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A Resenha Estarão as prisões obsoletas? Angela Davis

A Resenha Estarão as prisões obsoletas? Angela Davis

O livro da ativista e teórica Angela Davis Estarão as prisões obsoletas?, publicado pela Editora Difel em 2019, é um convite para repensarmos o Estado punitivista centrado nas prisões.

A autora, marxista, desenha a história das prisões, mostrando que elas surgiram de um processo de reformismo, substituindo as penas corporais e severas. Este é o assunto da primeira parte do livro. Davis debate, ainda, de que forma esse sistema funcionou como  substituição do período da escravidão ao prender mais negros do que brancos, visto que foram criadas leis específicas – como vadiagem – que eram usadas para prender os negros. Estes, uma vez presos, desempenhavam o trabalho braçal forçado. Como resultado, importantes avenidas e monumentos estadunidenses são fruto desse tipo de arrendamento punitivista. Para a autora, a supremacia branca, mesmo com a Décima Terceira Emenda, “continuou a ser adotada por um imenso número de pessoas, tornando-se profundamente enraizada nas novas instituições” (p. 24).

Cabe ressaltar também a discussão que a autora faz acerca do modo que crimes eram forjados para manter negros no sistema prisional. Davis faz um alerta, este sistema prisional contemporâneo continuou a replicar o racismo ao prender mais pessoas de comunidades negras, latinas e de nativos americanos. Sua tese sobre como o sistema industrial-prisional funciona é similar aos argumentos mobilizados pelo francês Loic Wacquant, em “Punir os Pobres: A nova gestão da miséria nos estados unidos”. Em seu livro, Wacquant analisa de que forma houve a transferência de um Estado caritativo para um Estado penal, que serviu para substituir sistemas sociais em decadência no final do século XX nos Estados Unidos. Mudanças essas, que foram promovidas a partir do governo de Ronald Reagan. Nas palavras de Davis, “o encarceramento foi o programa social governamental implantado de forma mais abrangente em nosso tempo” (P. 12).

Sua análise também se centra na violência prisional contra as mulheres. Uma teórica do feminismo negro e de classe, Davis acusa que as mulheres foram deixadas de fora do debate sobre o sistema prisional dos Estados Unidos, inclusive para ativistas antiprisionais. Para a autora, “Estudos indicam que as mulheres têm mais probabilidade do que os homens de ir parar em instituições psiquiátricas o que sugere que , enquanto as cadeias e as prisões têm sido instituições dominantes no controle dos homens, as instituições psiquiátricas têm servido a um propósito similar no que diz respeito às mulheres” (p. 71). As mulheres presas também são vítimas de violência sexual dentro das prisões, com procedimento invasivos e revista íntima em exagero, de forma que “Estudos sobre prisões femininas em todo o mundo indicam que este abuso é uma forma de punição permanente, embora não reconhecida, à qual as mulheres que têm o infortúnio de ser mandadas para a prisão são submetidas” (p. 86).

Dessa maneira, a autora chama nossa atenção para a obsolescência das práticas para a sociedade que continuam a ser reproduzidas dentro dos muros. Apesar da pena capital – pena de morte -, ser amplamente discutida, Angela Davis alerta para um tabu de discutir os fins das prisões, como se isso fosse algo inimaginável.

Em seu capítulo sobre o sistema industrial-prisional, uma alusão ao termo sistema industrial-militar, a autora se debruça sobre a importante questão dos lucros das instituições privadas estadunidense. Em sua análise, fica claro que a construção de mais prisões não foi motivada por um aumento da criminalidade, argumento muito parecido com o de Wacquant, mas sim pela busca incessante de lucro.

Davis chama a nossa atenção, então, para o caráter sistêmico das práticas prisionais. A autora analisa de que forma o sistema industrial-militar serviu de inspiração e compartilhou tecnologias para a instituição do sistema industrial-prisional. Davis também acusa a privatização de serviços sociais como um todo, demonstrando a mudança promovida pela ideologia neoliberal e como isso gerou uma precarização do sistema de seguridade social. Dessa maneira, a autora faz um paralelo entre o período atual de geração de lucro por meio do sistema prisional com o período pós-Guerra Civil em que negros eram presos sob o regime de arrendamento e desempenhavam trabalho forçado para o Estado.

Mas quais são as soluções? A leitura instigante e crítica de Angela Davis também é propositiva. A autora nos convida a repensar algo que está calcado no imaginário da população para a construção de uma sociedade mais segura e livre de criminalidade, apontando para uma saída diversa; ou seja,  uma saída antiprisional.

As alternativas abolicionistas são elencadas pela autora como uma forma de ocupar o espaço atualmente preenchido pela prisão e substituí-las no nosso cenário social e psíquico. Primeiro, a autora afirma que as escolas devem ser a instituição a substituir as cadeias e prisões, transformando-as em canais para desencarceramento. Trata-se de uma reforma do modelo educacional, desmilitarizando-o e fornecendo um espaço para que a comunidade floresça.

Concomitantemente, é preciso criar instituições de saúde, que fiquem à disposição de pessoas pobres e negras que sofrem com distúrbios mentais e psicológicos. Essa proposição conversa com um dos temas trabalhados pela autora no livro, de que, na ausência dessas instituições, pessoas que deveriam receber atenção da saúde, acabam indo parar nas prisões.

Uma pauta de extrema importância também é a descriminalização do uso de drogas, de forma a acabar com a Guerra às Drogas. Devem ser criados, dessa maneira, serviços comunitários, gratuitos e acessíveis para aqueles que desejam enfrentar seu problema com abuso de drogas. Essas instituições e alternativas abolicionistas já estão disponíveis na sociedade, entretanto destinam-se a comunidades abastadas, as chamadas elites. Podemos compreender, portanto, que a proposta da autora preza uma maior democratização no acesso de instituições públicas de qualidade, com tratamento humanizado.

Outra alternativa para o problema é deixar de punir aqueles que ingressam no país sem documento, os chamados imigrantes “ilegais”. Essa alternativa visa combater a super-representação de imigrantes e latinos nos centros de detenção e encarceramento.

Essas alternativas abolicionistas não pretendem cobrir todas as possibilidades que podem ser pensadas para o problema, mas demonstram que é possível sim criar um sistema que substitua o Estado punitivista e penal e nos faça repensar a relação entre crime e castigo. Assim, a leitura de Angela Davis é mais do que essencial nos dias atuais, pois ela nos mostra que é possível combatermos uma instituição retrógrada com políticas sociais de qualidade.

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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