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A resenha: Uma vida – a história de Nicholas Winton

A resenha: Uma vida – a história de Nicholas Winton

 No ano de 1938 um jovem corretor da bolsa de valores de Londres visitou, a convite de um amigo, a cidade de Praga e viu de perto o desespero e o desolamento de inúmeras famílias que fugiram da região dos Sudetos, norte do país, para a capital da então Tchecoslováquia, peça-chave nos desdobramentos que levariam à Segunda Guerra Mundial. Esse jovem era Nicholas Winton, uma pessoa comum, ordinária, que simplesmente se recusou a ficar inerte diante do sofrimento alheio.

Uma vida – a história de Nicholas Winton é um relato extraordinário sobre um homem comum, que diante do horror resolveu colocar-se em risco e transformar algo que parecia impossível em realidade. Aliás, esse era seu lema, fazer daquilo que parece ser impossível, possível.

Quando visitou Praga, Nicholas Winton ficou chocado com os efeitos brutais que a iminente guerra já causava aos inocentes, principalmente às crianças, que sempre são uma das maiores vítimas da bestialidade do conflito. Os movimentos de Hitler no pré-guerra pela Europa já escancaravam suas ambições de expansão e conquista, desde a anexação da Áustria. A crise dos Sudetos foi praticamente o estopim, que levaria em pouco tempo ao ataque à Polônia. Assim, mesmo sem ter começado a guerra, os nazistas já provocavam o deslocamento de inúmeras pessoas.

Nicholas Winton ficou horrorizado com o sofrimento das crianças, desamparadas no frio e com fome, empilhadas em campos de refugiados na cidade de Praga. Ao ter contato com isso, resolveu ajudar o Comitê Britânico para Refugiados na Tchecoslováquia, atuando junto à burocracia do Reino Unido para tentar trazer o maior número possível de crianças para o país e, assim, salvá-las dos nazistas. Nicholas Winton, com a ajuda de sua mãe e de uma rede de pessoas, conseguiu salvar 669 crianças nesse período. Durante a guerra, cerca de 15 mil crianças foram para os campos de concentração nazistas na Tchecoslováquia. Menos de 200 sobreviveram.

Assim, a história do feito heroico de Nicholas Winton é contada tanto sob a perspectiva do decorrer dos acontecimentos no período do início da guerra, como em sua velhice, mais de trinta anos depois, na década de 1980. Aliás, o filme começa com um Nicholas Winton já idoso, contando as moedinhas que conseguiu coletar para ajudar idosos em asilos durante o governo de Margareth Tatcher, que visivelmente parecia desagradá-lo. Winton, interpretado pelo magistral Anthony Hopkins em sua velhice, parece viver atormentado pelo passado. Normalmente, um homem que fez o que fez, poderia vangloriar-se por seus atos de bravura e compaixão. Mas, Winton viveu atormentado com as lembranças das crianças que não pôde salvar. Aliás, passou a sua vida em silêncio, sem contar para ninguém o que havia feito. A sua história só se tornou conhecida graças ao interesse que um programa de televisão comum e algumas outras pessoas tiveram em relação ao seu scrapbook, uma espécie de livro de recortes em que guardava as fotos das crianças que salvou e as que não salvou, assim como também alguns documentos. Nesse sentido, o jovem diretor britânico James Hawes fez uma escolha feliz, ao dividir a história de Winton entre esses dois momentos, o da descoberta pelo mundo dos seus feitos em sua velhice “silenciosa” e o calor dos momentos tensos em que lutou para salvar o máximo de crianças que fosse possível. O jovem Winton é, inclusive, vivido pelo excelente e promissor ator e cantor britânico Johnny Flynn, que retrata com intensidade um homem que conseguiu sentir a dimensão do horror que a estupidez da guerra proporciona ao destruir a vida de tantos inocentes, que nada fizeram para tanto sofrer. Winton, aliás, era, coincidentemente, filho de uma família de origem alemã judia, que havia sofrido com as guerras do passado e teve que fugir para poder sobreviver, erradicando-se no Reino Unido.

Deste modo, o jovem destemido e corajoso Winton intercala as cenas com o idoso atormentado que, de alguma forma, busca se reconciliar com seus feitos do passado. A cena mais emocionante do filme talvez seja conhecida por muitos, que podem já ter a visto em algum reel de instagram ou em algum momento no tik tok, sem ter a dimensão do que aquilo tudo realmente foi. O momento em que Winton reencontra as já crescidas crianças que salvou num programa da BBC é famoso, porém certamente desconhecido em relação ao que ele significou e ao que ele ainda representa hoje. Vale aqui dizer que James Hawes explorou bem a forma sensacionalista que tentaram dar à história de Winton quando ela foi contada nos anos 1980, trazendo certa ambiguidade para os reais interesses daqueles que “ajudaram” o velho benfeitor a se reconciliar consigo mesmo e a contar ao mundo o seu ato de extrema humanidade.

De qualquer maneira, Uma vida – a história de Nicholas Winton não é apenas mais um filme sobre a segunda guerra mundial. Muito pelo contrário, ele é um filme atemporal, sobre nós, que nos conta que num mundo tão cruel e brutal, capaz de matar as suas crianças da maneira mais estúpida possível, ainda existem pessoas que conseguem pensar, sentir e agir de forma a reconstituir a fé naquilo que temos de melhor. Em tempos de ascensão da extrema-direita pelo mundo e do recrudescimento dos discursos racistas, xenófobos e preconceituosos, conhecer a história de Winton é acreditar que nós ainda temos esperança. Sua história, afinal, não é sobre um herói ou alguém simplesmente especial, mas sim de que pessoas comuns são capazes de fazer o bem, de que pessoas ordinárias, incrivelmente ordinárias, são capazes de carregar dentro de si e de seus atos o tamanho de toda a nossa humanidade. O telespectador pode se perguntar por qual motivo ele fez tudo que fez; talvez a resposta possa estar em algum lugar dentro de cada um de nós.

 

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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