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A Resenha: A última sessão de Freud

A Resenha: A última sessão de Freud

            No ano de 1939 a Europa estava à beira do colapso. As tropas de Hitler se preparavam para a guerra, enquanto a Inglaterra, a França e praticamente todo o resto do continente aguardavam angustiados o cenário se acalmar. A Áustria já havia sido anexada pela Alemanha nazista e os judeus que lá moravam e que conseguiram logo perceber o que estava acontecendo já tinham escapado do país dominado. Viena havia se tornado um lugar perigoso para qualquer judeu, independentemente de sua classe social e riqueza. A família Freud foi uma das que conseguiu fugir, saindo de Viena para morar em Londres. Era um tempo de pressão, angústia, medo e muita ansiedade.

A última sessão de Freud é um drama que se passa justamente nesse período da iminência da segunda guerra. Freud (1856-1939), interpretado por um dos atores do qual seguramente podemos afirmar ser um dos maiores da história do cinema, Anthony Hopkins, vive seus últimos meses em Londres, já idoso e bastante doente. Sofrendo muito com a dor que o câncer na boca lhe causa, recebe um jovem Professor irlandês de Oxford, Clive Staples Lewis (1898-1963), que nada mais é do que um dos mais importantes escritores de literatura fantástica da humanidade, criador de as Crônicas de Nárnia. Lewis é vivido pelo jovem e promissor ator britânico Matthew Goode, cuja atuação foi notável em O Jogo da Imitação (2014).

Durante o longa Freud recebe Lewis para uma conversa em sua casa. Efetivamente a história indica que Freud realmente recebeu um Professor de Oxford em seu último ano de vida. Todavia, ninguém sabe ao certo quem foi. A ideia que o filme apresenta de que esse professor pode ter sido o brilhante Lewis é resultado da adaptação homônima da peça de teatro de Mark Saint Germain (2009), que é também inspirada na obra The question of God, de Armand Nicholi (2003), que imaginou o encontro de ambos.

A conversa entre os dois aborda uma série de questões sobre a vida, alguns conceitos fundamentais da psicanálise, como a sexualidade relacionada a tudo que dá prazer ao ser humano, as fases oral, fálica, anal, os sonhos, as questões da infância e os pais, mas concentra-se principalmente na existência ou não de Deus e no papel que as religiões exercem em nossas vidas. Tanto Freud, do alto de sua posição como um dos gênios do século XX, quanto Lewis, provocam-se entre si, de maneira direta, desafiadora e até ácida, sem deixar de aos poucos criarem um laço de respeito e afetividade mútua. Freud parece o tempo todo querer provocar Lewis como se estivesse mesmo analisando-o. Lewis rebate com perspicácia e aos poucos vai sentindo-se mais à vontade diante da figura intelectual amedrontadora que Freud representa.

Apesar da inteligência de ambos e da profundidade dos questionamentos, o filme não deixa de humanizar as duas figuras, mostrando que possuem contradições, fraquezas, medos e traumas como qualquer pessoa no mundo. Nesse sentido, é muito interessante o paralelo que o diretor Matthew Brown constrói ao abordar em flashback a infância de ambos. O pequeno Freud tem a sombra da imagem autoritária do religioso pai e Lewis seu sentimento de órfão somado ao trauma que desenvolveu ao lutar na primeira guerra mundial.

Lewis é um cristão convertido e um defensor da existência de Deus, enquanto Freud tenta demonstrar que a fé do Professor de Oxford nada mais é do que uma consequência de uma infantilidade humana e do medo que todos nós temos de estarmos sozinhos diante da morte. É curioso que Freud está muito próximo da morte, mas isso não parece ser capaz de dele retirar a descrença que tem em Deus. Em um certo momento ele se demonstra extremamente com raiva de Deus, principalmente ao lembrar das perdas que teve em seu seio familiar, especificamente de seu neto de cinco anos. Aliás, Freud é representado como alguém que carrega muito sofrimento e toma diversas drogas para tentar aplacar a dor que sente, talvez não somente em razão do câncer que o acomete.

No decorrer do diálogo abordam a ambivalência humana e principalmente a capacidade de fazer o mal que o homem possui. Freud sustenta para Lewis que nós todos carregamos ódio por dentro e que isso sempre produziu monstros ao longo da nossa história. Para ele, Hitler é apenas mais um monstro que habita esse planeta, dentre outros que ainda virão.

Para Freud, a humanidade cria divindades superiores a ela para que possa ter um pai a quem recorrer diante das suas fragilidades. Assim, o Deus cristão não passa de mais um dos mitos que o homem construiu entre as diversas civilizações que passaram pelo planeta. Lewis rebate dizendo que há algo e que a presença divina pode ser sentida em diversos momentos da vida. Ao passo que Freud parece estar convicto de sua posição, Lewis parece mostrar alguma hesitação em alguns momentos.

A relação de Freud com sua filha, Anna Freud (1895-1982), é abordada em paralelo ao encontro de ambos. Freud parece ter uma conduta superprotetora e até dominadora com a filha, que dele esconde sua homossexualidade. Toda a relação entre eles parece ser uma explosão de contradição ao que o próprio Freud prega em suas falas. Anna, por sua vez, tem uma admiração fora do comum pelo pai, que beira à devoção. Lewis não deixa de perceber isso.

A última sessão de Freud é, sem dúvida alguma, um belo e tocante filme, que nos leva não somente a pensar sobre tantas questões existenciais e pessoais acerca de nossas dores e de todo nosso sofrimento, como também sobre o mundo e suas dificuldades. Ao ser testemunha desse encontro enriquecedor, entre um jovem brilhante professor de literatura e um dos maiores gênios da humanidade, qual caminho você escolheria: o da fé ou de que realmente estamos sozinhos no escuro?

 

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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