fbpx
Fundação Podemos
/
/
Acervo Temático: Reflexões sobre Democracia, Redes Sociais e Inteligência Artificial

Acervo Temático: Reflexões sobre Democracia, Redes Sociais e Inteligência Artificial

Os celulares se tornaram uma extensão do nosso corpo. Hoje é muito raro ver alguém nas ruas que não esteja em algum momento olhando para o aparelho. Em qualquer hora do dia, mesmo sem precisar, as pessoas olham para seus celulares, acessam seus aplicativos, como se fosse um movimento natural do próprio corpo, involuntário, sem que realmente precisassem buscar ou fazer algo realmente importante no aparelho. Se os filhos deram uma folga para os pais, logo estes pegam seus celulares para ver absolutamente nada urgente ou importante. Se o semáforo fechou, o motorista logo pega o celular. Se o casal sai para almoçar ou jantar, em algum momento vão olhar seus celulares para ver se receberam aquela mensagem desimportante que poderia muito bem esperar. Se estão no transporte público, por que não assistir um filme ou ver aquela série naquela pequena tela? São raros os lugares que hoje em dia são à prova daquela consulta inútil ao celular para ver aquela mensagem completamente desimportante que mandaram no grupo. Estamos todos dependentes e imersos numa espécie de entretenimento contínuo de péssima qualidade.

Paramos para ver os reels de pessoas que não tem a menor ideia sobre aquilo que estão falando. Ouvimos especialistas “em nada” sobre “tudo”. As comédias deram lugar a pequenos vídeos no tik tok de gente contando piadinhas, querendo fazer rir, procurando produzir memes a qualquer custo. Uma explosão de narcisismo, egocentrismo em meio a uma avalanche de imagens e informações. Não temos mais tempo para pensar no mundo, tampouco para digerir essa dimensão brutal de informações diárias a que somos bombardeados. Não temos tempo sequer para refletir sobre nós mesmos e sobre nossas vidas, quanto mais em relação aos outros. Temos que estar conectados o tempo todo. Diante disso, nunca estivemos tão desconectados do mundo real, da natureza e de nós mesmos. Nossas vidas são dirigidas por likes e tendências, sem as quais nos sentimos excluídos desse novo e virtual mundo.

Estudos demonstram que as pessoas gastam em média mais de 2 horas por dia em redes sociais. Postam quase sempre as mesmas coisas: informações sobre futilidades da rotina, dotadas de uma mensagem subliminar demandando atenção, comentários sobre a trend do momento da política, da vida cultural ou simplesmente tentando alavancar a própria carreira. Rolar o feed e alimentá-lo é uma experiência quase autofágica, onde consumimos e somos consumidos, somos produto e produtores de empresas que monetizam absolutamente tudo que ali é escrito, carregado ou postado. Alimentamos nossos egos por meio de referências que não nos somam absolutamente nada. Personalidades que se produzem da noite para o dia e somem do mapa com a mesma velocidade. A descartabilidade é cada vez mais veloz. Na maior parte das vezes ficamos ansiosos por verificar quantas pessoas visualizaram nosso novo post, nosso novo stories, como se isso fosse importantíssimo. Num quadro geral, nos sentimos inseguros se não consultarmos o celular em algum momento do nosso dia. Parece que criamos a sensação de que ficar muitas horas longe da tela corresponde a estar perdendo o que está acontecendo no mundo ou simplesmente de que estamos ficando para trás.

Tudo isso gera uma profunda sensação de ansiedade. Os filtros, as tendências e as postagens ampliam nossos desejos e comparações. Há quase que um mandamento constante no sentido de que se os outros fazem, eu também preciso fazer. Preciso me exercitar, tirar fotos na academia dizendo que “hoje está pago”; “vim no frio mesmo”, “são cinco da manhã e estou aqui já”, etc. Preciso iniciar uma dieta, fazer intervenções cirúrgicas, vestir roupas de grifes, comprar produtos que realmente não necessito, opinar sobre algo que está “viralizando” ou “bombando”, mesmo que eu não tenha a menor ideia ou conhecimento sobre o assunto. Preciso expor meu corpo, expor meus filhos, expor minha casa, meus pertences, tudo que eu puder para chamar alguma atenção. Tudo isso provoca potencialmente a longo prazo um quadro de angústia e depressão, principalmente porque não há qualquer tipo de acréscimo significativo disso tudo para nossas vidas e as respostas a cada uma dessas postagens são virtuais, não realmente possíveis de serem sentidas e internalizadas como algo concreto, sólido e real. Se a sociedade era líquida, agora ela evapora a cada segundo.

Não há dúvida de que as redes sociais mudaram nossas vidas. Alteraram nosso modo de se comunicar e nossa avaliação de nós mesmos, além da nossa própria percepção e posição no mundo. Ao mesmo tempo que nos relacionamos via aplicativos de redes sociais, qualquer frase mal escrita por nós pode nos causar um cancelamento, por meio do rito sumário, sem direito a defesa e contraditório, que dita a lógica de julgamento das redes. Nesse sentido, se podemos ficar famosos da noite para o dia, podemos também nos tornar um produto tóxico com a mesma velocidade.

Além disso, os algoritmos já não buscam mais simplesmente entender quem nós somos, ou do que gostamos. Já não se limitam a minerar nossos dados. Os mecanismos de busca do Google, do Instagram ou do Facebook nos estimulam a adotar condutas e costumes, indicando o que devemos consumir. Somos expostos o tempo todo a tudo que se relaciona ao que o algoritmo identifica de nós para que depois ele possa nos sugerir mais coisas. Somos produtores, produto, consumidores e consumidos.

Tudo isso leva inclusive a uma confusão sobre a noção de tempo e espaço. O tempo em que nós estamos conectados passa muito rapidamente, pois estamos entretidos continuamente. É como se até o tédio fosse de nós roubado. Em relação ao espaço, não existem mais distâncias que impeçam a comunicação, mas sim conexões de internet ruins.

Há confusão também no mundo do trabalho. Com um celular que nunca se desliga, não sabemos mais diferenciar o que é trabalho daquilo que não é. Apesar do home office, a tendência é de que trabalhemos mais, pois o whatsapp nos obriga a estar disponíveis vinte quatro horas por dia. Uma mensagem que demora para ser respondida pode ser mal interpretada pelo seu chefe. Quando estamos disponíveis o tempo todo, ninguém realmente consegue descansar.  Dessa forma, também perdemos a noção do que é lazer. As redes sociais se confundem com entretenimento, informação e trabalho.

Tudo isso faz com que tenhamos cada vez menos tempo para a contemplação e a própria reflexão. Se estamos prestando atenção naquilo que estamos rolando na nossa tela, não podemos estar realmente pensando com profundidade nas coisas que importam no nosso dia a dia. Não é por outro motivo que quadros de exaustão e burnout são cada vez mais frequentes no nosso mundo social e laboral. Há evidentemente um desequilíbrio na subjetividade humana. A ela se dita uma lógica em que posto, logo existo. Se tiver likes sou aprovado e integrado. Se não tiver, sou um fracasso.

Em um sentido mais amplo, as redes nos inserem em bolhas. Fragmentos de círculos sociais onde nos aglutinamos conforme os algoritmos vão nos agrupando. A dialética não existe em qualquer discussão fora da bolha. Se na bolha buscamos confirmação sobre o que pensamos ou decidimos em relação a qualquer assunto, fora dela o que existe é negação da alteridade e um conflito violento, onde o choque acontece no sentido de que um quer impor ao outro o pensamento corrente da própria bolha. Cada post que comentamos tem a potencialidade de provocar uma enxurrada de confirmações ou negações. Não há, na realidade, um processo de síntese de pensamento nos moldes mais simples da lógica que envolve uma tese, uma contra tese e uma síntese final. O que há é, como já dito, confirmações ou repulsas violentas de conteúdo. Desta forma, a ideia de que as redes sociais servem como um amplo espaço de debate é tão falsa quanto a sensação de estarmos sendo ouvidos ou de que os outros se importam com o que pensamos ou postamos quando nessas redes nos manifestamos.

Além disso tudo, há uma crise na subjetividade humana. A inteligência artificial com seus instrumentos como ChatGpt, machine learning, redes neurais têm modificado a forma com que lidamos com as artes, com a música, com o trabalho e com a própria educação. As escolas estão preparadas para utilizar todo esse ferramental, tendo sido os limites éticos traçados e bem definidos? Professores estão preparados para ensinar com esses instrumentos? Quais trabalhos desaparecerão nos próximos anos por conta da inteligência artificial? A educação e o mundo do trabalho estão em sintonia para que as formações absorvam as mudanças que virão? Como aplicar a inteligência artificial de uma maneira ética, segura e responsável em um mundo que não se comunica, mas viraliza, se para estabelecermos limites e marcos regulatórios precisamos de um trabalho necessariamente coletivo, que envolva legisladores, partes interessadas, o setor privado, a academia e a sociedade civil como um todo?

Os desafios estão postos e são inúmeros, além de enormes. Os sintomas de todas essas brutais transformações já podem ser vistos no campo da saúde física e psíquica humana, assim como na política e no tecido social. Seriam as redes sociais e a inteligência artificial um perigo para a democracia ou simplesmente um perigo para nós mesmos? Se pensarmos na democracia como algo que envolva o conflito construtivo e a pluralidade, como ela funcionará no contexto de um mundo que passou a se transformar em termos de imagem, linguagem e consumo dentro do produto de algumas empresas de tecnologia? Precisamos pensar, mas estamos mais ocupados em postar.

 

 

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

Compartilhe:
como citar
Últimas publicações
Acompanhe nosso conteúdo
plugins premium WordPress