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A Resenha: One Love – Bob Marley

A Resenha: One Love – Bob Marley

Robert Nesta Marley, ou melhor, Bob Marley nasceu em 1945 e faleceu precocemente aos 36 anos, vítima de um câncer de pele, em 1981. A curta, porém, riquíssima, complexa e extraordinária trajetória daquele que foi considerado o maior pop star do terceiro mundo foi abordada no filme biográfico One Love (2024), dirigido por Reinaldo Marcus Green e estrelado pelo jovem ator inglês Kingsley Ben-Adir no papel de Marley.

One Love é um belo e bem executado filme biográfico, mas que sofre as críticas de quase todos os longas do gênero, por sempre deixar algo de fora ou não tratar o biografado de uma maneira ou outra. Assim como em Bohemian Rapshody, que contou a história do lendário vocalista do Queen, Freddie Mercury, One Love não deixa de ser um ato de amor e respeito ao eterno pai do reggae. Nesse sentido, imaginar algo diferente seria difícil, pois o filme foi produzido pelos filhos Ziggy Marley, Cedella Marley e a viúva e parceira musical de Bob, Rita Marley. Desta forma, se o filme sobre Mercury recebeu justamente a crítica de ser apenas uma espécie de homenagem ao cantor, sobre Bob Marley podemos dizer algo parecido. Contudo, qual seria realmente o problema disso? Críticos disseram que no filme sobre Freddie trataram de maneira muito suave o lado mais polêmico da vida do cantor. Mas, pensemos. Num espaço tão curto de quase duas horas, como retratar tantas coisas sobre figuras tão fantásticas e extraordinárias como foram, cada um ao seu jeito, Mercury e Marley? Por qual razão focar-se naquilo que não interessa no fundo a ninguém, a não ser àqueles que gostam de fofocas e polêmicas. Freddie e Bob eram tão humanos quanto qualquer um de nós, portanto cheios de contradições e dificuldades na vida. Não seria mais importante tratar daquilo que os fizeram extraordinários e até hoje lembrados? Ou melhor, abordar aquilo que até hoje inspira as pessoas a tê-los presentes em suas vidas.

Assim, feliz foi a escolha em One Love de transmitir uma parte da vida de Bob Marley como uma espécie de mensagem de amor. Nada melhor do que esse sentido para um cantor e compositor que passou boa parte da sua vida tentando fazer da sua trajetória uma mensagem de paz, união e liberdade.

One Love aborda a vida de Marley a partir de sua ascensão e da composição do famoso e importantíssimo álbum Exodus, considerado um dos mais relevantes do século XX na história da música. Paralelamente, mostra o quanto o cantor jamais abandonou suas raízes humildes na Jamaica e o quanto sua vida esteve interlaçada com a política jamaicana sem que ele, na realidade, isso quisesse. Marley tornou-se uma das pessoas mais importantes da pequena ilha de origem colonial britânica, sendo sua referência mundial até os dias atuais.

Outro ponto forte do longa são as músicas executadas em determinados momentos importantes da vida de Marley. Apesar do pouco tempo de vida, seu legado musical é realmente espetacular e primoroso. Suas letras de cunho político são poderosas, inteligentes e completamente atuais. Talvez sejam mais bem descritas como universais, pois falam de liberdade, opressão e luta, coisas que caminham com a humanidade. De qualquer maneira, sem expressamente querer ser ativista, mas muito mais um arauto, Marley tornou-se um dos mais importantes pacifistas da história, principalmente se levarmos em consideração o poder de sua influência e o seu grito de liberdade voltado para aqueles que sempre estiveram à margem. Influenciado e seguidor da religião rastafari, Marley praticamente se tornou a figura mais importante desse movimento cultural e religioso de origem judaico-cristã afrocêntrico no mundo.

Marley, que recebeu da ONU no ano de 1978 a Medalha da Paz do Terceiro Mundo, sofreu um atentado que quase tirou a sua vida e a da sua esposa. Mesmo diante desse triste e violento momento, inserido num contexto de quase guerra civil que a Jamaica passava, ele jamais respondeu com ódio ou beligerância. Manteve-se crítico aos usos políticos que dele tentaram fazer, mantendo-se firme na sua proposta de ser um mensageiro da palavra de Jah; isto é, uma palavra de amor e paz. Nesse ponto, outro tema forte do filme foi mostrar, mesmo diante dos preconceitos e estereótipos que grande parte das pessoas possuem em relação a Bob Marley e ao rastafarianismo, que o rastafari é um movimento sério, culturalmente construído de uma maneira complexa e tão importante quanto qualquer religião do planeta. A maconha, presente no filme em diversos momentos, mas em nenhum momento sequer citada nominalmente, é algo que faz parte de uma tradição ritualística e não qualquer outra coisa em qualquer outro sentido.

O filme é, além disso tudo, lírico, ao tratar com delicadeza e de maneira metafórica os temas mais íntimos da vida de Bob. Isto é, sua relação de rejeição com o pai branco que nunca o quis, ou melhor, nunca o amou, sua cumplicidade para com seus companheiros de música e sua parceira de vida, Rita Marley, muito bem interpretada pela promissora e extremamente expressiva Lashana Rasheda Lynch. Aliás, vale aqui a nota sobre a interpretação de Kingsley Ben-Adir, que está muito bem no papel de Bob Marley.

Por fim, One Love é uma grande mensagem sobre um homem que por tão pouco tempo viveu, mas que tanto deixou. Assim como Mandela, Martin Luther King, Mahatma Gandhi, Bob Marley nos deixou uma lição de paz, mas também nos alertou que até que a filosofia que mantém uma raça superior e outra inferior seja finalmente e permanentemente desacreditada e abandonada, em todo lugar haverá guerra, até que não existam cidadãos de primeira e segunda classe em qualquer nação, até que a cor da pele de um homem não seja mais significante do que a cor dos seus olhos, até que os direitos humanos básicos sejam igualmente garantidos a todos, sem discriminação de raça, até esse dia, o sonho de paz duradoura, cidadania mundial, regras de moralidade internacional permanecerão como ilusões fugazes a serem perseguidas e haverá guerra[1].

[1] Trecho retirado da canção War, composta por Bob Marley para o álbum Rastaman Vibration de 1976. Traduação livre.

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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