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A Resenha: O homem dos sonhos

A Resenha: O homem dos sonhos

Em um misto de comédia, terror e fantasia, O homem dos sonhos é, de longe, um dos melhores trabalhos no cinema do veterano ator Nicolas Cage. A performance que entrega no papel do professor universitário Paul Matthews é realmente primorosa. Talvez Cage seja novamente indicado ao Oscar, que já venceu em 1995 pelo excelente Despedida em Las Vegas. De qualquer maneira, independentemente de Cage, que por si só já vale o filme, a história contada pelo jovem diretor norueguês Kristoffer Borgli é extremamente interessante, inteligente e curiosa.

Paul Matthews é um pacato professor universitário de meia idade, entediado e frustrado, que leva uma vida nada mais do que ordinária entre a sua família e o seu trabalho. Apesar de muito inteligente e competente, não esconde a frustração que sente por não ter o reconhecimento profissional que deseja. Paul, sempre que pode e precisa, afirma e reafirma para todos que possui um doutorado (PhD) e que é professor titular da universidade em que leciona, numa espécie de repetição para si mesmo de que tem valor, mesmo que sinta que não lhe levem a sério. Aliás, sua grande frustração é não ter um editor para que possa publicar o livro sobre a pesquisa que tanto conhece e que tanto anseia em disseminar.

Paul tem um ambiente monótono em sua casa. Sua esposa Janet, interpretada pela ótima Julianne Nicholson (Mare of Eastown e Outsider) parece cumprir um papel protocolar em relação às frustrações do marido e suas duas filhas, que já circundam entre a adolescência, pouco se interessam pelo pai. No fundo, Paul é um homem extremamente chateado; sua monotonia se entrelaça à sua frustração. Esse sentimento é brilhantemente explorado por Nicolas Cage, que demonstra a dor de seu personagem de maneira cômica e patética, fazendo com que logo estabeleçamos um laço de solidariedade para com Paul. Ou seja, não é difícil criar uma empatia com o professor e dele sentir também alguma pena, pois no fundo, Paul sempre esconde o que realmente sente e tenta passar segurança para a sua família.

Contudo, subitamente algo imponderável acontece. As pessoas começam a ver Paul em seus sonhos de maneira massiva. Isto é, gente que nunca havia visto Paul na vida começa a sonhar com ele. Os relatos dos sonhos são dos mais variados possíveis, mas há uma certa regularidade no fato de que Paul é apenas um mero observador passivo nos sonhos das pessoas. O fato de todos estarem sonhando com Paul faz com que ele se torne famoso do dia para a noite e viralize nas redes sociais. O monótono professor, simplesmente do nada e de maneira alheia à sua vontade, se torna uma celebridade.

Nesse aspecto, Kristoffer Borgli soube criar um ritmo interessante para o longa ao nos entreter com as descrições dos sonhos e a figura de Paul em cada um deles. Nisso a história se enriquece com a fantasia da imaginação das pessoas acerca do professor. Obviamente o repentino sucesso de Paul não ficaria imune a interesses mercadológicos de uma sociedade capaz de transformar absolutamente tudo em produto. Paul é, assim, procurado por uma espécie de startup da comunicação para ser simplesmente transformado em garoto propaganda; algo que ele não quer. Desta maneira, mesmo diante de propostas rentáveis, Paul se incomoda com cada uma delas, porque o que lhe interessa é publicar seu livro. Esse é um dos pontos interessantes da história, pois num mundo onde tudo se reifica e se comercializa, ninguém quer ouvir o que Paul tem realmente para dizer. Paul se torna famoso por uma circunstância e não pelo que ele é ou pelo que realmente pode fazer.

Curiosamente, há uma cena que parece dividir o filme em duas partes, como num antes e num depois. Entre todas as pessoas que sonharam com Paul, apenas uma parece ter sonhado com ele de maneira ativa e não somente como um mero observador. Uma funcionária da startup tem sonhos eróticos com o professor. Ela acaba o convidando para seu apartamento para tentar realizar seu fetiche. É um momento engraçado e triste ao mesmo tempo.

Após esse encontro, como ter pesadelos também é sonhar, as coisas começam a mudar de posição para Paul. Ele não mais aparece passivamente nos sonhos das pessoas, mas sim como um assassino e abusador. Ou seja, as pessoas começam a ter pesadelos frequentes com ele numa alegoria clara e explícita ao célebre personagem do cinema clássico de terror Freddy Krueger (A hora do pesadelo). Em alguns sonhos, Paul simplesmente mata e tortura as pessoas, em outros ele abusa delas. De repente a fama dele se transforma num pesadelo pessoal real, pois as pessoas começam a temê-lo. Elas não o querem por perto, sentem medo dele, o rejeitam e praticamente o cancelam completamente. Numa alegoria entre o céu e o inferno que a fama pode ser, Paul vive em poucos dias toda a trajetória de alguém que de totalmente desejado e festejado, passa a ser execrado e condenado. Com isso, sua vida começa a degringolar numa espiral de dolorosos acontecimentos.

De qualquer maneira, O homem dos sonhos é uma alegoria e uma experiência de fôlego, que nos permite refletir sobre diversos aspectos da vida contemporânea e das nossas relações uns com os outros. O que estamos realmente produzindo no mundo? Estamos passando mais tempo entre relações virtuais e virais do que com relações reais? Produtores de conteúdo produzem realmente algo substantivo? O mundo das redes se tornou uma somatória de extensões de egos desesperados por serem notados, desejosos de bodes expiatórios para os próprios problemas, traumas e frustrações?  Num mundo onde tanta gente anseia por dizer algo, ser algo, será que estamos realmente dispostos a ouvir? Aliás, o que será que Paul tinha mesmo para nos dizer?

 

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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