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A Resenha: Central do Brasil

A Resenha: Central do Brasil

            Recentemente a atriz Fernanda Montenegro leu Simone de Beauvoir no Parque Ibirapuera em São Paulo. Do alto de seus 94 anos uma das maiores atrizes da história reuniu mais de 15 mil pessoas para vê-la, ouvi-la e reverenciá-la. Não é para menos e tampouco exagero, Fernanda Montenegro é um patrimônio artístico cultural da humanidade.

Quem não conseguiu vê-la em São Paulo pode, ao menos, revê-la em um dos mais importantes e melhores filmes do cinema brasileiro. Central do Brasil entra, 26 anos após sua estreia, no catálogo da Netflix. O filme, lançado em 1998 e dirigido por Walter Salles, conta a história de Dora e Josué, interpretados por Fernanda Montenegro e o, à época, menino Vinícius de Oliveira.

Dora é uma ex-professora que vive com dificuldades financeiras e, para poder simplesmente viver, escreve cartas para pessoas simples, humildes, que transitam todos os dias aos milhares na estação Central do Brasil do Rio de Janeiro. É um Brasil ainda muito analógico e bem diferente do repleto de smartphones hoje, mas não muito diverso no que toca à pobreza e à brutalidade. As inúmeras histórias silenciosas que passam todos os dias pela estação Central do Brasil encontram em Dora uma forma de se comunicar. Ela cobra um real por carta escrita. Aqui, é interessante notar o quanto nossa moeda era valorizada àquela época, ainda muito próxima do plano de estabilização monetário feito em 1994.

Amargurada e brutalizada pela difícil vida, Dora leva as cartas para casa e seleciona quais realmente mandará, destruirá ou simplesmente jogará para o esquecimento numa gaveta. Irene, vivida pela excelente Marília Pera, é a amiga com quem Dora compartilha o que escreve todo dia. Também ex-professora, auxilia Dora na tarefa de escolher a que tipo de destino cada carta recebe. Ambas riem e zombam das peculiaridades alheias, como se zombassem do próprio sofrimento e das próprias frustrações da vida. De qualquer modo, Irene é um toque de delicadeza e cor para o rancor pesado e triste de Dora.

Em um certo dia, Ana, uma nordestina, vem com seu filho Josué e pede para que Dora escreva uma carta para seu pai, Jesus, que mora no Nordeste. Na primeira carta que pede, Ana diz que Jesus foi a pior coisa que aconteceu na sua vida, mas que Josué quer conhecê-lo. Dora não envia a carta e simplesmente embolsa o dinheiro. Contudo, num segundo momento, Ana volta e pede para Dora jogar aquela carta fora e escrever outra, porque, na realidade, ela gosta de Jesus e quer vê-lo novamente. Mas, o que ela mais quer é que Jesus conheça o próprio filho.

Aliás, a tragédia e a violência é simplesmente algo corriqueiro na vida dessas pessoas sofridas. Em uma das cenas mais violentas do filme, um rapaz paga o preço de sua ousadia por ter tentado roubar um pequeno rádio de um camelô da Central do Brasil. Quem, inclusive, é o responsável pela sumária execução do rapaz é Pedrão, interpretado pelo ótimo Otávio Augusto, um sádico segurança e assassino da estação.

Ana, logo após pedir para Dora escrever a carta para Jesus, vai embora da estação com Josué. Ao atravessar a rua seu destino é o mesmo de Macabéa. Josué fica sozinho, sem rumo, no meio de milhares passando diante do seu choro. O menino sem ninguém é apenas mais um no meio da multidão, que passa e já não se assusta com as lágrimas de uma criança sozinha. Os trens seguem lotados e a vida segue o seu rumo. O corpo de Ana é só mais um que não se levantará mais.

Josué vai até Dora para pedir que ela novamente escreva para o pai que nunca viu. Dora é extremamente insensível e bruta, mas, aos poucos, é quem vai ajudar o menino. Todavia, sem saber muito o que fazer, Dora simplesmente vende Josué para Pedrão e uma mulher chamada Yolanda, vivida por Stella Freitas, que supostamente o levariam para ser adotado por alguém nos Estados Unidos. Irene, ao saber do que Dora havia feito, a alerta sobre o absurdo e o destino para o qual estaria enviando o menino. Arrependida, Dora resolve resgatar o menino, mas é jurada de morte por Pedrão e Yolanda.

É a partir desse momento que os destinos de Dora e de Josué os levam a uma jornada de dor, rejeição, desespero, pobreza, mas também de amor, carinho e redenção. Dora, corajosamente e desesperadamente, tenta levar Josué ao pai que talvez sequer exista nos distantes confins do sertão brasileiro, não só para ajudar o menino, mas, talvez, para dar a ele aquilo que nunca teve.

Central do Brasil é, sem a menor sombra de dúvida, um clássico da história do cinema e merece um lugar na lista dos melhores filmes já feitos. Não é à toa que venceu inúmeros prêmios, como o Globo de Ouro, além de ser indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Fernanda Montenegro foi, inclusive, indicada ao Oscar de melhor atriz. Não importa que não tenha vencido, sua indicação foi um reconhecimento ao tamanho e ao peso que essa atriz, um monumento vivo, tem. Enfim, Central do Brasil é um filme atemporal, universal, que no fundo, apesar de retratar as profundezas de um Brasil hostil, árido e muito duro, fala sobre questões que tocam qualquer ser humano. É um filme sobre rejeição, abandono, pobreza, religiosidade, brutalidade e sobre a violência que acomete todos os dias nossas vidas, ao mesmo tempo é um filme de sonhos, saudades, esperança e fé, onde os encontros e desencontros nos ensinam que apesar de dura e fria, a vida também é bela e generosa. Merece ser visto, revisto e contemplado.

 

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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