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A “crise da carne” e o acordo Mercosul-União Europeia

A “crise da carne” e o acordo Mercosul-União Europeia

Na França, bloqueio de estradas, cerco a prédios públicos e muita gritaria na Assembleia Nacional, com cobertura televisiva diária. Em um canal de TV, ao vivo, um pecuarista empunha o que seria um “bife da América do Sul” e reclama: Não dá pra competir! No Brasil, boicote de frigoríficos chega a produzir desabastecimento de carne em algumas lojas do Carrefour em São Paulo.

Vocês devem ter acompanhado a confusão que se produziu ao longo da última semana em torno da exportação de carne bovina para a França. Mas o que teria causado tamanha confusão?

 

O Contexto

Desde o fim dos anos 1990 existe um diálogo entre negociadores para se estabelecer um acordo de livre-comércio entre os blocos do Mercosul e da União Europeia. As primeiras rodadas de negociações começaram nos anos 2000 e começaram a tratar de temas tarifários para setores como agricultura e indústria. Porém, entre avanços e retrocessos, pouco se avançou desde então. O principal obstáculo sempre envolveu o setor da agricultura da União Europeia, que costuma contar com fortes subsídios públicos.

No entanto, depois de muitas divergências e pouco avanço, as negociações ganharam fôlego recente e espera-se produzir um texto para ser discutido na reunião de presidentes do Mercosul que ocorrerá no início de dezembro em Montevideu. No entanto, antes disso, e atento à iminência de um acordo, o setor agrícola e agropecuário francês iniciou uma série de protestos, pressionando fortemente o governo francês a rejeitá-lo. O motivo alegado é o de que a carne importada do Mercosul seria produzida em condições de degradação ambiental e sob leis trabalhistas mais frouxas, além de conter substâncias proibidas pela legislação europeia.

Assim, a questão da “carne da américa do sul” conseguiu gerar uma convergência política que sob outro tema seria impossível na França: Ambientalistas, setor agrícola e agropecuário, consumidores e governo, todos juntos contra o acordo de livre comércio com o Mercosul.

Atento ao clima político do país, o presidente mundial do Carrfour, Alexandre Bompard, resolveu postar em suas redes sociais na quarta-feira (20/11) que a rede francesa não ofertaria mais carne oriunda dos países do bloco. Se foi inocência, erro de cálculo, ou se simplesmente esqueceu que suas redes sociais também podem ser vistas pela América do Sul, não sabemos. O fato é que sua postagem caiu como uma bomba.

 

A crise da carne

Ainda na quarta-feira (20), o ministro brasileiro da Agricultura, Carlos Fávaro, reagiu afirmando ver “ação orquestrada” de empresas francesas contra a produção brasileira e afirmando serem inverídicas as acusações de que a produção brasileira não cumpre com as normas e exigências internacionais.

Já no dia seguinte, quinta (21), o Carrefour esclareceu que a medida se aplicaria apenas às lojas da França. Mas o estrago já estava feito. No Brasil, grandes frigoríficos como Minerva, JBS e Marfrig iniciaram um boicote ao Carrefour, interrompendo seu fornecimento à rede francesa. Na segunda feira (25) já havia relatos de escassez de carne em lojas do Carrefour em São Paulo.

Na terça-feira (26) o grupo Carrefour voltou atrás e publicou uma carta de retratação dirigida ao mercado brasileiro afirmando que a carne brasileira tem “alta qualidade e sabor. Com a publicação dos comunicados, alguns frigoríficos já começaram a suspender o boicote ao grupo francês.

Mas a turbulência política desencadeada não parece ter arrefecido. No Brasil a contenda rendeu uma reclamação da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) junto à Comissão Europeia, o braço executivo da União Europeia, contra o que vê com ação articulada entre Carrefour, empresários franceses e o governo Macron para prejudicar as exportações da carne brasileira para a Europa. A confusão rendeu também declarações de políticos brasileiros e até do Presidente da República, que afirmou que “franceses não apitam mais nada”, ao se referir à posição quase isolada da França sobre a questão e ao fato de que as negociações se dão ao nível supranacional, isto é, entre os negociadores dos blocos, não passando pelos parlamentos nacionais.

Mesmo assim, a Assembleia Nacional Francesa decidiu fazer uma votação simbólica na terça-feira (26), na qual rejeitou por 484 a 70 o acordo. Como dito, esse resultado não possui qualquer valor prático, pois a decisão sobre o acordo se dará em outras instâncias. No entanto, ele sinalizou uma ampla rejeição francesa sobre o tema e produziu uma unidade entre os partidos políticos que, em outros temas urgentes, como orçamento, não estão conseguindo chegar a acordo algum.

A curiosa coalizão contra a carne do Mercosul vai desde partidos bem à esquerda, como A França Insubmissa (Melanchon), que afirma defender os interesses dos pequenos agricultores, passando pelos ecologistas, que se afirmam preocupados com a preservação da Amazônia, até a extrema direita do Rassemblement National (Le Pen). “Nossos agricultores não querem morrer e nossos pratos não são latas de lixo”, chegou a dizer um deputado da direita.

 

Interesses em jogo

Fica evidente o conflito de interesses entre o agro brasileiro e o francês. Este último teme perder seu mercado para os produtos brasileiros, que conseguem chegar às prateleiras a um preço bem mais competitivo.

Já o setor brasileiro não teria muito a perder caso fosse mantido um boicote francês a seus produtos, já que a França foi responsável por pífios 0,02% das vendas externas brasileiras até outubro. Ou seja, nessa queda de braço econômica, o poder relativo do agro brasileiro é muito mais forte.

Já a rede Carrefour possui uma posição mais vulnerável, tanto que voltou atras em sua desastrosa declaração, pois um desabastecimento de suas lojas acarretaria perdas financeiras.

Do ponto de vista político, o jogo segue em aberto. O governo Macron já se posicionou contrário ao acordo, mas sozinho também não será capaz de barrá-lo. Precisaria reunir ao menos quatro países europeus que, juntos, representam pelo menos 35% da população da União Europeia, tarefa que não será fácil, dadas as divergências de interesses internos ao bloco. A Alemanha, por exemplo, é favorável, visando ampliar suas exportações de automóveis para o Mercosul.

Seguiremos acompanhando os desdobramentos dessa contenta e analisando seus possíveis efeitos, pois existe a possibilidade de que o acordo finalmente seja assinado na semana que vem, na rodada do Uruguai.

 

 

 

 

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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