gestantes. Mas falar sobre o assunto e informar é o caminho pra mudar esse cenário. Em entrevista ao CBN Cotidiano, a médica ginecologista e obstetra Danielli Simonassi Nantes, membro da Sociedade Ginecologia e Obstetrícia do Espírito Santo, e a fisioterapeuta Adrieli Borsoe, mestre em Ciências da Reabilitação, afirmam que os cursos de formação da área da saúde não promovem a preparação para este tema.”
Violência obstétrica pode ocorrer no parto, no pré-natal e em casos de aborto/EBC (12.01)
“Esta edição do Tarde Nacional – Amazônia teve a missão de ajudar mulheres a identificarem casos de violência obstétrica. A entrevistada foi Melania Amorim, médica ginecologista e obstetra,. Ela é professora doutora de ginecologia e obstetrícia da Universidade Federal de Campina Grande e professora da Pós-graduação de Saúde Integral do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira.”
Ministério Público paulista vai ouvir mulheres que acusam obstetra de violência sexual/Carta Capital (13.01)
“O Ministério Público de São Paulo quer ouvir mais duas mulheres que afirmam serem vítimas de violência sexual praticada pelo médico obstetra Renato Kalil. Uma delas trabalhou como babá na casa de Kalil em 2013 e outra é uma ex-paciente. As mulheres relataram os casos a uma reportagem do Fantástico exibida no domingo 9”