No último dia 10 de setembro, o mundo voltou seus olhos para uma causa de profunda importância: o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. A data, relembrada anualmente, é organizada pela Associação Internacional de Prevenção ao Suicídio (International Association for Suicide Prevention – IASP) e endossada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ela busca destacar o compromisso global com o combate à mortalidade por suicídio e ser uma oportunidade de discutir o tema, refletindo sobre os tabus e preconceitos que o permeiam.
No Brasil, essa conscientização expandiu-se ainda mais, transformando-se no “Setembro Amarelo”, um mês dedicado a amplas campanhas e atividades voltadas para a prevenção ao suicídio. Tais iniciativas, promovidas tanto por associações médicas quanto por organizações da sociedade civil, enfatizam a necessidade de diálogo e de apoio à saúde mental.
Neste Acervo Temático, vamos abordar como governos podem agir para prevenir o suicídio e quais as melhores práticas para combater esse fenômeno tão sério e triste.
Mas, afinal, o que é o suicídio e a sua prevenção?
Todos os anos, mais de 700 mil pessoas tiram a própria vida em todo o mundo, um número que pode estar subestimado, já que problemas como o estigma, a criminalização e a subnotificação podem prejudicar o registro de casos. Estimativas indicam ainda que para cada morte ocorrem cerca de 20 tentativas, enquanto outros milhões enfrentam pensamentos e comportamentos suicidas.
O trauma do suicídio reverbera muito além da vítima, causando ondas de dor e luto entre familiares, amigos e comunidades inteiras. A consequência emocional dessa perda pode, muitas vezes, desencadear uma série de outras complicações, incluindo trauma psicológico e predisposição ao suicídio entre aqueles próximos à vítima.
Em seu livro “O suicídio e sua prevenção”, José Manoel Bertolote, médico psiquiatra, professor e uma das maiores referências no Brasil e no mundo sobre políticas de prevenção ao suicídio, destaca que o suicídio representa o ápice do sofrimento humano. Ele não só evidencia a agonia extrema vivida pelo indivíduo, mas também deixa um rastro de dor permanente e questionamentos torturantes para aqueles que ficam[1].
Segundo a OMS, múltiplos fatores, incluindo sociais, psicológicos e culturais, podem convergir e amplificar o risco de comportamentos suicidas. No entanto, um obstáculo significativo no enfrentamento desse desafio é o estigma associado ao suicídio.
Esse estigma cria barreiras silenciosas, fazendo com que muitas das pessoas em sofrimento se sintam alienadas, julgadas e, consequentemente, relutantes em buscar a ajuda vital que necessitam.[2]
Segundo Neury José Botega, médico psiquiatra, professor e outra grande referência do tema no Brasil, falar em prevenção ao suicídio, “significa acreditar que é possível oferecer aos indivíduos outras possibilidades de enfrentamento das dificuldades que os levam a buscar, nesse ato fatal, uma espécie de solução para o seu sofrimento.”[3]
O que defende a Organização Mundial da Saúde?
Os primeiros esforços de prevenção ao suicídio datam do início do século XX, quando diversos países no Ocidente ainda criminalizavam ou penalizavam as vítimas. Esses esforços se baseavam em princípios religiosos e filantrópicos, e eram organizados por grupos não governamentais. No entanto, tais esforços tinham alcance e recursos limitados, além de não produzirem dados que permitissem sua avaliação.
Foi apenas no final da década de 1980 e início da década de 1990 que se consolidou a abordagem do suicídio como uma questão de saúde pública e capaz de ser prevenida. Neste momento, começam a surgir as primeiras Estratégias Nacionais de Prevenção ao Suicídio (ENPS), que passam a ser defendidas pela OMS como modelo de ação governamental para enfrentar o problema.
Em 2014, a OMS publicou seu primeiro relatório global focado no tema, intitulado “Prevenindo o suicídio: um imperativo global“, visando reforçar a urgência de tratar a prevenção do suicídio como uma questão central de saúde pública. O documento não apenas sublinhou a necessidade de elevar a prevenção do suicídio ao patamar de prioridade global, mas também incentivou os países a desenvolverem ou fortalecerem suas estratégias nacionais de prevenção, adotando uma abordagem de saúde pública multissetorial.
O relatório de 2018, “Estratégias Nacionais de Prevenção ao Suicídio: progresso, exemplos e indicadores“, dá destaque ainda maior ao papel da liderança governamental e coordenação nacional, reconhecendo sua capacidade única para monitorar, coletar e orientar informações estratégicas para ações efetivas. Segundo a OMS,
“Uma estratégia nacional de prevenção do suicídio indica o compromisso claro de um governo em priorizar e combater o problema do suicídio. Ao mesmo tempo, fornece liderança e orientação sobre as principais intervenções de prevenção ao suicídio baseadas em evidências e o que deve ser priorizado.”
A OMS atualmente promove a iniciativa “LIVE LIFE” (VIVA A VIDA, em tradução literal), uma metodologia proposta pela organização “para iniciar a prevenção do suicídio, para que os países possam aprofundá-las a fim de criar uma estratégia nacional abrangente de prevenção do suicídio”.[5] Essa abordagem aponta quatro intervenções chave, eficazes e baseadas em evidências:
- limitar o acesso à métodos letais;
- orientar a mídia para uma cobertura cuidadosa e responsável do suicídio;
- desenvolver habilidades socioemocionais em adolescentes, preparando-os para os desafios da vida; e
- identificar antecipadamente, avaliar, tratar e acompanhar qualquer pessoa afetada por comportamentos suicidas.
Conclusão
Mesmo enfrentando diversos obstáculos como o tabu e o estigma, a implementação de ENPS tem rendido resultados promissores: nas últimas duas décadas a taxa global de mortalidade por suicídio tem apresentado uma tendência de queda, associadas principalmente à crescente preocupação dos governos em enfrentar o problema através de políticas públicas. No Brasil, as iniciativas ainda são incipientes e o país nunca produziu uma ENPS própria, enquanto as taxas nacionais têm mantido uma tendência de crescimento na contramão do cenário global. Nesse contexto, se tornam urgentes esforços para enfrentar o problema no país de forma séria e baseada em evidências.
“Não falar sobre suicídio é colocar o problema embaixo do tapete e sermos surpreendidos de tempo em tempo por um suicídio poderia ter sido evitado. Falar sobre suicídio com sensibilidade, com o auxílio de várias fontes de conhecimento, de várias visões sobre esse fenômeno tão complexo é aumentar as chances de reflexão e aumentar a possibilidade de encontrar saídas para angústia, para o sofrimento, que não seja via do suicídio.” (Dr. Neury José Botega)
Se você enfrenta pensamentos ou comportamentos suicidas, ou conhece alguém que apresente algum sinal, saiba onde buscar ajuda:
- CAPS e Unidades Básicas de Saúde (Saúde da família, Postos e Centros de Saúde)
- UPA 24H, Corpo de Bombeiros 193, SAMU 192, Pronto Socorro e Hospitais
- Centro de Valorização da Vida – CVV 188 (ligação gratuita)
[1] BERTOLOTE, José M. O suicídio e sua prevenção. São Paulo: Editora Unesp. 2012.
[2] Organização Mundial da Saúde. National suicide prevention strategies: progress, examples and indicators. Switzerland, 2018. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/national-suicide-prevention-strategies-progress-examples-and-indicators
[3] Botega, N. J., Werlang, B. S. G., Cais, C. F. da S., & Macedo, M. M. K.. Prevenção do comportamento suicida. Psico, [s. l.], v. 37, n. 3, 2006. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/1442.
[4] Organização Mundial da Saúde. Preventing suicide: a global imperative. Geneva, 2014, p. 56. Disponível em https://www.who.int/publications/i/item/9789241564779
[5] Organização Mundial da Saúde. LIVE LIFE: An implementation guide for suicide prevention in countries. Geneva: World Health Organization, 2021. Disponível em: https://www.who.int/publications-detail-redirect/9789240026629.