Morreu, aos 93 anos, no domingo 20 de novembro Hebe de Bonafini, líder da Associação Mães da Praça de Maio. Um dos mais importantes movimentos sociais da América Latina, sob liderança de Bonafini, esteve atrelado na luta por justiça e memória durante e após a ditadura militar da Argentina.
Em 1977, no ano seguinte ao golpe deflagrado pela Junta Militar, Hebe e mais algumas mães de desaparecidos pela ditadura se reuniram numa quinta-feira em frente à Casa Rosada, em Buenos Aires. Em silêncio e utilizando um pano branco na cabeça, as mulheres marcharam em volta da praça localizada em frente à sede da presidência da República Argentina.
Dali em diante essas mulheres passaram a configurar o movimento de maior contestação direta e explícita à ditadura. Também chamadas de “loucas” à época, as mulheres demandavam informações sobre seus filhos e filhas perseguidos e desaparecidos pela ditadura militar. Estima-se, de acordo com as Mães da Praça de Maio, que foram 30 mil desaparecidos entre 1974 e 1983, período que compreende tanto o governo de Isabel Perón, o qual inaugurou a Triple A (Aliança Anticomunista Argentina), um esquadrão da morte de extrema-direita, e a ditadura militar.
Ainda hoje essas mulheres se reúnem todas as quintas-feiras para marchar na Praça de Maio. Hebe foi uma de suas lideranças e presidente da Associação. Sua luta iniciou-se após perder dois de seus três filhos para a repressão argentina, ainda dados como desaparecidos. As Mães lutam para que se faça justiça e pela memória de seus filhos desaparecidos. De mesmo espírito, as Mães se relacionam fortemente com a Associação de Avós da Praça de Maio, que buscam seus netos, bebês roubados pela ditadura.
As Mães da Praça de Maio é um dos movimentos mais importantes da América Latina, uma das primeiras a incorporar o discurso dos direitos humanos. Apesar de sua importância, essas mulheres também foram vítimas de perseguição e da ditadura sanguinária argentina. Seu reconhecimento, à época, foi consagrado, sobretudo, por líderes da Europa e dos Estados Unidos. Ainda durante a ditadura, essas mulheres fizeram visitas a oficiais de governo da Europa e dos EUA, quando foram instruídas a recorrerem à Comissão Interamericana de Direitos Humanos para investigar os desaparecidos da ditadura.
Hebe presidiu a Associação de 1979 até a sua morte e foi fundamental para a internacionalização do movimento. Essas mulheres, entretanto, não se privaram de outros assuntos da arena política e social da Argentina. É importante destacar a sua participação, nos anos 2000, nos movimentos que tinham como objetivo maiores direitos econômicos. Ainda, se associaram com os movimentos Feministas e se colocaram a favor do aborto no país.
Apesar do reconhecimento internacional e respeito pela sua coragem, que colocou sua vida em risco para lutar contra o terrorismo de Estado argentino, Hebe é muito criticada na Argentina, sobretudo em razão de sua relação com os Kirchners, do partido Peronista. Além disso, Hebe ficou conhecida por algumas falas polêmicas, como quando demonstrou apoio ao ataque das torres gêmeas em 2001. Ademais, o conglomerado Clarín, o maior do país, criticou de forma assiduamente a líder da maior organização de direitos humanos do país, por sua relação com líderes latino-americanos e ainda por supostamente ter se envolvido em corrupção no gerenciamento do Fundo das Mães da Praça de Maio.
Com a sua morte, o presidente argentino Alberto Fernandéz declarou luto oficial de três dias. Uma das primeiras a se pronunciar foi a vice-presidenta do país e amiga próxima de Hebe, Cristina Kirchner. Líderes políticos e presidentes da América Latina expressaram seu pesar com a morte da ativista, que representa uma dualidade bastante argentina, mas também uma personagem de muita importância na história latino-americana como um todo.