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A Resenha: O Caso Collini

A Resenha: O Caso Collini

Logo após os julgamentos de Nuremberg, no ano de 1946, Karl Jaspers (1883-1969) publicou um ensaio fundamental sobre a culpa de um povo inteiro em relação aos crimes cometidos pelo regime nazista. Diante do horror e da vergonha, o professor de filosofia da Universidade de Heidelberg nos convidou a pensar sobre como um povo pôde ser convencido a fazer o que fez. Refletindo sobre a existência de uma culpa coletiva, Jaspers distinguiu em quatro categorias a própria concepção da culpa: a criminal, a política, a moral e a metafísica. Embora nem todos os alemães pudessem ser julgados legitimamente e juridicamente pelos crimes de guerra, haveria uma cumplicidade implícita de todo povo alemão pelo Holocausto. Jaspers, de maneira corajosa e profundamente lúcida, nos mostrou que somente uma autorreflexão crítica e coletiva é capaz de renovar, reconstruir e reconciliar toda uma sociedade.

É justamente no espírito dessa discussão que O Caso Collini (2019), filme dirigido pelo jovem diretor alemão Marco Kreuzpaintner, gira em torno. Baseado no romance homônimo de Ferdinand von Schirach, publicado em 2011, o longa retrata uma história fictícia, mas que pode ser considerada inspirada em milhões de histórias reais semelhantes ocorridas durante a segunda guerra mundial.

Essa história começa com Fabrizio Collini, interpretado pelo veterano ator italiano Franco Nero (Django Livre), indo visitar Jean Baptiste Meyer, ou melhor Hans Meyer, vivido por Manfred Zapatka, na suíte presidencial de um hotel em Berlim. Fabrizio havia dito para Meyer, um industrial alemão de sucesso, que trabalhava para um jornal e queria entrevistá-lo. Logo ao entrar no quarto, Fabrizio saca uma pistola, coloca Meyer de joelhos, diz algo para ele e o executa. Sem qualquer intenção de fugir, Collini simplesmente desce para o saguão do hotel e informa aos funcionários que o magnata está morto. Ele é preso sem qualquer resistência.

O caso logo ganha repercussão por se tratar do assassinato de um homem rico e poderoso do cenário social alemão. Contudo, como tudo parecia ser simples, pois todos sabiam quem era o autor do assassinato, o poder judiciário alemão nomeia o jovem advogado Caspar Leinen para defender Fabrizio, interpretado pelo bom ator Elyas M´Barek. De um lado, Caspar, inexperiente, sem nunca ter participado de um julgamento público. Do outro lado, na acusação de Fabrizio Collini, tanto o advogado do estado como o de acusação, muito mais experientes que ele, prontos para encerrarem logo o julgamento e condenarem de uma vez Fabrizio.

Entretanto, Caspar não consegue aceitar o fato de não conhecer a real motivação que levou o idoso italiano a matar Hans Meyer. Intrigado e desejoso de saber a verdade, mas também determinado a dar a Collini um julgamento justo, ele vai atrás do passado com o fim de tentar descobrir por qual razão aquele homem não somente teria matado um idoso de mais de oitenta anos, como também simplesmente aceitara seu julgamento e sua condenação, sem resistir, sem nada a dizer e que poderia, inclusive, levá-lo à prisão perpétua.

Enquanto Caspar tenta descobrir o passado de Collini, Richard Mättinger (Heiner Lauterbach), o advogado de acusação e ex-professor de direito penal persuade o jovem advogado a aceitar as condições do julgamento, forçar uma confissão e acabar com tudo o mais rápido possível.

A curiosidade de Caspar, no entanto, não se limita ao seu sentimento de missão profissional, uma vez que não havia qualquer dúvida sobre a autoria do crime, mas sim também ao fato de que Hans Meyer, a vítima, fazia parte da vida dele. O industrial alemão tinha sido um segundo pai para Caspar, pois simplesmente o havia adotado como agregado da família. Ou seja, Fabrizio tinha, na verdade, matado alguém importante para Caspar. Aliás, a neta de Meyer e sua sucessora nos negócios, Johanna Meyer (Alexandra Maria Lara), profundamente abalada com a morte do avô, tinha vivido um romance com o jovem advogado. Desta forma, para Caspar era necessário entender por qual motivo Fabrizio havia feito aquilo. O que realmente Meyer tinha feito contra ele?

Assim, ao pesquisar as origens de Collini, Caspar descobre algo assustador, que muda todo o andamento do julgamento. Hans Meyer havia sido um oficial nazista, que serviu, durante a guerra, em território italiano. A ligação de Meyer com Collini era não só mais antiga do que podiam imaginar, mas também extremamente dolorosa e traumática.

Caspar, ao descobrir o passado sombrio do homem que um dia amou como pai, resolve enfrentar não somente a própria dor e decepção, mas principalmente o evidente desinteresse que encontra por parte dos acusadores de que a história de crimes de Meyer seja escancarada para o público. Aos poucos ele coloca em xeque não somente o julgamento de Collini, mas também o julgamento moral de toda uma nação, que pode ainda não ter assimilado completamente tudo que aconteceu durante o regime nazista e não descoberto por inteiro a dimensão das atrocidades e dos horrores daquele período.

O caso Collini é um excelente filme, que não somente nos leva a uma reflexão sobre até que ponto a culpa por atos tão abomináveis pode atravessar gerações, atormentar filhos e netos daqueles que cometeram os mais inimagináveis atos que ofenderam a dignidade humana, mas como também a dor e a injustiça podem insistir em permanecer em vítimas que parecem nunca ter paz. Talvez a questão da culpa discutida por Jaspers ainda seja uma ferida aberta.

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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