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A Resenha: Cajuína (Caetano Veloso)

A Resenha: Cajuína (Caetano Veloso)

Que Caetano Veloso é um ídolo da música brasileira, disso não tenhamos dúvida. Mas, por que escrevemos sobre ele no “Setembro Amarelo”?

Poucos sabem, mas uma das canções mais belas e subjetivas de Veloso é exatamente sobre o suicídio cometido por um dos idealizadores da Tropicália, Torquato Neto. Cajuína, lançada em 1982 no álbum Cinema Transcendental, conta a história do encontro entre Caetano e Dr. Heli, pai de Torquato, em Teresina.

Torquato nasceu em Teresina e foi poeta, compositor, jornalista, ator e cineasta. Mudou-se na década de 1960 para Salvador, onde conheceu Gilberto Gil, Caetano, Maria Bethânia e Gal Gosta. Foi Torquato que oficializou ao mundo o nascimento da Tropicália. Junto a esses artistas, a Capinam e Tom Zé, inaugurou um movimento da música brasileira.

O tropicalismo mistura diversos sons brasileiros, como a Bossa Nova, o rock e — claro — ritmos regionais. Torquato contribuía como letrista, além de ser crítico de música em jornais pela cidade. Jornalismo, inclusive, foi o que o levou para o Rio de Janeiro. Cursou universidade na capital do samba, mas nunca chegou a se formar.

No final dos anos 1960, após o AI-5 e a prisão de Caetano e Gil pelo regime militar, Torquato se exilou nos Estados Unidos e, posteriormente, na Europa, morando em Londres por um período. Com o início dos anos 1970, Torquato retornou ao Brasil, mas o sentimento de alienação causado pela política brasileira, a truculência e os abusos do regime militar, bem como a censura, não os deixaram em paz.

No país, passou por internações para tratar do alcoolismo, além de ter rompido com diversos amigos. Torquato expressou a sua angústia e seu descontentamento com a sociedade brasileira por meio de cartas. Em um escrito para Hélio Oiticica, o famoso pintor brasileiro, Torquato expôs a sua visão:

“O chato, Hélio, aqui, é que ninguém mais tem opinião sobre coisa alguma. […] e o que eu chamo de conformismo geral é isso mesmo, a burrice, a queimação de fumo o dia inteiro, como se isso fosse curtição, aqui é escapismo, vanguardismo de Capinam que é o geral, enfim, poesia sem poesia, papo furado, ninguém está em jogo, uma droga. Tudo parado, odeio.” (Torquato Neto à Hélio Oiticica, 16 de julho de 1971)

No dia 10 de novembro de 1972, um dia após completar 28 anos, Torquato se suicidou em sua casa. Havia uma discussão na época, mas descartada nos dias atuais, que se tratava de um caso de assassinato do regime militar encoberto como suicídio.

Caetano Veloso conta que, apesar de abalado, não chorou no dia da morte do parceiro do tropicalismo. Anos depois, ele foi à Teresina e o pai de Torquato e defensor público, Dr. Heli, o foi procurar no hotel em que estava. Foi nesse momento que Caetano começou a chorar e o pai de seu amigo o consolou, até o momento em que o convidou para ir a sua casa.

Ali, entre um silêncio consolador, Dr. Heli foi à cozinha e buscou uma cajuína — suco de caju. Ele também foi ao jardim, onde colheu uma rosa menina e levou ao cantor de música brasileira. Foi na estrada que Caetano compôs “Cajuína”.

A letra é curta, o que nos permite olhar com atenção o que cada verso busca contar dessa história:

“Existirmos a que será que se destina?”. Caetano inicia a música com um questionamento antológico, algo que ele pensava durante o encontro com Dr. Heli.

“Pois quando tu me deste a rosa pequenina/Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina/Do menino infeliz não se nos ilumina/Tampouco turva-se a lágrima nordestina”. Nos versos seguintes, Caetano exprime o consolo e a visão de que Dr. Heli tratava-se de uma pessoa boa. Mas, se o destino do “menino infeliz” — Torquato — não os iluminaria, a lágrima ali que Caetano despejava não obscurecia o ser nordestino.

Os versos finais, “Apenas a matéria vida era tão fina/E éramos olharmo-nos intacta retina/A cajuína cristalina em Teresina”, ele joga luz à questão da fragilidade da vida e do existir, enquanto também traz elementos objetivos presentes — o suco cajuína e o local, Teresina.

Aqueles que pensavam que se tratava de uma música de Caetano com eu lírico feminino, agora compreendem que se trata de uma canção sobre um querido amigo, o consolo e os questionamentos que vêm à tona com o comportamento suicida de pessoas próximas. Um tema triste, sem dúvidas, mas delicado e sempre preocupante, merecedor da nossa reflexão e do nosso entendimento.

Observação: Esse conteúdo não representa, necessariamente, a opinião da Fundação Podemos.

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