fbpx
Fundação Podemos
/
/
A Resenha: Argentina 1985 (2022)
Prancheta 7

A Resenha: Argentina 1985 (2022)

A América Latina sofreu diversos golpes militares durante o século XX. Um desses foi a última ditadura militar da Argentina, que ascendeu ao poder em março de 1976. O período de Terrorismo de Estado, como ficou conhecido o regime da junta militar encabeçada por Videla, perdurou até o ano de 1983, quando o regime implodiu após a Guerra das Malvinas/Falkland.

O período militar foi marcado pelos “detidos-desaparecidos”, termo cunhado pela Anistia Internacional em 1976 para explicar os milhares de desaparecidos. Posteriormente, foi comprovado que essas pessoas, embora não saibamos a cifra exata, foram “abduzidas” pelo regime, a maioria delas torturadas e executadas. Nessa época, o caso argentino ganhou destaque na opinião pública internacional como o “novo Chile”[1].

Após o fim do regime militar, o país iniciou o que a gente chama de “transição democrática” e é nesse interregno entre o fim da ditadura e a retomada da democracia que o filme Argentina 1985 (2022) se passa.

O filme inicia com cenas de tensão e alegria, retratando a apreensão, mas, ao mesmo tempo, o alívio que se vivia no ano de 1983 na Argentina. A retomada da democracia foi gradual, mas os militares conseguiram aprovar, nos últimos dias de mandato, uma anistia para os crimes cometidos pelos militares.

É importante notar que caberia, de acordo com a lei dos militares, à corte Militar o julgamento dos crimes cometidos durante a ditadura, mas esta se mostrava muito resiliente às pressões populares para que a justiça fosse feita às vítimas. O filme mostra, portanto, a decisão tomada pela Suprema Corte do país de julgar os crimes militares.

É aí que inicia a construção da trajetória de herói de Strassera, interpretado pelo referenciado Ricardo Darin. Strassera foi o procurador responsável pelo caso. Com pouco tempo para construir a sua argumentação e com dificuldades de montar a sua equipe, visto que muitos ainda tinham medo de sofrer represálias de militares e simpatizantes, Julio Strassera decide por uma estratégia pouco convencional: contratar jovens. Dentre eles, estava o jurista – e, atualmente, maior referência do processo de julgamento de militares da Argentina – Luis Moreno Ocampos (Peter Lanzani).

O filme surpreende, mas ao mesmo tempo segue uma tendência do cinema argentino: mistura drama, humor, suspense e mais um milhão de emoções. Para aqueles que possuem interesse na história argentina, irão se deliciar. Mas o filme também cativa aqueles que se interessam apenas por dramatizações de julgamentos e suspense.

Os roteiristas Santiago Mitre e Mariano Llinás conseguem transparecer magistralmente o sentimento dessa Argentina em que a democracia ainda engatinhava. Além disso, ficamos aflitos com a corrida contra o tempo empreendida por Strassera e sua equipe e, em relação aos depoimentos, ficamos impressionados com as histórias dos sobreviventes ou dos familiares de vítimas.

O filme, entretanto, não é perfeito. Primeiro, visa construir a imagem de Strassera como um herói nacional, mesmo que as críticas a sua atuação durante o período militar sejam representadas no longa. Essa personificação, por exemplo, deixa de lado a importância das Mães da Praça de Maio, um dos mais importantes movimentos de direitos humanos da América Latina.

Em relação aos fatos históricos, não se explica o contexto em que houve a queda da ditadura, tampouco discute sobre os limites do julgamento da junta militar. Além disso, não fica claro aos leigos que, com os indultos e as leis que colocaram fim na judicialização dos crimes cometidos pela ditadura, os militares condenados no julgamento de Strassera foram soltos.

De fato, apesar de terem pego prisão perpétua, o indulto promulgado pelo governo peronista de Ménem os livrou da cadeia. Anos depois, e agora sim com o protagonismo das Mães e Avós da Praça de Maio, parte dos condenados foram sentenciados novamente, embora pela prática de roubo de bebês.

Apesar da história ser comovente, esses erros podem induzir o telespectador a algumas falhas e, sendo um filme com tamanha importância[2], era necessário um maior cuidado investigativo e de pesquisa para que o roteiro ficasse fidedigno. Caberia também um alerta de que os depoimentos representados pelo filme não são verdadeiros e sim uma dramatização de casos que realmente ocorreram.

Apesar dessas falhas, Argentina 1985 mantém o seu valor e foi indicado ao Oscar de 2023. A Argentina já detém dois Oscars: pelo filme A História Oficial, de Luis Puenzo, em 1986, e pelo longa de Juan José Campanella, O segredo de seus olhos, em 2010. Argentina 1985 concorreu à categoria de Melhor Filme Internacional ao lado do vencedor, “Nada de Novo no Front” (Edward Berger, Alemanha).

Apesar de não ter levado a estatueta para a América Latina, há uma curiosidade nos Oscars ganhos pela Argentina: ambos, assim com Argentina 1985, tratam da década de 1970 e 1980, período de dura repressão na história do país. A indicação foi muito elogiada pela crítica.

O filme é extremamente interessante e consegue encantar diversos tipo de público. Com certeza vale a pena assistir e aprender um pouco mais sobre esse momento histórico que foi o julgamento dos militares do país.

Em nota:

No dia 16 de maio, a Universidade de São Paulo (USP) realizou a exibição e o debate do filme indicado ao Oscar neste ano Argentina 1985. Nosso time esteve presente e você pode conferir tudo que aconteceu nesse evento clicando aqui.


[1] O Chile é um caso emblemático de ditadura militar. O regime instituído por Pinochet foi responsável pelo assassinato e tortura de diversos militantes e trabalhadores. Na época, o país recebeu uma visita in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

[2] Lembramos que o julgamento da junta militar foi o primeiro julgamento realizado na América Latina que visava julgar os militares por crimes cometidos durante a ditadura. Essa receita não foi implementada amplamente em outros países, como foi na Argentina, que focaram muito mais na busca por memória e verdade.

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

Compartilhe:
como citar
Últimas publicações
Acompanhe nosso conteúdo
plugins premium WordPress