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Acervo Temático: Centenário de Paulo Freire

Acervo Temático: Centenário de Paulo Freire

No último dia 19, domingo, o educador e filósofo Paulo Freire faria 100 anos. Reconhecido nacional e internacionalmente, Paulo Freire é um dos expoentes da produção científica brasileira. Sendo o terceiro autor mais citado em 2016, de acordo com a London School of Economics, Freire mudou o entendimento da educação e da relação entre alunos e professores com a sua obra Pedagogia do Oprimido.

Nascido em 1921, em Recife, Pernambuco, o Patrono da Educação brasileira iniciou seu trabalho como educador ainda cedo, no Colégio Oswaldo Cruz. Entre 1947 e 1954, trabalhou como diretor de educação e cultura no Serviço Social da Indústria (SESI), se tornando posteriormente superintendente da instituição, de 1954 a 1957. Essa foi a primeira experiência de Freire com a educação adulta. A partir do trabalho no SESI, Freire passou a pensar um método de educação pautado no diálogo horizontal entre alunos e professores.

Mas foi apenas em 1963, em um experimento em Angicos (RN), que o seu método educacional foi colocado em prática. Com apenas 40 horas de estudos, mais de 300 adultos foram alfabetizados. Seu método é constituído por um trabalho de troca entre professor e alunos. Organizados em roda, os alunos aprendem a ler a partir de palavras, separadas em sílabas, de seu cotidiano. Embora esse seja um ponto importante do método de Freire, a educação não para por aí. Em diálogo horizontal, o aluno e o professor passam a fazer também uma leitura do mundo, ensinando e aprendendo sobre temas que vão além da alfabetização, criando, assim, uma visão crítica do mundo. De forma que “a formação dessa consciência leva as pessoas a questionarem a natureza da sua situação social, e elas passam a se ver como sujeitos na construção de uma sociedade realmente democrática.” (CPDOC).

Seu trabalho em Angicos foi reconhecido nacionalmente. No início da década de 1960, o presidente João Goulart instituiu o Plano Nacional de Alfabetização, que utilizaria o Método Paulo Freire de ensino. Com data de lançamento para maio de 1964, o plano foi frustrado com o golpe militar de março de 1964. Com os ditadores no poder, Freire foi preso e a sua obra passou a ser vista como subversiva. Escrevendo sobre os medos dos militares, Dagmar Zibas (ver abaixo), ex-aluna e secretária de Paulo Freire, afirma que “um educador, que ajude o aluno a compreender-se como protagonista de sua própria história, da história de sua comunidade e de seu país, será sempre considerado um perigo por quem pretende calar a voz daqueles que nunca tiveram vez nas dinâmicas de poder do Estado e da sociedade.” É importante que se afirme que Paulo Freire não tinha uma preocupação com um pensamento à esquerda ou à direita, mas sim com a própria atividade do pensar. Seu objetivo era que as pessoas pudessem aprender a exercer um juízo crítico sobre sua própria realidade, compreendendo as situações de vida e buscando vidas melhores. Sua preocupação era com o juízo crítico e não com a implementação de qualquer ideologia política. Ele queria que as pessoas pudessem aprender a pensar.

Saindo do Brasil ainda em 1964, Freire se instalou no Chile, à época presidido por Salvador Allende. Foi no país andino que Freire escreveu duas importantes obras, Educação como prática da liberdade (1967) e Pedagogia do oprimido (1970), a última sendo publicada em português apenas em 1974. Em 1969, vendo a crescente polarização da sociedade chilena e o risco de um golpe militar, Paulo Freire mudou-se para os Estados Unidos, se tornando professor da Universidade de Harvard, conhecida até hoje por ser a melhor universidade do mundo. Posteriormente, em 1970, foi para a Suíça, onde atuou como Consultor Especial do Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas. O educador também prestou consultoria para diversos países da Europa e da África.

Em 1980, com a Anistia Política sancionada por João Batista Figueiredo, Freire retornou ao Brasil com a ajuda de Dom Paulo Evaristo Arns. No país, ele voltou a lecionar, dando aulas na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e na Universidade de Campinas (UNICAMP), além de ter participado ativamente da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT). Em 1989 e 1991, se tornou Secretário da Educação da cidade de São Paulo, durante a gestão de Luiza Erundina. Morreu em São Paulo em 1997, aos 76 anos. Em 2012, foi declarado Patrono da Educação Brasileira.  

Teoria crítica e a obra de Freire

Nos anos recentes, a filosofia e os princípios pedagógicos de Freire vêm sofrendo ataques de bolsonaristas. A situação é tal que, pouco antes do centenário do Patrono da Educação, a Justiça Federal do Rio proibiu que o presidente Jair Bolsonaro atentasse com contra a dignidade de Paulo Freire.

Cabe, portanto, diferenciar o que é o Método Paulo Freire e a filosofia do educador. O Método é um modelo de ensino dedicado para a alfabetização de jovens e adultos, o que chamamos hoje de EJA [Educação de Jovens e Adultos]. Sua filosofia, por outro lado, possui recomendações práticas, mas busca, acima de tudo, questionar e problematizar a relação entre professor e aluno. A publicação de Pedagogia do Oprimido, obra amplamente traduzida para as mais diversas línguas, é uma marca do pensamento Freireano. Com a famosa frase “Educar é um ato político”, Freire entendia a educação como um caminho necessário para a transformação social, em que o político faria parte da sala de aula. Claramente, não se trata de político no sentido partidário, como muitos entendem, mas sim no sentido da palavra oriunda do grego, isto é, politikos, que significa “relacionado com grupos sociais que integram a Pólis”, isto é, algo que tem a ver com o viver comum, com o compartilhamento de espaços e destinos, enfim, com o exercer a liberdade. Viver em sociedade é um ato político.

Muito influenciada pelo contexto latino-americano da década de 1960, a filosofia de Freire criticava a educação bancária, quando o professor detém o conhecimento e deve ser transmitido ao aluno por meio de um discurso unilateral, cabendo ao estudante compreender aquele discurso. Por outro lado, Paulo Freire propunha uma educação humanística ou uma educação problematizadora, em que o diálogo entre alunos e professores seria o método de ensino e aprendizado para ambas as partes, reconstruindo, assim, a ideia de autoridade pedagógica. Dessa maneira, a educação é vista como uma forma de emancipação e transformação política, em que o conhecimento – aquele fundado pelas classes dominantes, seria revertido para uma educação emancipatória do ser humano.

Tomando a ideia de que a grande massa de alunos é composta por trabalhadores, a educação, ao tomar como centro a experiência de vida do aluno, traria luz a assuntos políticos e de opressão, se tornando libertadora. A liberdade é exercida por meio da crítica, do juízo crítico.

Mesmo com o sucesso do Método Freire e da importância de sua filosofia na construção do pensamento crítico das ciências humanas, sendo o autor brasileiro mais citado no exterior, os ataques a Paulo Freire são cada vez mais presentes. Em seus slides de Plano de Governo, o “Projeto Fênix”, Jair Messias Bolsonaro afirmava que era necessário expurgar a ideologia de Paulo Freire da Base Nacional Comum Curricular, alterando o modelo de alfabetização do país. Além disso, a crítica também perpassa a ideia de que a filosofia de Paulo Freire é doutrinadora, demonstrando o total desconhecimento da obra do autor e uma proposital distorção para associá-lo exclusivamente ao pensamento de esquerda. É importante lembrar que Paulo Freire lecionou nos EUA, em Harvard, que não representam a encarnação do pensamento de esquerda ou que não admitam o exercício do juízo crítico tanto à direita quanto à esquerda. Vale dizer também que a associação do pensamento de Freire ao comunismo não é condizente, visto que o autor era um crítico à esta linha de pensamento. Ainda, Freire participou do Conselho Mundial de Igrejas, demonstrando sua proximidade com a moral cristã e com os preceitos religiosos da Igreja Católica. Ou seja, associar Paulo Freire tão somente à esquerda ou ao comunismo é distorção desonesta para a construção de uma narrativa baseada na relação amigo versus inimigo ou nós contra eles. Freire jamais pretendeu implantar uma educação “de esquerda”, mas sim uma educação libertadora por meio do aprendizado crítico.

Freire entendia que a sala de aula era um espaço de debate, um lugar para se falar de política. Falar sobre eleições, sobre modelos de política, sobre o pensamento político, enfim um espaço democrático onde se pudesse pensar. Freire não defendia, dessa maneira, falar sobre uma política ou de um partido específico. Tomando a sociedade democrática brasileira, sabemos que a sua construção se dá por indivíduos cada vez mais engajados, norteados pelos valores democráticos e que praticam a democracia em seu dia a dia. A filosofia de Freire, portanto, pregava que esses valores e essa ideia deveriam estar presentes na sala de aula, não por meio da doutrinação, mas sim pela livre e aberta discussão de ideias. A própria concepção de doutrinação é contrária ao pensamento de Freire, pois quem doutrina não promove a crítica.

Construímos esse acervo temático para relembrar a vida e obra de um pensador tão importante, o Patrono da Educação Brasileira, que merece ser tratado com a própria honestidade intelectual que imprimia no seu método de ensino. Confira as principais notícias sobre o centenário de Paulo Freire abaixo:

Reinventando a educação e criando maior acesso/Forbes (28.06.2020)

Steve Denning, escritor da Forbes, fala sobre o sistema educacional dos Estados Unidos, a necessidade de mudança e a importância de Paulo Freire para repensarmos o modelo educacional vigente.

Paulo Freire é um brasileiro que ainda tem muito a nos ensinar/Folha (16.09)

O pesquisador e escritor Silvo Almeida escreve sobre a importância do trabalho Freire, suas premissas e seu caráter revolucionário, afirmando que “o filósofo brasileiro nos leva a pensar que este mundo, tal como conhecemos, precisa de fato acabar para que outro, fundado em uma práxis de solidariedade e respeito, possa vicejar.”

Paulo Freire, 100: Em busca de outra autoridade pedagógica/Outras Palavras (17.09)

Roberto Rafael Dias da Silva, professor da Escola de Humanidades da Unisinos, discorre sobre a mudança do conceito de autoridade trazida por Paulo Freire.

Justiça proíbe governo Bolsonaro de ‘atentar contra dignidade’ de Paulo Freire/Folha (17.09)

A Justiça Federal do Rio proibiu na quinta-feira (16) o governo federal de tomar qualquer atitude que atente contra a dignidade de Paulo Freire, patrono da educação brasileira

Entenda a obra e as ideias de Paulo Freire, que completaria cem anos/Folha (18.09)

“Brasileiro com a obra de ciências sociais mais citada no mundo, o educador Paulo Freire completaria cem anos neste domingo (19). Mais de 50 anos após escrever sua obra mais conhecida, “Pedagogia do Oprimido”, Freire é alvo de ataques de grupos ligados ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas celebrado no exterior, onde dá nome a 20 institutos.​Conheça os principais pontos da vida e obra do educador.

Paulo Freire, intelectual brasileiro mais lido no mundo e ‘inimigo’ do bolsonarismo, tem trajetória contada em exposição/O Globo (18.09)

A “Ocupação Paulo Freire”, inaugurada neste sábado (18) no Itaú Cultural, em São Paulo, passa em revista a trajetória do intelectual brasileiro mais lido no mundo: da infância em Recife à bem-sucedida aplicação de seu método de alfabetização em Angicos, no Rio Grande do Norte, do exílio nos tempos da ditadura ao retorno ao Brasil dias antes da Anistia, em 1979. Além da exposição, o Itaú Cultural lança uma compilação de textos sobre o educador e, em outubro, o podcast “Diálogos com Paulo Freire”.

Paulo Freire é decente e democrático, nunca silenciaria quem dele discordasse/Folha (18.09)

Mario Sérgio Cortella desconstrói mitos sobre o pensamento freireano.

Aos 100, Paulo Freire segue reconhecido no exterior e sai da mira bolsonarista/Folha (18.09)

Matéria da Folha recupera a importância do trabalho de Paulo Freire e os ataques bolsonaristas ao educador.

Pelo fim da opressão, ainda: 100 anos depois, o chamado a Paulo Freire vive/Carta Capital (19.09)

Ana Luiza Basilio escreve sobre os eventos promovidos por conta do centenário de Paulo Freire, ressaltando a mostra do Itaú Cultural e o relançamento comemorativo de duas obras pela editora Paz & Terra.

Quem tem medo de Paulo Freire?/Folha (19.09)

Dagmar Zibas, ex-aluna e secretária de Paulo Freire, escreve sobre a importância de sua obra, afirmando que a ditadura militar tinha medo de Freire pois “um educador, que ajude o aluno a compreender-se como protagonista de sua própria história, da história de sua comunidade e de seu país, será sempre considerado um perigo por quem pretende calar a voz daqueles que nunca tiveram vez nas dinâmicas de poder do Estado e da sociedade.”

‘Paulo Freire não queria ser imitado, mas reinventado’/Carta Capital (19.09)

Em entrevista à Carta Capital, Paulo Roberto Padilha, um dos diretores do Instituto Paulo Freire, fala sobre a crise atual, os ataques bolsonaristas e conservadores ao autor e a educação brasileira.

O desafio/Estadão (19.09)

Leandro Karnal fala sobre a memória de Paulo Freire, criticando a falta de leitura de suas obras para criticar ou defender o autor.

Nita Freire: ‘A curiosidade dos jovens venceu a difamação’, diz viúva de Paulo Freire/O Globo (19.09)

A pedagoga e ex-mulher de Paulo Freire, Nita Freire, fala sobre a memória do autor, perpassa a sua personalidade e a importância de seus escritos em entrevista ao O Globo.

Paulo Freire, 100: uma voz necessária/Folha (19.09)

Sérgio Haddad escreve sobre a atualidade dos escritos de Freire, criticando a atual política educacional, porém afirmando que “Juntos, devemos ‘esperançar'”.

Paulo Freire não era comunista, era crítico, diz biógrafo/Estadão (19.09)

O pesquisador Sérgio Haddad, biógrafo de Paulo Freire, acredita que os ataques que surgiram no governo de Jair Bolsonaro ajudaram a impulsionar a busca por conhecimento sobre o educador.

Em centenário, Paulo Freire ganha aplausos do mundo e silêncio do governo federal/O Globo (19.09)

RIO E BRASÍLIA – Na rotina da roça, Iva Pereira da Silva, ainda criança, não conseguiu ir para a escola. Aprendeu a plantar arroz, feijão, milho e mandioca, a cuidar das galinhas e dos porcos e a criar os três filhos. Só aos 58 anos, completos em 2019, começou a estudar as letras.

Está difícil ‘esperançar’/Estadão (19.09)

No centenário de Paulo Freire, Renata Cafado se utiliza do termo do autor, “esperançar”, para criticar a atual política da educação.

Educador que conviveu 23 anos com Paulo Freire afirma que sua filosofia é crucial para a retomada das aulas/O Globo (19.09)

BRASÍLIA – Amigo de 23 anos de convívio e presidente de honra do Instituto Paulo Freire, Moacir Gadotti afirma que filosofia do maior educador brasileiro, que completaria cem anos neste domingo, é crucial para a retomada das aulas depois do período sem aulas por conta da pandemia.

Centenário de Paulo Freire: Universidade de Columbia, em Nova York, anuncia série de eventos/Correio Braziliense (19.09)

Aos 100 anos, Paulo Freire é atual. Com essa convicção, uma das maiores universidades do mundo, a Columbia, em Nova York, anuncia hoje, no centenário do educador brasileiro, uma série de eventos e incentivos para pesquisa sobre o seu trabalho. “Equidade, educação antirracista, gênero, a preocupação com diferentes camadas de opressão e exploração são temas com muita força na academia atualmente. E foram explorados há muitas décadas por Freire”, diz o professor de Columbia Paulo Blikstein, que é brasileiro.

Brasil tem dívida com Paulo Freire/Opinião O Globo (20.09)

Fabio Campos, Paulo Blikstein, Lívia Macedo, Cassia Fernandez, Raquel Coelho e Tatiana Hochgreb-Hägele escrevem sobre como Paulo Freire foi recusado no Brasil, afirmando que “É preciso compensar a dívida histórica que o Brasil tem com Paulo Freire. Mais do que nunca, é hora de reler e praticar a filosofia de Freire na escola brasileira, garantindo que o patrono de nossa educação não seja expurgado, mas celebrado intensamente.”

https://open.spotify.com/episode/51FBl2jMuEw3gNlwJFcHZh?si=gYVii_CkTKeBusq0AG2aCA&dl_branch=1

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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