Se você, assim como eu, costuma usar o transporte público diariamente, provavelmente já viu alguém lendo Torto Arado. A nova sensação da literatura brasileira foi vencedora do Prêmio Jabuti de Melhor Romance de 2020.
A história do romance se centra na vida de Zeca Chapéu Grande e Salusitana, pais de Belonísia e Bibiana. Composto de capítulos curtos, o livro já se agarra em você logo nas primeiras páginas. Com um encanto lírico, o autor descreve um acidente que une as duas irmãs para sempre.
Embora as duas primeiras partes do livro, Fio de Corte e Torto Arado, não deixe claro onde se passa o romance, alguém com um breve conhecimento da zona rural do Brasil consegue adivinhar. Com os jarê, encantos, e misticidade, logo nos damos conta que se trata de uma comunidade quilombola.
Zeca Chapéu Grande é o líder desta comunidade, curandeiro, diplomata, que cuida de sua família e a de seus compadres. Já Salu é a parteira do local. Uma importante personagem do livro é ainda pouco trabalhada nessas duas primeiras partes: a mãe de Zeca, Donana.
Belonísia e Bibiana estão ligadas pelo resto da vida, a ponto de que uma se torne a voz da outra, mesmo que possuam trajetórias fundamentalmente distintas. Aliás, muito embora os temas sociais permeiem o livro, não são explicitados de maneira clara logo nas primeiras páginas. É só com o marido de Bibiana que eles são discutidos com mais clareza.
Escrito pelo baiano Itamar Vieira Junior, este realismo fantástico, gênero tão bem trabalhado por outros autores da América do Sul, como Gabriel García Márquez, poderia deixar a parte do fantástico mais presente. Mas, apesar disso, não há nenhuma perda em não explorar ainda mais o gênero.
“Sofrer, esse sentimento difícil de exprimir e rejeitado por todos, mas que unia de forma irremediável seu povo”. Com uma frase do livro, podemos resumir que ele trata de uma memória coletiva: a memória coletiva do povo negro quilombola, que viram seus direitos serem recusados recorrentemente na história de nosso país. Tantos esses que são descendentes de escravos, que os avós foram os primeiros a nascerem livres, mas tiveram acesso negado à terra e foram submetidos novamente a um padrão de produção escravocrata.
A família que vive na fazenda de Água Negra sofre, assim como seus companheiros, com a falta de uma moradia segura, trabalham em troca de um pedaço de terra, não recebem salário, tampouco conseguem efetivar seus direitos sociais.
É com sutileza que temas sociais vão sendo tratados no livro. Em uma parte, há a história de Donana e do objeto que causou o acidente a Belonísia e Bibiana, momento que deixa latente o tema de gênero. Mas não é apenas a esse momento que se restringe o tema.
Temos também a importância da ancestralidade e da religião para o povo de Água Negra. Sem acesso à saúde, por exemplo, o curador Zeca Chapéu Grande é o responsável por cuidar da saúde de seu povo.
Através do livro podemos entender – embora seja apenas uma faceta – de que forma se organizam os Quilombos, assim como podemos compreender a história e a importância dessas comunidades.
Como já mencionado, a escrita é envolvente, com capítulos curtos e de fácil leitura. Embora não se trate de um texto de difícil compreensão, o leitor precisa ter certa maleabilidade para apreciar a parte fantástica do livro.
Dentre tantos livros best-seller, Torto Arado vai surpreender, com uma narrativa bela e um lirismo envolvente. A questão é saber se você quer finalizar o livro e receber sua totalidade ou fazer uma leitura que demore a acabar para poder apreciar mais um pouco.
Ficha Técnica:
Autor | Itamar Vieira Júnior |
ISBN | 9786580309313 |
Título | Torto Arado |
Editora | Todavia |
Idioma | Português |
Número de Páginas | 264 |
País de Origem | Brasil |
Edição | 1 |