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A Resenha: O Ar Que Me Falta

A Resenha: O Ar Que Me Falta

 

História de uma curta infância e de uma longa depressão

Luiz Schwarcz

 

Antes mesmo da imagem da íris verde do meu pai, minha depressão apareceu como um som. O som das pernas dele, batendo na cama sem parar, no quarto ao lado, onde meu pai penava para dormir. A íris verde, em contraste com a esclera frequentemente umedecida e avermelhada – que enchia de água a bolsa inferior dos olhos, onde as lágrimas ficavam represadas -, passou a ser a sua principal imagem, alguns anos depois do som grave que vazava das paredes, PÁ, PÁ, PÁ, PÁ…Aquele barulho seco – quase o oposto complementar dos olhos molhados -, ele não conseguia esconder ou controlar. Não lembro exatamente quando ouvi o tambor aflitivo pela primeira vez, ou sim, acho que sei, foi também quando me deprimi pela primeira vez. Foi meu primeiro grande susto, ao intuir que não daria conta dos meus deveres de filho único. Naquela ocasião percebi, mesmo sendo bem pequeno, que não conseguiria garantir a felicidade do meu pai, já ciente de que esta seria, para sempre, a mais importante missão da minha vida. Missão em que fracassei por completo.

 

O sobrenome Schwarcz tem um peso enorme no mundo editorial brasileiro. Quem se aventura um pouco pela literatura nacional ou estrangeira, quem já, ao menos, entrou numa livraria, sabe que esse sobrenome é associado diretamente a maior e mais importante editora do país; isto é, a Companhia das Letras. Seu fundador, Luiz Schwarcz, é um respeitado intelectual com trânsito entre as figuras mais ilustres e fundamentais da cultura brasileira. Ter um livro publicado pela Companhia das Letras é sinal de prestígio.

Assim, qualquer um que ouvir o nome de Luiz Schwarcz saberá que estamos diante de um homem de respeitada reputação, sucesso profissional e estatura intelectual. Todavia, ninguém terá a menor ideia do terrível peso, da dificuldade do sentimento de uma depressão profunda com a qual lidou durante a sua vida.

Luiz Schwarcz, de maneira corajosa, franca e extraordinária, expõe as suas entranhas e os seus sentimentos mais internos para todo o público. Seu relato é forte, poderoso e ao mesmo tempo brutal. Luiz traz à luz a dualidade que permeou uma vida entre o sucesso profissional e os demônios internos de uma angústia causada pela herança genética e espiritual da história de uma família.

A densa e dura história de uma família judia de origem húngara, que abandonou tudo para fugir dos horrores do nazismo; do pai de Luiz, que carregou durante a sua vida inteira a culpa por não ter morrido no campo de extermínio junto ao seu pai (avô de Luiz) e ter conseguido escapar sozinho, de um trem que o levaria a Bergen-Belsen; da mãe, croata, que teve que decorar aos três anos de idade um novo nome, para que pudesse escapar dos nazistas e embarcar numa odisseia que a levaria primeiro à Itália e depois para o Brasil e, finalmente, do filho único, Luiz Schwarcz, que carregou em suas pequenas costas de criança a obrigação de fazer o pai voltar a sorrir e a missão de expiar a culpa pela morte do avô. Não fosse isso tudo suficiente, ainda viu em si a concretização do elo necessário para manter seu pai e sua mãe unidos num casamento marcado por tempos incertos, silêncios duríssimos, incompatibilidades e dor.

Aos 14 anos Luiz foi levado ao psicólogo pela primeira vez. Nesse momento foram identificados os traços que posteriormente seriam compreendidos como de um quadro depressivo. Durante sua adolescência conseguiu lidar com o que sentia de alguma forma mais positiva ao participar de grupos juvenis judaicos e ao se dedicar ao futebol, onde se destacou muito como goleiro (aliás, posteriormente escreveu um belo livro sobre sua paixão pelo futebol aliado a trechos da história da sua família em Minha vida de goleiro). Além disso, encontrou na leitura sua principal vocação. Um leitor acima de tudo, mais do que um escritor. Tornou-se um leitor voraz e construiu um arcabouço de erudição extremamente impactante.

Ao lado da leitura, Luiz Schwarcz conjugou sua personalidade solitária e melancólica ao colecionismo e à apreciação musical. Seu vazio existencial e sua angústia foram encontrando válvulas de escape, respiros no ar que lhe faltava.

Assim, o relato de Luiz Schwarcz talvez seja um dos livros mais corajosos escritos em língua portuguesa. Seu relato pessoal de dor e sofrimento, do menino, do homem, do marido, filho, neto, pai, amigo que sofreu e fez sofrer por sua ansiedade, tristeza, euforia tem tudo para se tornar uma leitura obrigatória para que a depressão seja levada a sério. Se para alguns desavisados ela é sinônimo de fraqueza, para quem convive com ela, ela é dor, provação e extremamente democrática. Ela não escolhe classe social e tampouco é fruto de erros ou equívocos, ela é uma sombra que asfixia. Ela está nas pessoas que fracassam, que tem sucesso profissional, que amam, que odeiam, que andam pelas ruas, que simplesmente existem. Ela pode acontecer com qualquer um em qualquer condição. Quando ela acontece, é preciso que ela seja diagnosticada para que, ao sentir-se completamente sem ar, se volte a respirar. A vida de Luiz Schwarcz nos ensina isso.

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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