Talvez seja esse um dos acontecimentos mais assustadores envolvendo as duas princesas do gelo norte-americano, Tonya Harding e Nancy Kerrigan: o filme “I, Tonya” (Eu, Tonya, em português)
Trata-se da história real de Tonya Harding, exposta entre os abusos que sofreu enquanto criança, a violência familiar a que foi submetida e o fato de ter sido a primeira norte-americana a tentar e conseguir aterrissar perfeitamente um triple axel em competições.
Assim, o filme retrata as conturbadas relações no âmbito pessoal, que permearam a história de uma das mais importantes patinadoras no gelo dos EUA em sua história recente. LaVona Harding, mãe de Tonya, é interpretada pela magnífica Allisson Janney. Tonya, por sua vez, é interpretada por Margot Robbie, festejada pelo estrondoso sucesso de Barbie. Aliás, nesse filme, Margot apresenta sua versatilidade, que vai muito além da faceta que mostrou quando fez “Esquadrão Suicida” (2016).
A mãe de Tonya é retratada de maneira asquerosa, mas que totalmente encaixa no estilo tragicômico que permeia o filme. Já seu esposo, Jeff Gillooly (Sebastian Stan), foi o primeiro homem que a chamou de bonita, ainda quando tinha 15 anos. Uma relação que logo se tornou absurdamente violenta. Jeff, na versão de Tonya, agredia com frequência, assim como a mãe também o fazia. A atleta, então, se via entre competições – que cobravam dela uma postura mais feminina e elitizada – e um ambiente extremamente violento.
Tonya tinha em Nancy Kerrigan (Caitlin Carver) uma colega competidora, tal como conta o filme. Mas, após Nancy ter sido atacada durante uma competição norte-americana de patinação artística no gelo e Tonya ter sido acusada de idealizar o ataque, ambas as esportistas se tornaram antagonistas na visão da imprensa. Tonya logo se tornou a vilã e Nancy a queridinha da América.
O fato é que o ataque foi perpetrado e orquestrado pelo ex-marido de Tonya, Jeff, e seu “guarda-costas”, Shawn Eckhardt. Tonya foi acusada e se declarou culpada apenas por obstaculizar as investigações, o que lhe custou a sua carreira. O caso é conhecido como aquele que mais abalou o mundo do esporte nas últimas décadas.
Todo filme é feito a partir de escolhas e “I, Tonya” não poderia ser diferente. Isso não é necessariamente uma crítica negativa, mas apenas um fato. O que dá para notar durante o longa é que seu diretor, Craig Gillespie, fez a escolha de retratar e buscar transmitir a memória de Tonya. Mesmo os fatos que são negados pelos outros personagens da história, como as violências físicas e domésticas, continuam a ganhar destaque. Outra indicação desta escolha é o fato de que a personagem Nancy não possui uma fala durante o filme, apenas depois do ataque, que ficou marcado pelos seus gritos “Why?” (Por que, em inglês).
A história é fantasiosa, exatamente pela escolha do diretor em retratar a visão de Tonya, mas, há que se pontuar que ela também foi sensacionalissimamente utilizada e explorada pela imprensa norte-americana. A “novela”, se assim podemos chamar, teve cobertura quase que integral e um impacto forte na vida das atletas. Exemplificando como esta história marcou os EUA, o ex-presidente do país Barack Obama já utilizou “Tonya Harding” como um verbo. Em uma piada, o então candidato a eleição, afirmou: “As pessoas disseram que não há como Obama ter uma chance, a menos que ele vá e dê uma joelhada na pessoa à nossa frente, faça uma Tonya Harding”. O ataque também virou piada na conhecida série Os Simpsons.
Tonya teve de, forçosamente, porque assim decidiu a justiça, encerrar a sua carreira. Enquanto Nancy, que ganhou a medalha de prata nas Olimpíadas de Inverno de 1994, após o incidente, entrou para o hall da fama dos EUA. Ela, inclusive, participa ainda de quadros e programas de famosos, como o Dancing with Stars (Dança dos Famosos), enquanto Tonya tornou-se uma paisagista. Esta é a versão que o filme escolhe contar.
O enredo é dominado com maestria pelas atrizes Allisson Janney e Margot Robbie. Janney inclusive venceu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 2018 e Robbie foi indicada a categoria de Melhor Atriz ao prêmio. O filme também concorreu a Melhor Montagem do Oscar 2018.
O filme está disponível na Netflix e com certeza te tirará alguns sorrisos no seu estilo tragicômico.