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A resenha: Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída  

A resenha: Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída  

            Um dos maiores sucessos da história do cinema alemão, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída é um dos filmes mais marcantes e duros do final da década de 1970 e início de 1980. O longa, que também foi um sucesso fora da Alemanha, é uma adaptação do romance jornalístico Christiane F. – Wir Kinder vom Bahnhof Zoo dos jornalistas Kai Hermann e Horst Rieck, produzido por Bernd Eichinger e dirigido por Uli Edel. Publicado em 1978 na então Alemanha Ocidental, o livro foi um estrondoso sucesso, tendo sido um verdadeiro fenômeno editorial.

O filme conta a história de Christiane Felscherinow, uma menina de apenas 13 anos que vive na cinzenta e pesada cidade de Berlim Ocidental. A capital da Alemanha Ocidental, imersa no contexto da Guerra Fria, traumatizada, destruída e marcada psicologicamente pela vergonhosa separação através do escatológico muro, é o palco de uma juventude que experimenta, além da pobreza material, as dificuldades de uma geração marcada pelo pós-guerra, pela solidão e pela falta de perspectiva.

Christiane, interpretada por Natja Brunckhorst, é uma menina que vive num complexo habitacional de classe média baixa com sua mãe, que pouca atenção lhe dá. Seus pais são separados e a menina enfrenta praticamente sozinha as mudanças que a idade proporciona. Solitária, ela é uma grande fã do jovem astro do rock David Bowie. Além de colecionar seus discos, sonha em vê-lo ao vivo num show.

Fascinada pela música e desejosa de se livrar do tédio que habita sua vida e praticamente mora em sua casa, Christiane quer conhecer a Berlin Sound, a discoteca mais desejada pelos jovens daquela época. Ao conseguir visitar o lugar, logo se depara com rapazes que a assediam. Assustada, mas também curiosa e hipnotizada pelo lugar sombrio e desafiador para uma menina que acaba de entrar na adolescência, Christiane resolve entrar numa sala escura dentro da discoteca ao som de Look Back in Anger de David Bowie. Logo que ela entra, gemidos e gritos podem ser ouvidos, sem que se saiba ao certo se são relativos a dor ou prazer. Ao fundo o filme A noite dos mortos vivos (1968) é transmitido, o clássico da contracultura norte-americana de George Romero, numa espécie de prelúdio ao horror que viria a se tornar a sua vida.

É nesse ambiente que Christiane conhece seu primeiro amor, Detlef, vivido por Thomas Haustein. Ambos são jovens oriundos de famílias com problemas, entediados e extremamente solitários, que encontram na transgressão alguma excitação. Em uma cena célebre e talvez uma das mais bonitas do filme, fogem ao som de Heroes, um dos maiores clássicos de Bowie, da polícia e acabam no topo de um prédio da Mercedes Benz, presenciando a vista da noite de uma Berlim que tenta dormir, mas não suporta o próprio peso.

Aliás, a atmosfera sombria da cidade que tenta renascer é um convite para a imersão na heroína. Christiane primeiro tem contato com algumas drogas mais leves, mas logo vê jovens injetando aquilo que praticamente destruirá a sua juventude. Em um certo momento Christiane parece recobrar o lampejo da menina que queria apenas escutar o seu ídolo, quando em um show consegue ficar muito próxima a David Bowie, que é ele mesmo no filme. Ela e o astro se olham fixamente enquanto ele canta Station to Station, numa forte simbologia entre o que o cantor representa para ela, o que a música em si quer dizer e o futuro que a espera. Bowie representa o momento da jovem menina ainda encantada, mas que logo após o show entra em um carro com alguns garotos e resolve injetar heroína, numa espécie de curiosidade misturada com a vontade de querer impressionar os meninos. Daí em diante o filme passa a ser uma jornada para um verdadeiro inferno.

O tédio dá lugar ao vício, às inúmeras overdoses dos jovens que, sem qualquer horizonte passam a se prostituir nas proximidades do Zoológico de Berlim. As cenas são pesadas e o ambiente é digno de um filme de horror. Enquanto Christiane se torna viciada, começa a se prostituir como as demais crianças e adolescentes. É uma jornada de autodestruição, cruel e repulsiva ao mesmo tempo.

Embora viciada e prostituída, Christiane, ainda apaixonada, tenta seguir Detlef nas desesperadoras e terríveis tentativas de reabilitação, mas o que encontra é degradação, exploração e o vício, que nunca desiste. Além de tudo isso, encontra também a dor da desilusão.

Vale dizer que a presença de Bowie durante todo o filme, seja em sua aparição no show ou apenas como uma sombra pela cidade, é muito simbólica. Bowie, na época, tinha 35 anos de idade e havia acabado de produzir a sua chamada trilogia de Berlim, composta por Low (1977), Heroes (1977) e Lodger (1978). David havia se mudado para Berlim para tratar seu vício em drogas, que quase havia o matado em Los Angeles. Ou seja, enquanto o ídolo fazia sua jornada de renascimento na fria e cinzenta cidade, fugindo do sol e das festas de Los Angeles, Christiane descia ao inferno no mesmo lugar.

A menina negligenciada pela família, em sua fase de descoberta do amor, do sexo, completamente sozinha, mergulhada em sujeira, humilhação, desespero, violência e solidão não tinha mais nada além da cidade e do seu ídolo. Christiane F. é realmente um filme muito duro, difícil de ver, mais assustador do que alguns bons filmes de terror. Aliás, tanto o livro, quanto o filme chegaram a ocupar os currículos escolares alemães como leitura e audiência obrigatória, com o objetivo de pais alertarem seus filhos sobre os efeitos e perigos do vício em drogas. Hoje, 43 anos depois, o filme pode não permanecer muito real em relação a Berlim, uma cidade que renasceu e se tornou símbolo de uma Alemanha unida, cosmopolita e moderna. Mas, em relação à jornada de autodestruição da menina e da enorme violência e negligenciamento a que muitas crianças ainda são submetidas, o filme permanece como um triste e universal alerta.

 

 

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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