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A Resenha: O Velho Está Morrendo e o Novo Não Pode Nascer
Imagem Destacada A Resenha Nancy Fraser

A Resenha: O Velho Está Morrendo e o Novo Não Pode Nascer

O velho está morrendo e o novo não pode nascer; neste interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece”. A frase de Gramsci, inspiração do título do livro, exemplifica, para Nancy Fraser, o momento que vivemos atualmente. A filósofa, consagrada pelos seus escritos sobre a teoria do reconhecimento e sobre feminismo, embarca em uma análise sucinta, mas precisa da crise política global.

Fraser parte do pressuposto de que a crise global multifacetada (política, econômica, social etc.), com características objetivas e subjetivas, é uma crise de hegemonia. A hegemonia aqui é entendida enquanto um conceito gramsciano, em que a classe dominante faz com que a dominação pareça natural. Partindo dos conceitos de distribuição e reconhecimento, a autora compreende que, antes de Trump, havia nos Estados Unidos uma hegemonia do neoliberalismo progressista. Este conceito abarca, por um lado, a hegemonia neoliberal financista, que diminuiu a qualidade de vida da população e, de outro, as ideias liberais – como o feminismo, pautas LGBTQIA+ e o antirracismo. O neoliberalismo só teria triunfado, nesse sentido, pois foi “reembalado” com pautas progressistas.

Cabe ressaltar, entretanto, que essa pautas liberais, dentro do neoliberalismo progressista, são extremamente meritocráticas, voltadas “para garantir que indivíduos ‘merecedores’ de ‘grupos sub-representados’ possam alcançar posições e estar em pé de igualdade com homens brancos e heterossexuais de sua própria classe” (FRASER, p. 42). A crítica da autora se centra, portanto, no fato de que a pauta do neoliberalismo progressista não buscava mudanças estruturais, apenas individuais.

Para conseguir se tornar hegemônico, o neoliberalismo progressista teve de enfrentar os remanescentes do New Deal e o neoliberalismo reacionário, em que “o verdadeiro projeto econômico do neoliberalismo reacionário centrava-se no fortalecimento das finanças, da produção militar e da energia não renovável, tudo isso em benefício, principalmente, do 1% global” (FRASER, pp. 45).

O bloco hegemônico não olhava para as classes industriais, nem dava impulsos aos movimentos antineoliberais, como o Occupy Wall Street. É a partir dessa recusa que dois atores surgem com força na corrida eleitoral de 2016, representando uma crise de autoridade política: Donald Trump e Bernie Sanders. Ambos os candidatos propunham uma política populista de distribuição, mas diferiam fortemente no reconhecimento de suas propostas. Trump apostou no sentimento anti-imigração, racista e homofóbico, enquanto Sanders se apoiou em pautas antirracistas, reforma da justiça criminal, direitos LGBTQIA+, entre outros. Assim, Trump seria o expoente do populismo reacionário e, Sanders, do populismo progressista.

A autora chama a atenção que, uma vez eleito, Trump empregou uma política financista, para o 1% mais rico, abandonando o populismo de sua candidatura. Nota-se que a ideia de “populismo” para Fraser se baseia em premissas econômicas, políticas e sociais, não se tratando de um fenômeno bom ou ruim. Mas é aquela política baseada na redistribuição, com forte empenho das finanças públicas para o desenvolvimento, favorecendo o 99% frente ao 1% dos mais ricos. Isto é, uma economia impulsionada e controlada pelo Estado, com controle da financeirização.

Se de um lado houve esse abandono de Trump em relação à política de distribuição, por outro o presidente uma vez eleito não empenhou uma política reacionária, mas sim hiper-reacionária de reconhecimento, abertamente racista, patriarcal e homofóbica. Além disso, a oposição saiu das eleições de 2016 fragmentada. Havia aqueles que deram ênfase para questões de raça e outros de classe, como se fossem duas lutas antagônicas. “Na realidade, ambos os eixos da injustiça podem ser atacados em conjunto, como de fato devem ser. Nenhum poderá ser superado enquanto o outro florescer” (FRASER, pp. 57).

Mas por que a “Era Trump” não se tornou hegemônica? Ela não é sustentável, pois se a crise nasce contra a política de distribuição neoliberal, não é apenas com o neoliberalismo que ela cessará. Soma-se a isso o fato de que foi o próprio neoliberalismo progressista que criou as condições para que Trump ascendesse ao poder. O que deverá ser feito de acordo com Fraser? Bom, enquanto não há alternativa sustentável para a hegemonia, sintomas mórbidos aparecerão. Apenas o populismo progressista oferece uma alternativa viável e duradoura.

O grande problema é que este populismo deve enfrentar duas cisões: romper com a lógica meritocrática e a condescendência moralizadora do neoliberalismo progressista; e os trabalhadores do Cinturão da Ferrugem devem romper com os cripto-neoliberais. “Um bloco populista progressista deve fazer dessas percepções as suas estrelas-guia. Renunciando à ênfase progressista-neoliberal nas atitudes pessoais, deve concentrar seus esforços nas bases estruturais-institucionais da sociedade contemporânea” (FRASER, pp. 65).

Podemos compreender então que a origem da crise é o estágio atual do capitalismo, que também rege a ordem social. De forma que “resolver a crise objetiva requer uma transformação estrutural importante no capitalismo financeirizado: uma nova maneira de relacionar a economia à política, a produção à reprodução, a sociedade humana à natureza não humana” (FRASER, pp. 68).

Alguns questionamentos surgem a partir da leitura do livro. Mesmo que Sanders, que disputou novamente as primárias do Partido Democrata para se lançar candidato em 2020, não tenha triunfado, parte de suas propostas foram incorporadas pelo presidente Joe Biden durante a sua campanha. Atualmente, Biden encontra resistência no Senado para a aprovação de seus pacotes de infraestrutura e de programas sociais. Apenas um executivo populista é o suficiente? Pensando na divisão de três poderes, qual seria o papel do Legislativo na teoria de Fraser? Fraser não exaure o assunto, não nos apresenta soluções propriamente concretas, mas nos oferece pistas para refletir sobre quais caminhos ou em que caminhos talvez possamos encontrá-las. Fica, então, o convite à reflexão.

SOBRE A AUTORA

Nancy Fraser (Baltimore, 20 de maio de 1947) estudou Filosofia na City University of New York. É titular da cátedra Henry A. and Louise Loeb de Ciências Políticas e Sociais da New School University, também em Nova York. Coescreveu o manifesto “Feminismo para os 99%” (Boitempo, 2019), e é autora, entre outros, de “Fortunes of Feminism: From State-Managed Capitalism to Neoliberal Crisis” (Verso, 2013) e “Capitalism: A Conversation in Critical Theory” (Polity, 2018). Grande apoiadora da Greve Internacional das Mulheres, cunhou a frase “feminismo para os 99%”

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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