Na última quinta-feira (20/01) faleceu, aos 91 anos, a eterna cantora e compositora Elza Soares. A artista nasceu em 23 de junho de 1930, na favela carioca de Moça Bonita. A morte da cantora coincidiu com a data de falecimento de Mané Garrincha, 39 anos antes, em 20 de janeiro de 1983. Elza Gomes da Conceição foi casada com o futebolista por 17 anos. Segundo Elza, Garrincha foi o grande amor de sua vida: “Eu sonho muito com o Mané. O maior amor da minha vida foi ele”.
O trabalho de vida de Elza compreendeu diversos gêneros musicais, incluindo samba, jazz, samba-jazz, sambalanço, bossa nova, MPB, soul, rock e música eletrônica. Dentre suas músicas de maior sucesso, que alcançaram ouvintes no Brasil e no mundo, estão: “Se Acaso Você Chegasse” (1960), “Boato” (1961), “Cadeira Vazia” (1961), “Só Danço Samba” (1963), “Mulata Assanhada” (1965) e “Aquarela Brasileira” (1974). A cantora foi premiada diversas vezes, com destaque para as premiações: a cantora brasileira do milênio pela Rádio BBC de Londres em 1999 e a 16ª posição da lista das 100 maiores vozes da música brasileira pela revista Rolling Stone Brasil.
Desde o início de sua carreira, a musicista negra e de origem humilde enfrentou represálias e o preconceito. Mãe de quatro filhos e viúva aos 23 anos, em 1953, Elza performou no radiofônico Calouros em Desfile, onde, apesar do bom desempenho, foi ridicularizada pelo apresentador e auditório. Somente no final da década de 1950, Elza consolidou sua carreira como cantora, através de turnês nacionais e internacionais e de seu primeiro contrato de rádio, onde cantava semanalmente.
Apesar de uma carreira consolidada e do prestígio nacional, Elza sofreu diversos ataques racistas. Em 1960, na Rádio Tupi, foi vítima de uma agressão, quando alguém jogou uma lâmina de barbear dentro de seu vestido, acarretando em uma severa hemorragia. Seu relacionamento com Garrincha, além de afetar sua vida pessoal devido a repercussão negativa na imprensa, refletiu desfavoravelmente em sua carreira profissional. Em virtude da reação preconceituosa da imprensa acerca do relacionamento amoroso, os convites para shows diminuíram por um período.
Entre as décadas de 1970 e 1980, Elza morou alguns anos na Itália, no Brasil e nos Estados Unidos respectivamente. O final da década de 1960 foi um período conturbado para a cantora. Nesses anos ela sofreu diversas agressões de Garrincha em decorrência de seu agravado quadro de alcoolismo. Na mesma época, o futebolista esteve envolvido em um acidente de carro. Garrincha estava embriagado e o acidente resultou na morte da mãe da compositora. Na década de 1980, ao voltar para o Brasil, Elza enfrentou um período de depressão.
Em 2002, três anos após a premiação de cantora brasileira do milênio pela BBC, Elza garantiu indicação ao Grammy com o álbum Do Cóccix até o Pescoço. A compositora performou durante sua carreira ao lado de grandes artistas brasileiros, como Cazuza e Zeca Pagodinho e foi puxadora de diversas escolas de samba renomadas, Mocidade e Salgueiro, a título de exemplo.
Além de seu legado cultural presente em suas músicas, onde a temática do romance se faz presente, Elza foi uma importante personagem na luta contra o preconceito racial e de gênero. Os temas sobre o preconceito encontram-se não somente em suas letras, mas também em seus discursos e shows. A resposta “Planeta Fome” de Elza, quando banalmente questionada de que planeta vinha no programa de Ary Barroso em 1953, ficou marcada em sua carreira, tornando-se título de seu 34º álbum. Ainda, em 2019 a autora explicou sua resposta: “Tenho fome da saúde, fome do respeito, fome do amor”. Planeta Fome foi o último álbum da cantora brasileira. Lançado em 2019, foi eleito um dos 25 melhores álbuns brasileiros do segundo semestre pela Associação Paulista de Críticos de Arte.
Elza Soares, mãe de oito filhos e imortalizada pela Academia Brasileira de Cultura em 2021, deixa para trás um legado de luta e música que alegra milhões de pessoas e incontáveis carnavais. Como descreve Caetano Veloso: “Elza Soares foi uma concentração extraordinária de energia e talento no organismo da cultura brasileira”.
A Mulher do Fim do Mundo desejava cantar até o fim. E assim foi. Seu último show foi realizado no Festival Psica 2021, em 19 de dezembro, na cidade de Belém, Pará. Foi a sua primeira apresentação após os dois anos de pandemia.
Em passagem histórica, Elza Soares afirmou ter vindo do “planeta Fome”/Metrópoles (20/01/2022)
“Apesar de muitos imaginarem que se tratava da fome de comida, Elza Soares explicou o real conceito da resposta. “Tenho fome da saúde, fome do respeito, fome do amor”, disse, em entrevista em 2019. A artista sempre foi uma voz ativa contra o racismo e se posicionava a favor do direito das mulheres.”
Elza Soares: cinco lembranças da ‘voz do milênio’/UOL (20/01/2022)
“A cantora e compositora Elza Soares morreu aos 91 anos nesta quinta-feira (20) no Rio de Janeiro, conforme comunicou a família da artista. Ícone da música brasileira, foi eleita a “Voz do Milênio”, em 1999, em uma votação da rádio britânica BBC.”
Elza Soares e Garrincha: saiba como foi o romance entre a cantora e o jogador/UOL (20/01/2022)
“O alcoolismo de Garrincha também resultou na morte de Dona Josefa, mãe de Elza. Já de volta ao Brasil, em 1969, o então jogador de futebol dirigia embriagado e acabou sofrendo um acidente de carro, onde Josefa foi arremessada para fora do veículo e morreu na hora.”
Elza Soares deixa legado de resistência e talento para a cultura brasileira/Estado de Minas (21/01/2022)
““Ícone da música brasileira, considerada uma das maiores artistas do mundo, a cantora eleita como a ‘Voz do Milênio’ teve uma vida apoteótica, intensa, que emocionou o mundo com sua voz, sua força e sua determinação. A amada e eterna Elza descansou, mas estará para sempre na história da música e em nossos corações e dos milhares fãs por todo o mundo. Feita a vontade de Elza Soares, ela cantou até o fim”, diz o comunicado oficial de familiares e da equipe da artista.”