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A Resenha: AmarElo – Emicida
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A Resenha: AmarElo – Emicida

A ética do amor é algo que sempre circundou as manifestações artísticas do ser humano, Diversamente à raiva, autores e autoras, como bell hooks, encontram, hoje,  no amor, uma saída revolucionária e de transição de um mundo considerado em decomposição.

Ouso dizer que há muito em comum entre o AmarElo, álbum do rapper Emicida e a obra Tudo sobre Amor, de bell hooks. Em seu álbum, o referenciado rapper brasileiro resgata o amor, a ancestralidade, com diversas referências, sem deixar de lado a violência sofrida pelo povo não branco. Além disso, sua magnífica obra contribui para compreendermos a importância do não branco para a criação das brasilidades.

“O rap é compreendido por um estereótipo que é o mesmo dado às pessoas pretas, como a raiva e a pobreza. […] Em AmarElo, a gente foge desse espectro previsível do que o rap pode ser” (Emicida). Nas palavras do rapper o disco é muito mais do que a fórmula já conhecida, mas não menos válida, do ritmo musical. Extrapola aquilo que já foi feito e se impõe como uma crítica. Apesar disso, 9inha e Eminência Parda denunciam o nosso mundo em decomposição e a violência aos não brancos.

As referências sobrepassam o seu lirismo de mestre e estão estampadas também na capa do disco. Claudia Andujar foi a responsável pela fotografia que estampa o álbum; nela, estão três crianças indígenas. Emicida diz que isso tem o sentido de afrontar, principalmente no momento em que os povos indígenas veem seu modo de vida e a sua própria existência ameaçada.

O nome do álbum faz referência também ao famoso poeta curitibano Paulo Leminski  (amar é um elo | entre o azul | e o amarelo). Além disso, o vídeo que levanta a questão do suicídio entre pessoas não brancas – AmaElo – utiliza um sample de Belchior, eternizado no álbum Anunciação (1973): “tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro; ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro.”

A primeira música – Principia ­– é realmente o princípio de tudo. Com a participação de Fabiana Cozza e do Pastor Henrique Vieira, trata-se de um louvor ao amor: amor à sua origem, à vida, à sua raça. Nos seus versos, Emicida deixa claro que “Mano, crer que o ódio é a solução | É ser sommelier de anzol” e, nas linhas finais, “Amor é espiritualidade | Latente, potente, preto, poesia […] Porque eu descobri o segredo que me faz humano | Já não está mais perdido o elo | O amor é o segredo de tudo | E eu pinto tudo em amarelo”.

A primeira música é um enunciado do que está por vir. O amor é revolucionário, é o que nos faz humano. Já nas músicas subsequentes isso fica cada vez mais latente. Em Pequenas Alegrias da Vida Adulta, Emicida retrata a beleza do amor no núcleo familiar, do amor à sua esposa e às suas filhas. Ele vê o amor até nas coisas mais simples, como “Encontrar um Tupperware que a tampa ainda encaixa” ou nos “Presentes com guache e crepom lembra meu dia”, de uma maneira em que o amor seria como  os sonhos de Deus.

Com a participação de MC Tha, A Ordem Natural das Coisas possui uma brasilidade única, fazendo referência ao neosamba. Retrata a beleza do nascer do dia, recontando as particularidades desse período da manhã: a merendeira indo ao trabalho, o latir dos cães, o som das crianças indo para escola. Mas, não é menos crítico. Afinal, nos faz lembrar que em São Paulo acordamos antes do nascer do sol e que algumas manhãs “Tem lá seus Vietnã”.

Quem tem um amigo (tem tudo) é o canto da amizade. Com participação de Zeca Pagodinho e Tokyo Ska Paradise, a música é sobre como a amizade e o amor aos amigos podem ser um refúgio às mazelas do nosso mundo em decomposição. Composta em conjunto com Wilson das Neves, a música é também um tributo ao percussionista que faleceu em 2017.

Além do álbum, a Netflix lançou um documentário, gravado no show do Theatro Municipal em São Paulo. AmarElo – É tudo para ontem, uma homenagem ao rapper, que fala um pouco sobre o amor, a amizade, o carinho, a violência e a empatia ao povo não branco. O show foi mais que histórico. O Theatro Municipal foi construído pela população negra, mas historicamente ocupado e frequentado pela população branca. É um símbolo da nossa segregação cultural e a falta de acesso àquilo que foi construído – e só existe – por meio da mão de obra da população negra. O rapper, nesse sentido, escolheu a dedo e fez com que periféricos, negros, marginalizados ocupassem  esse lugar.

Toda essa produção retoma exatamente o que bell hooks escreve sobre o amor: o amor como uma ética de (sobre)vivência, revolucionário, motor da transformação social. Para ela, o amor deve ser praticado, louvado, transmitido em todos os aspectos da nossa vida. Não é uma tarefa fácil, mas com certeza Emicida a transmite da maneira mais bela e honesta que há.

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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