Publicado pela Companhia das Letras, a belíssima edição do primeiro livro de contos do Chico Buarque, Anos de Chumbo e Outros Contos, chegou às estantes das principais livrarias do país em 2021. Um novo passo na sua já renomada carreira de cantor, compositor e escritor, Chico Buarque não abandona seu estilo de escrita, que ora choca o leitor, ora o faz rir pelos paralelos sarcásticos.
Ambientados no Rio de Janeiro, os contos parecem carregar um pouco de Chico a cada linha. Seja na autorreferência no personagem de “Grande Artista”, seja no solteirão que se apaixona em “O Sítio”. Mas de qualquer forma, a brasilidade, não aquela idealizada, está presente nas páginas curtas desta obra prima.
Com homenagens e citações de outros grandes artistas, o livro de contos nos leva a imaginar a vida de um artista, temática de “Para Clarice Lispector, com candura”, “Copacabana” e “O Sítio”, e os anseios que se fazem presentes no cerne do Eu. O livro se inicia com o conto mais incômodo, tratando do abuso de uma criança pelo seu tio miliciano com anuência dos pais, mas de um jeito a lá Chico Buarque, com uma naturalidade que causa ainda mais asco no leitor.
O autor também trata de outros assuntos caros que enfrenta a sociedade do Rio de Janeiro e, por que não, o país: a violência, abusos, as milícias, as gangues etc. Tudo isso com a capacidade de escrita que Chico já havia esbanjado em outros livros; esses de prosa, como O Irmão Alemão (2014), Essa Gente (2019) e Budapeste (2003).
Aquele mesmo Chico do século passado ainda está presente. Suas recentes obras, incluindo a já citada Essa Gente, traçam o retrato do país atual, crítico às elites, esfregando em nossa cara as contradições e as condições da vivência deste modo de estar. Chico não poupa alegorias para mostrar ao leitor aquilo que realmente deseja, a sutil caricatura do Brasil e do brasileiro médio.
Se utilizando da metáfora que Tony Belloto idealizou em seu texto sobre o livro à Elle, Chico sabe a arte de jogar o futebol de campo e o de salão; sabe os dribles secos e precisos do salão, mas não cansa num jogo longo com direito a prorrogação e pênaltis. Anos de Chumbo e Outros Contos só confirma a bela metáfora do escritor-compositor-dramaturgo (e, agora, contista) e talvez um dos maiores artistas brasileiros vivos.