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Acervo Temático: Casamento Precoce
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Acervo Temático: Casamento Precoce

O tema do casamento precoce não é novo, assim como também não é um problema exclusivamente brasileiro. Meninas do mundo todo constituem união antes de completar 18 anos, ou para escapar de vulnerabilidades sociais e econômicas, ou em razão de rituais culturais tradicionais. Quais são os impactos do casamento precoce na vida de meninas e mulheres? O casamento precoce é ou não um problema relacionado ao gênero? Quais são as proteções judiciais e legislativas para este problema? Essas são algumas das perguntas que buscaremos investigar neste Acervo Temático.

O casamento precoce é definido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, em Inglês) como casamentos formais ou informais – quando, por exemplo, o casal mora na mesma casa mas não oficializou a união junto às autoridades – entre uma criança menor de 18 anos e um adulto ou outra criança. Apesar de não ser um problema de gênero à primeira vista, no Brasil, em mais de 94% dos casos o casamento infantil envolve uma menina. É por conta disso que a Organização das Nações Unidas incluiu a eliminação dos casamentos prematuros nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, Agenda 2030, dentro do eixo “Igualdade de Gênero”, que busca erradicar a violência de gênero e empoderar mulheres e meninas.

De acordo com a UNICEF, o casamento precoce é resultado da desigualdade de gênero. Dados da organização apontam que a chance de um menino se casar antes dos 18 anos é de um sexto em comparação com as meninas. O problema, contudo, é multifacetário, pois inclui em sua causa vulnerabilidades econômicas e sociais somadas a padrões culturais.

Meninas em condições de extrema pobreza, por exemplo, são mais propensas a formalizar a união antes dos 18 anos do que meninas de classe média e alta. É, portanto, também um problema de classe. No Brasil, se pensarmos que negros são 75% entre os mais pobres, trata-se também de um problema de raça. Esta é a complexidade do tema.

A UNICEF chama nossa atenção para a raiz do problema, que varia de país para país. Entre os elementos elencados pela organização estão: pobreza, falta de oportunidades educacionais e acesso precário ao sistema de saúde. Além disso, pais e familiares muitas vezes acreditam que esta é uma forma de proteger o futuro das crianças, além de oferecê-las para o casamento como uma forma de reduzir o fardo econômico. A questão envolve ainda um outro problema, em algumas culturas ou religiões o sexo só é permitido dentro do casamento, levando adolescentes a se casarem. Da mesma maneira, a gravidez infantil é uma das motivações para que a união ocorra. Outras condições, como o abuso sexual dentro de casa, violência doméstica e relação com pais dependentes também influenciam nas taxas do casamento infantil.

O impacto deste tipo de união varia de acordo com o país. Especialistas argumentam que o casamento precoce aumenta a chance de gravidez, de violência doméstica (física, psicológica e sexual), evasão escolar e impedem o rompimento da condição de pobreza. Meninas acabam sobrecarregadas pelos afazeres no âmbito doméstico e, muitas vezes, se isolam dos seus ciclos de amizades e familiares. Isto confere a elas desvantagens sociais, limitando suas trajetórias educacionais e profissionais.

No Brasil, em 2019, mais de 80.000 meninas se casaram oficialmente. Dentre elas, 169 tinham menos de 15 anos de idade, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, um estudo do Ministério da Saúde indica que 1 em cada 4 mulheres de 20 a 24 anos em 2006 se casaram antes dos 18 anos. São números alarmantes, que conferem às mulheres brasileiras posições de desigualdades e um ciclo de permanência das suas vulnerabilidades. O Brasil é o quarto país do mundo com mais casamentos infantis, atrás apenas da Índia, Bangladesh e Nigéria. Ainda não se sabe o impacto que a pandemia de Covid-19 teve no casamento precoce, mas dados da UNICEF sugerem que meninas se casaram com mais frequência devido à crise econômica decorrente das medidas de contenção ao vírus.

A legislação brasileira sobre o tema veio de forma tardia. O Código Penal autorizava, até 2019, a união formal de menores de 16 anos com autorização dos pais. Além disso, permitia-se o casamento em caso de gravidez ou para evitar persecução judicial. Antes da Lei Nº 11.106/2005, o inciso VII e VIII do Código Penal extinguia a punibilidade “pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes” e “pelo casamento da vítima com o terceiro, no crimes referidos no inciso anterior, se cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 dias a contar da celebração pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes de costume”. Dentre os crimes contra os costumes está o estupro, o que significa que a lei extinguia a punibilidade do agressor nos casos de casamento. Na prática, isso levava ao casamento com menores de idade para fugir da punibilidade do crime. Nesse sentido, a Lei Nº 11.106/2005 foi um avanço, embora tardio, na legislação brasileira.

Mais recentemente, em 2019, foi sancionada a Lei 13.811/19. Esta Lei altera o Código Civil, inserindo o Art. 1.520, dispondo que “Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código”. O Art. 1.517 citado pela nova Lei diz respeito ao casamento entre maiores de 16 anos, mediante autorização de ambos os pais ou de seus representantes legais. Isso significa que a Lei proibiu o casamento de menores de 16 anos, mesmo com a autorização expressa dos pais e em caso de gravidez. Cabe notar que, no Brasil, a maioridade civil é atingida aos 18 anos.

No cenário internacional, em 1962, foi criada a Convenção sobre Consentimento para o Casamento, instituída no Brasil a partir do Decreto Nº 66.605/1970.  Esta Convenção busca prevenir os casamentos forçados, além de obrigar os Estados a legislarem sobre a idade mínima para o casamento. Ademais, alguns trâmites, como a oficialização do casamento perante autoridade jurídica e a presença de testemunhas, foram instituídos.

Além deste, a Convenção sobre os Direitos da Criança, Decreto Nº 99.710/1990, institui os direitos das crianças e assegura que seus direitos fundamentais sejam respeitados. Dessa maneira, acredita-se que tal Convenção impede, também, o casamento forçado. Já a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, Decreto Nº 4.377/2002, dispõe que “Os esponsais e o casamento de uma criança não terão efeito legal e todas as medidas necessárias, inclusive as de caráter legislativo, serão adotadas para estabelecer uma idade mínima para o casamento e para tornar obrigatória a inscrição de casamentos em registro oficial.”. Assim, a Convenção obriga os Estados-Parte a legislar sobre a idade mínima para o casamento.

Um importante marco legal dos direitos da criança é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Inspirado na Convenção sobre os Direitos da Criança, o ECA institui os direitos básicos das crianças e adolescentes, oferecendo proteção legal a eles e o devido gozo de direitos fundamentais. Podemos argumentar que o casamento precoce fere os princípios e os direitos expressados pelo ECA, pois impede o pleno desenvolvimento, o acesso ao lazer e à educação. Mesmo não citado explicitamente, o casamento precoce fere direitos de crianças e de adolescentes ao privá-los do pleno desenvolvimento, bem como contribuir para a evasão escolar e sobrecarga de tarefas domésticas que passam a ser desempenhadas no ambiente familiar.

Vemos que um tema tão complexo e multifacetado vem recebendo maior atenção. Mas, é nítido que os esforços da esfera internacional e da nacional ainda não foram o suficiente para acabar com a prática de casamento infantil, que relega à menina e à mulher uma condição de dominação e de vulnerabilidade, perpetuando o ciclo da pobreza. Cabe ao poder público fiscalizar e combater a prática, sobretudo da união informal, que é mais difícil de ser fiscalizada por não ser oficializada junto ao poder público.

Senado aprova lei para dificultar o ‘casamento infantil’: a alteração legislativa é necessária?/Gazeta do Povo (28.02.2019)

“O Senado aprovou, no último dia 19, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 56/2018, que propõe alterar o Código Civil para proibir o casamento de indivíduos menores de 16 anos. O objetivo da lei é impedir a antecipação do casamento motivado pela gravidez na infância ou adolescência. O projeto em questão já havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados e agora aguarda a sanção presidencial.”

Sancionada lei que proíbe casamento antes dos 16 anos de idade/Agência Câmara de Notícias (15.03.2019)

“Foi sancionada a lei que altera o Código Civil e proíbe o casamento de menores de 16 anos de idade (Lei 13.811/19). O código permitia o casamento de menores de 16, desde que autorizado pelos pais, para evitar cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.”

Casamento infantil e suas consequências/Childhood (12.03.2020)

“Estabelecida pela Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), assinada pelo Brasil em 1990, a definição internacional de casamento infantil é qualquer união formal ou informal antes dos 18 anos de idade. A prática, considerada uma violação dos direitos humanos, é comum em países de todo o mundo e afeta, principalmente, meninas.”

Casamento infantil no Brasil: parem de apagar a infância de nossas meninas/ConJur (13.01.2021)

“Desigualdade começa na infância. Não por acaso, os escritos de mulher nesta coluna já apontaram para a importância da construção da proteção jurídica a crianças e adolescentes a despeito do descompasso entre norma e realidade, bem como para a infância interrompida em decorrência da violência sexual e posterior negativa ou obstacularização do direito ao aborto seguro.”

Casamento infantil: quais as consequências dessa prática?/Politize (26.07.2021)

“As uniões precoces e o casamento infantil representam uma problemática que levanta inúmeras discussões, em especial, sobre a proteção dos direitos das crianças e adolescentes.”

Proibido para meninas menores de 16, casamento precoce é naturalizado no Brasil/Folha (13.12.2021)

Matéria da Folha entrevista especialistas e mulheres que se casaram antes dos 18 anos para tratar do tema do casamento precoce no Brasil.

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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